Originalmente Black Mirror foi uma produção do canal britânico Channel 4 e a primeira temporada em 2011 já começa tocando em um tema bem sensível aos britânicos: a família real.
1.01
Em The National Anthem a adorada princesa é sequestrada e o sequestrador simplesmente exige que o Primeiro Ministro faça sexo com um porco diante das câmeras ou a garota morre. E assim Black Mirror começou chocando com uma história de zoofilia. Não há ainda nada de futurista, mas explora a forma como a internet, o Youtube e as redes sociais mudaram o mundo e a privacidade.
Oinc! |
1.02
Já em Fifteen Million Merits o futurismo chega. Os personagens trabalham pedalando umas bicicletas (provavelmente pra gerar energia) e vivem confinados em quartos com telões, usando avatares virtuais e tudo o que compram é pago com créditos digitais gerados pelas pedaladas. Há um programa de celebridades que é a chance de alguns deles subirem na vida e no fim das contas tudo nessa sociedade é uma celebração do fake e da atuação. Bem século 21, não é mesmo?
A bela Jessica Brown Findlay. |
1.03
O último episódio (é, só teve três episódios), The Entire Story of You, foi o melhor dessa temporada. Mostra um futuro em que as pessoas usam um implante no cérebro e nas retinas que grava todas as memórias visuais e elas podem acessá-las à vontade, de modo que a vida das pessoas é permeada por este hábito de sempre recordar tudo, revendo fotos e vídeos gravados em suas retinas, uma espécie de versão avançada do que já temos hoje com Youtube, Instagram, etc.
Viver sempre com acesso a todas as memórias tem suas vantagens, torna a sociedade mais segura (mas a perda da privacidade é o preço cobrado), etc., mas também potencializa o sofrimento em momentos ruins da vida que seria melhor esquecer. Uma das personagens optou por remover o implante, de modo que é vista como excêntrica (como hoje uma pessoa que não tem redes sociais), mas ela diz que sua qualidade de vida melhorou depois disso. Também alguns fetiches bizarros se desenvolvem, como transar ao mesmo tempo em que o casal assiste antigas memórias de sua melhor transa.
De ladinho. |
Após um hiato de dois anos, a série retornou para uma segunda temporada com três episódios lançados em fevereiro de 2013. Depois disto, outro episódio só viria em dezembro de 2014, num especial de natal.
2.01
2.01
Em Be Rigth Back, uma mulher perde seu namorado e descobre um serviço na internet que supostamente ajuda pessoas a lidar com o luto. Coletando informações da pessoa que morreu, como suas fotos e postagens em redes sociais, o site cria uma simulação virtual imitando a personalidade e até a voz, mas não para por aí. Também é possível instalar essa personalidade virtual em um corpo biotecnológico. Apesar de achar estranho no começo, a protagonista vai tentando se relacionar com esse "clone" de seu antigo namorado.
Hayley Atwell, para vossa alegria. |
2.02
White Bear é o episódio menos interessante dessa temporada. Basicamente é uma sátira sobre o voyeurismo da sociedade atual, com as pessoas sempre de celular na mão filmando o sofrimento alheio. Em uma espécie de reality show macabro, a protagonista é caçada em público e filmada pelas pessoas.
Em The Waldo Moment, um personagem animado fica famoso por seu jeito debochado. Durante as eleições a sua popularidade cresce tanto que um partido acaba convidando-o a concorrer. O objetivo era apenas gerar publicidade, mas o plot twist no final mostra que o mundo se tornou uma espécie de distopia cyberpunk governada por ninguém menos que o desenho Waldo. Assim como em White Bear, a ideia é mostrar como a sociedade se tornou uma espécie de culto fanático do meme e da publicidade. Um meme se torna governante.
2.04
No ano de 2014 saiu apenas um episódio no final do ano, White Christmas. Dois homens contam histórias para passar o tempo.Uma das mais interessantes teve a participação da Oona Chaplin (neta do próprio).
Uma empresa presta um curioso serviço em que a consciência do cliente é copiada e transformada em uma inteligência artificial vivendo em um aparelhinho em forma de ovo. Uma vez que ela é uma cópia da mente do dono, sabe exatamente os gostos e hábitos da pessoa e por isso é usada como uma criada da casa, gerenciando desde o ponto da torrada até a agenda de compromissos. Acontece que essa inteligência artificial tem consciência e a princípio não quer se submeter a essa escravidão, mas que escolha ela tem?
Outra história mostra uma tecnologia que se tornou normal no mundo: uma pessoa pode ser bloqueada na vida real, caso incomode alguém ou cometa algum crime. O resultado é que as pessoas bloqueadas se tornam párias, seus rostos aparecem borrados e vão ficando cada vez mais isoladas na sociedade. Pois é, algo parecido com o cancelamento da internet que se tornou moda nos últimos anos.
Uma empresa presta um curioso serviço em que a consciência do cliente é copiada e transformada em uma inteligência artificial vivendo em um aparelhinho em forma de ovo. Uma vez que ela é uma cópia da mente do dono, sabe exatamente os gostos e hábitos da pessoa e por isso é usada como uma criada da casa, gerenciando desde o ponto da torrada até a agenda de compromissos. Acontece que essa inteligência artificial tem consciência e a princípio não quer se submeter a essa escravidão, mas que escolha ela tem?
Outra história mostra uma tecnologia que se tornou normal no mundo: uma pessoa pode ser bloqueada na vida real, caso incomode alguém ou cometa algum crime. O resultado é que as pessoas bloqueadas se tornam párias, seus rostos aparecem borrados e vão ficando cada vez mais isoladas na sociedade. Pois é, algo parecido com o cancelamento da internet que se tornou moda nos últimos anos.
3.01
O primeiro episódio, Nosedive, é muito bom. Faz uma clara sátira à sociedade atual em que as pessoas estão sempre tentando causar boa impressão nas redes sociais, buscando likes e aprovação. Na história, o like ou estrelinha se tornou não só uma moeda universal como uma espécie de social rating. Pessoas com pontuação entre 4 e 5 são a elite privilegiada, 3 é a pontuação dos medíocres e abaixo disso as pessoas se tornam párias desprezadas. Por isso todos estão sempre fingindo uma simpatia forçada e negociando estrelas para manter um bom status.
Em Playtest um cara é cobaia no teste de um jogo de realidade virtual que opera diretamente no cérebro, de modo que ele se vê imerso em uma realidade criada pela mente, o que a princípio parece interessante, mas um bug faz com que a coisa saia do controle e ele em uma fração de segundo experimenta diversas camadas de realidade, como um sonho dentro de um sonho, a ponto de sobrecarregar o cérebro.
Esse tema de tortura mental, de inferno imaginário e da mente presa numa realidade virtual, que começou no episódio White Christmas, se repetirá bastante ao longo da série.
3.03
Shut up and Dance é o episódio menos futurista dessa temporada. De fato, poderia ocorrer no tempo presente. Algumas pessoas são alvo de chantagem por parte de um anônimo que coletou informações privadas criminosas ou comprometedoras e exige que realizem certas tarefas como assaltar um banco ou travarem uma luta mortal.
San Junipero retoma o tema da digitalização de consciência e da mente vivendo em um mundo virtual, no caso a praia de San Junipero onde as pessoas se encontram para se divertir e existe a opção (oferecida a doentes terminais) de transferir completamente a consciência para lá e viver "para sempre", o que faz desse mundo virtual uma espécie de céu.
Diferente do costumeiro tom pessimista de Black Mirror, essa história tem um final feliz, com o casal vivendo felizes para sempre em San Junipero. No fim vemos um gigantesco servidor onde as pessoas mortas são pequenos discos ali guardados. A humanidade se tornou um depósito virtual de consciências.
Men Against Fire é o episódio menos interessante dessa temporada. Um grupo de militares está caçando mutantes que eles chamam de "baratas". É como um apocalipse zumbi que alterou geneticamente as pessoas, deixando-as agressivas e com um rosto bestial. Acontece que na verdade isso é uma ilusão provocada por um implante que os soldados usam. Os tais mutantes são apenas humanos renegados, mas, para que os soldados não sentissem compaixão ou remorso, foram induzidos a acreditar que eram monstros. A velha tática da desumanização do inimigo, agora anabolizada pela tecnologia.
3.06
Hated in the Nation termina a temporada. Como as abelhas foram extintas, foram desenvolvidos drones em forma de abelha para realizar o seu papel na natureza. Estes drones acabam sendo hackeados e passam a atacar e matar pessoas, mas não aleatoriamente e sim pessoas que se tornavam alvo de hate nas redes sociais. Novamente o tema do cancelamento virtual.
As abelhas robóticas seguiam esse critério: se nas redes sociais as pessoas odiavam alguém ou mesmo desejavam a morte, as abelhas iam atrás dessa pessoa, agindo como uma espécie de executores do tribunal popular. É uma sátira das redes sociais e como rapidamente as pessoas aderem ao hate e ao linchamento virtual, como um enxame.
A quarta temporada, lançada em 2017, começou com o episódio USS Callister em que um programador de muito sucesso cria um jogo de total imersão numa realidade virtual online. Acontece que, apesar de parecer um típico nerdão tímido e quieto, no fundo ele é bem escroto, pois em segredo desenvolve uma camada particular do jogo em que ele recria pessoas virtualmente e as aprisiona em um ambiente inspirado no Star Trek clássico, mantendo-as submissas à sua vontade.
Sendo o administrador do software, o cara tem poderes divinos sobre aquelas consciências e elas fazem tudo para agradá-lo, do contrário podem ser punidas das maneiras mais sádicas. Ele se torna um demiurgo, um deus malvado. Bom, a história força bastante a suspensão de descrença com relação aos limites da tecnologia, pois o cara consegue recriar consciências inteiras, verdadeiras cópias de pessoas reais, simplesmente coletando uma amostra de DNA. Como é possível que a partir de um DNA ele crie uma mente de uma pessoa com todas as suas memórias e personalidade?
4.02
Em Arkangel uma mãe resolve testar uma tecnologia experimental que permite que ela monitore sua filha por meio de um implante. A princípio parece uma boa ideia, pois ela pode saber onde a filha está e protegê-la de perigos, até mesmo usar um filtro de imagem que impede que a criança veja alguma coisa muito estressante ou traumatizante. Com o tempo, porém, a mãe vai ficando obcecada em stalkear e controlar os passos da filha. Uma mãe paranoica e super protetora e uma tecnologia de vigilância... Combinação perfeita hein.
4.03
O terceiro episódio, Crocodille, a meu ver teve o melhor roteiro da temporada. O detalhe tecnológico é um aparelhinho que permite coletar fragmentos de memórias das pessoas e costuma ser usado em investigações policiais ou, neste caso, na apuração de acidentes para uma companhia de seguros.
No entanto, diferente de outros episódios, este não dá muita atenção à tecnologia em si ou em explorar algum uso maligno e distópico dela. É a trama que se desenrola que é interessante, uma história intrincada em que uma investigadora aos poucos vai descobrindo pistas de um crime, enquanto a criminosa vai se envolvendo mais e mais em outros crimes na tentativa de abafar o seu crime original. Parece um conto que o Allan Poe escreveria se vivesse hoje.
No entanto, diferente de outros episódios, este não dá muita atenção à tecnologia em si ou em explorar algum uso maligno e distópico dela. É a trama que se desenrola que é interessante, uma história intrincada em que uma investigadora aos poucos vai descobrindo pistas de um crime, enquanto a criminosa vai se envolvendo mais e mais em outros crimes na tentativa de abafar o seu crime original. Parece um conto que o Allan Poe escreveria se vivesse hoje.
4.04
Hang the DJ é como San Junipero, uma historinha romântica com final feliz, o que não faz muito o estilo Black Mirror. Mostra as experiências amorosas de um homem e uma mulher, orientados por uma inteligência artificial, um app de relacionamentos, que guia todos os passos de suas relações, até mesmo calcula o tempo que cada casal vai durar. No fim, todas aquelas experiências eram simulações usando cópias das consciências das pessoas reais a fim de determinar o match perfeito, ou seja, um aplicativo que roda simulações para encontrar sua alma gêmea.
4.05
Metalhead é o episódio menos interessante da temporada. Filmado em preto e branco e parecendo um curta genérico de ficção distópica, mostra uma mulher sendo perseguida por um cachorro robô assassino.
4.06
Em Black Museum uma mulher visita um museu que coleciona objetos de cenas de crime e o dono do local conta algumas histórias sinistras, como a de um médico que, após experimentar um aparelho que lhe permitia sentir as dores dos pacientes, fica viciado na dor ao ponto da morbidez; em outra história a mente de um homem é copiada no momento de sua execução na cadeira elétrica, de modo que vira um show de horrores para as pessoas que assistem a seu sofrimento imortalizado na mídia digital.
A história mais bizarra é a de uma mulher que após ficar em coma tem sua mente transferida para o cérebro de seu namorado que a princípio vê nisso uma maneira de ter contato novamente com sua mulher, mas com o tempo a relação se torna problemática e a mente dela é transferida para um macaquinho de pelúcia (isso mesmo) e tem apenas duas maneiras de se comunicar. Se ela quer dizer "sim" ou expressar uma emoção positiva, o macaquinho fala "Monkey loves you". Se ela quer dizer "não" ou expressar uma emoção negativa, o macaquinho fala "Monkey needs a hug". Você pode imaginar a tortura que deve ser viver com a mente assim dentro de um objeto, sem corpo, sem expressão.
A história mais bizarra é a de uma mulher que após ficar em coma tem sua mente transferida para o cérebro de seu namorado que a princípio vê nisso uma maneira de ter contato novamente com sua mulher, mas com o tempo a relação se torna problemática e a mente dela é transferida para um macaquinho de pelúcia (isso mesmo) e tem apenas duas maneiras de se comunicar. Se ela quer dizer "sim" ou expressar uma emoção positiva, o macaquinho fala "Monkey loves you". Se ela quer dizer "não" ou expressar uma emoção negativa, o macaquinho fala "Monkey needs a hug". Você pode imaginar a tortura que deve ser viver com a mente assim dentro de um objeto, sem corpo, sem expressão.
Mais uma vez Black Mirror explora o conceito que vem desenvolvendo desde o White Christmas, de que o maior sofrimento possível é o de ter a mente imortalizada num meio virtual, sem poder jamais dormir ou deixar de existir, sofrendo eternamente em um inferno digital 2.0.
O filme
Em 2018 não houve uma temporada nova, mas um filme, Bandersnatch, que trouxe um conceito novo para a plataforma de streaming: em certos momentos do filme você deve fazer escolhas pelo personagem (sim, uma espécie de Você Decide ou Life is Strange), um recurso metalinguístico, já que o personagem (um programador de jogos no ano de 1984) sofre uma paranoia de achar que não tem livre arbítrio e que suas ações estão sendo manipuladas pela audiência de um site de streaming.
A experiência de assistir um filme como se fosse um jogo em que você faz certas escolhas é inusitada, mas a história em si não é lá muito interessante. De fato, em certos momentos é um tédio ter que repetir certas escolhas até que a história siga o rumo que deve seguir para seu encerramento.
5.01
A quinta temporada veio em 2019 com apenas 3 episódios, o que mantém a tradição da série de entregar poucos episódios e ainda após longos hiatos. Eu diria que faz parte da experiência de tortura que a série propõe, ao menos para quem a acompanha há anos e tem esperado esses episódios entregues a conta-gotas.
Falando em experiência torturante, a verdade é que, desde que foi adotada pela Netflix, Black Mirror deu uma suavizada no tom, com direito até a episódios de romance com final feliz, como foi o caso de San Junipero, depois Hang the DJ e agora Striking Vipers.
Em Striking Vipers vemos mais uma vez um aparelhinho que é bem típico do universo da série, uma espécie de botão que se coloca na fronte e conecta a mente numa realidade virtual extremamente realista, com direito a sensações tácteis. E é assim que dois amigos, vivendo na pele virtual de avatares em um jogo de luta, se veem experimentando a broderagem no sexo virtual. Há um drama familiar, já que o protagonista é casado, mas no fim tudo se resolve e vivem todos felizes a la Dona Flor e Seus Dois Maridos.
O detalhe curioso é a coincidência do elenco, pois o protagonista é o Anthony Mackie, que é o Falcon dos filmes dos Vingadores, e seu amigo é o cara que interpretou o vilão Manta de Aquaman (Yahya Adbul). Já no mundo virtual eles são interpretados por Ludi Lin, que já foi um power ranger, e a garota foi a Mantis dos Vingadores (Pom Klementieff). Ou seja, basicamente, o Falcon e a Mantis têm um namoro virtual.
Falando em experiência torturante, a verdade é que, desde que foi adotada pela Netflix, Black Mirror deu uma suavizada no tom, com direito até a episódios de romance com final feliz, como foi o caso de San Junipero, depois Hang the DJ e agora Striking Vipers.
Em Striking Vipers vemos mais uma vez um aparelhinho que é bem típico do universo da série, uma espécie de botão que se coloca na fronte e conecta a mente numa realidade virtual extremamente realista, com direito a sensações tácteis. E é assim que dois amigos, vivendo na pele virtual de avatares em um jogo de luta, se veem experimentando a broderagem no sexo virtual. Há um drama familiar, já que o protagonista é casado, mas no fim tudo se resolve e vivem todos felizes a la Dona Flor e Seus Dois Maridos.
O detalhe curioso é a coincidência do elenco, pois o protagonista é o Anthony Mackie, que é o Falcon dos filmes dos Vingadores, e seu amigo é o cara que interpretou o vilão Manta de Aquaman (Yahya Adbul). Já no mundo virtual eles são interpretados por Ludi Lin, que já foi um power ranger, e a garota foi a Mantis dos Vingadores (Pom Klementieff). Ou seja, basicamente, o Falcon e a Mantis têm um namoro virtual.
5.02
O episódio Smithereens é muito bem narrado. A história se passa nos tempos atuais, em 2018, e não tem nada de fantástico na tecnologia, antes aborda algo que já é bem comum: o celular e as redes sociais.
O protagonista Chris sequestra um funcionário de uma mega empresa de rede social com o objetivo de falar ao telefone com o bilionário dono da empresa, uma espécie de Mark Zuckerberg (sendo que o personagem é bem mais cool que o Mark). E assim o episódio vai desenrolando todo o processo de abordagem policial e negociação e como a coisa reverbera em tempo real nas redes sociais.
No fim, o homem confessa que perdeu a esposa num acidente de carro porque ele estava olhando a notificação no celular enquanto dirigia, um tipo de acidente relativamente comum hoje em dia. O episódio faz uma crítica óbvia ao fato dos apps e redes sociais serem projetados para criar esse vício nas pessoas. Não à toa a história termina com a música "Can't take my eyes of you", que ilustra bem a nossa relação atual com o celular. Não conseguimos tirar os olhos dele.
Também há um detalhe interessante: quando o cara pega o refém e a polícia é acionada, começa a rolar uma troca de informações entre a polícia e a rede social e esta é de longe mais avançada na sua maneira de adquirir informações sobre o sujeito e entender seu comportamento com base em análises estatísticas de suas postagens. A tecnologia de monitoramento e coleta de dados das redes sociais hoje é capaz de conhecer as pessoas em um nível impressionante.
O protagonista Chris sequestra um funcionário de uma mega empresa de rede social com o objetivo de falar ao telefone com o bilionário dono da empresa, uma espécie de Mark Zuckerberg (sendo que o personagem é bem mais cool que o Mark). E assim o episódio vai desenrolando todo o processo de abordagem policial e negociação e como a coisa reverbera em tempo real nas redes sociais.
No fim, o homem confessa que perdeu a esposa num acidente de carro porque ele estava olhando a notificação no celular enquanto dirigia, um tipo de acidente relativamente comum hoje em dia. O episódio faz uma crítica óbvia ao fato dos apps e redes sociais serem projetados para criar esse vício nas pessoas. Não à toa a história termina com a música "Can't take my eyes of you", que ilustra bem a nossa relação atual com o celular. Não conseguimos tirar os olhos dele.
Também há um detalhe interessante: quando o cara pega o refém e a polícia é acionada, começa a rolar uma troca de informações entre a polícia e a rede social e esta é de longe mais avançada na sua maneira de adquirir informações sobre o sujeito e entender seu comportamento com base em análises estatísticas de suas postagens. A tecnologia de monitoramento e coleta de dados das redes sociais hoje é capaz de conhecer as pessoas em um nível impressionante.
5.03
Por fim, a temporada termina com Rachel, Jack and Ashley Too, que a princípio dá impressão que vai ser alguma história de boneco assassino, já que tem essa bonequinha que leva a cópia da mente de uma cantora pop (interpretada pela Miley Cyrus) e a gente sabe que histórias com bonecos animados, e ainda mais com inteligência artificial, não devem terminar bem.
No fim das contas a bonequinha é bem legal e o episódio não tem um final sombrio nem trágico. Ao contrário, a cantora que era escrava da indústria pop se liberta e vira roqueira underground. É meio que uma sátira baseada nesse conceito de que as pessoas na indústria pop são bonecas controladas, verdadeiras escravas e que simulam uma personalidade apenas para agradar os fãs.
No fim das contas a bonequinha é bem legal e o episódio não tem um final sombrio nem trágico. Ao contrário, a cantora que era escrava da indústria pop se liberta e vira roqueira underground. É meio que uma sátira baseada nesse conceito de que as pessoas na indústria pop são bonecas controladas, verdadeiras escravas e que simulam uma personalidade apenas para agradar os fãs.
Enfim, essa quinta temporada bem mais amena em relação às anteriores. Não teve o sadismo e o terror psicológico que em alguns episódios dos anos anteriores chegou a um nível de tortura. Agora se adotou mais o drama e até certa comédia em vez do terror propriamente.
Um detalhe curioso em toda a série é que desde 2011 o seu roteirista é o mesmo, Charlie Brooker. Ele tem se mostrado bastante versátil, mudando de tema e de tom a cada temporada, mas ainda mantém certa unidade, criando um "universo Black Mirror", com certos elementos que se repetem, como as tecnologias de realidade virtual e em alguns episódios, especialmente no filme Bandersnatch, há easter eggs, referências internas.
O tema de Black Mirror, em resumo, é a presença perigosa da tecnologia na vida das pessoas. Por isso o título da série faz referência à tela preta da televisão ou do computador ou celular, o "espelho negro".
A princípio o gênero da série era mais voltado ao terror psicológico e foi o que me atraiu. Ocasionalmente isso mudou para algo mais drama e até romance, o que me pareceu não combinar com a proposta inicial que me provocava sensações de perturbação. Mas ok, pois como um todo a série merece figurar na lista de grandes séries de terror e ficção científica, como uma versão moderna de Twilight Zone.
Retomando este post em 2023: a sexta temporada
Escrevi este resumo de Black Mirror em 2019, quando terminou a quinta temporada. De certa forma, na época parecia que a série estava terminando pra sempre, tanto que entrou em um hiato de cerca de quatro anos. Eis que agora em 2023 veio a sexta temporada com apenas cinco episódios.
6.01
O primeiro episódio, Joan is Awful, brinca com a metalinguística, pois mostra uma mega empresa de mídia, a Streamberry (um trocadilho bem bolado de stream com strawberry), que usa um computador quântico para criar séries personalizadas para os usuários, um tema bastante atual, já que ultimamente, com a evolução da inteligência artificial, aprendizado de máquina, etc, já se começa a especular se num futuro próximo a indústria de entretenimento vai investir em filmes e séries criados especificamente sob demanda para cada pessoa. Aí entra a questão da privacidade, dos cookies, de como estamos a todo momento sendo espionados pelos dispositivos à nossa volta.
6.02
Loch Henry deixa de lado o aspecto tecnológico da série e conta uma história clássica de terror em que um casal faz um documentário investigando um serial killer que tinha um porão de tortura e tal. Não há nada de novo. Só que no finalzinho há um detalhe bem interessante: em uma cerimônia de premiação do BAFTA, são mencionados alguns documentários sobre crimes mórbidos e entre eles está um chamado Eutanásia: por dentro do Projeto Junipero.
San Junipero foi um episódio muito querido por algumas pessoas porque parecia ser uma história feliz, um romance envolvendo duas garotas que se conhecem no mundo virtual e que digitalizam as próprias consciências para viver eternamente neste paraíso artificial, um além-vida tecnológico.
A digitalização da consciência é um tema bastante explorado no sci-fi e eu mesmo no passado já tive uma visão mais ingênua a respeito, acreditando que esse troço pode de fato garantir uma expansão da vida humana e sua consciência. Bom, talvez isto seja possível daqui a séculos ou milênios, mas agora e nas próximas décadas é bastante improvável que uma digitalização dos dados de um cérebro seja capaz de realmente preservar a verdadeira consciência de uma pessoa e mantê-la viva fora do cérebro.
Em San Junipero, o seu avatar é uma representação virtual sua, mas no fim das contas é apenas uma mídia, um meio para se comunicar com o ambiente virtual e outras pessoas, enquanto seu eu real está no mundo real, em carne e osso, acessando Junipero por um dispositivo. Quando você morre, quem passa a operar o seu avatar não é mais você e sim a IA que coletou os dados do seu cérebro e agora simula uma cópia sua, imitando seus comportamentos típicos com base em tudo o que coletou da sua mente.
O fato de Junipero ser citado neste episódio e relacionado a uma investigação criminal mostra que a empresa que tocava o projeto fez uma propaganda enganosa, praticando eutanásia em seus usuários, prometendo vida eterna no mundo virtual. San Junipero começou como um romance fofo, mas no fundo envolvia uma grande fraude que levava à morte de pessoas.
6.03
Beyond the Sea se passa em um mundo alternativo dos anos 60, no início da era espacial, onde existe uma tecnologia extraordinária de réplica corporal, algo parecido com o avatar de James Cameron. Dois astronautas vivem em uma estação espacial, mas conseguem frequentemente visitar a Terra por meio de um corpo artificial. Enquanto estão usando a réplica, o corpo real fica adormecido lá na estação.
Não tive problema em ligar a suspensão de descrença pra aceitar que de alguma forma aquele mundo dos anos 60 conseguiu uma tecnologia tão avançada. O que me deixou encasquetado foi o fato de o corpo humano ficar no espaço e a réplica na Terra. Não era muito mais lógico fazer o contrário? Por que expor os astronautas a riscos de vida desnecessários se é possível deixar réplicas deles na estação espacial? Mas ok, vamos adiante.
Então um grupo de hippies fanáticos à la Charles Manson invade a casa de um dos astronautas, mata toda a família dele e também a réplica. O cara fica obviamente devastado e, pra piorar, ficou confinado na estação espacial, até que seu colega, interpretado pelo Aaron Paul, vem com a proposta de emprestar a réplica dele para que o cara possa visitar a Terra e espairecer.
Acaba que eles fazem um acordo e ficam revezando no uso da réplica. Cheguei a pensar que o cara ia aproveitar que estava na Terra e partir em uma jornada de vingança, caçando os hippies, o que seria uma história bem estilo Mandy¹, do Nicolas Cage. Mas que nada. Em vez disso ele ficou de gracinhas com a esposa do amigo e a trama virou uma história de cornagem, um Dom Casmurro sci-fi e com um final bem trágico, afinal o Aaron Paul foi fadado a pegar pesronagens trágicos desde Breaking Bad.
Mais do que um Dom Casmurro, esta é uma história sobre Caim e Abel, sobre Esaú e Jacó, o milenar problema da inveja. Um homem perdeu tudo, a família, a alegria, até mesmo o "corpo", de modo que passou a cobiçar a vida completa que seu colega tinha. Quando, porém, ele viu que não podia ter aquilo que o outro tinha, resolveu tirar tudo do outro. Agora ambos eram iguais na miséria, o que satisfez o invejoso, pois para o invejoso só há dois finais aceitáveis: ou ele tem aquilo que é do outro, ou o outro perde o que tem e assim ambos se igualam.
6.04
Mazey Day é o episódio menos Black Mirror desta temporada e talvez da série inteira, pois não usa a tecnologia como um elemento importante do plot e envereda mais pela fantasia clássica. É um conto de lobisomem misturado com uma crítica social sobre o trabalho inescrupuloso dos paparazzi.
6.05
O último episódio, Demon 79, também foge do sci-fi e envereda pela fantasia sobrenatural, pois conta a história de uma mulher que meio que involuntariamente faz um pacto com um demônio e agora precisa matar três pessoas para cumprir os termos do pacto. Caso não faça isto, o mundo inteiro será destruído.
Desta forma, nestes dois últimos episódios parece haver um esforço em afastar a série de seu tema original e torná-la mais generalizada. Se alguém assistisse sem saber que se trata de Black Mirror, nunca ia pensar que "isto é tão Black Mirror".
Enfim, este esfriamento da série, a amenização do conteúdo e o abandono da fórmula original são um sinal de que já está na hora de encerrar, ou melhor, na minha hora de encerrar.
Tem sido a intenção do próprio Charlie Brooker dar uma variada na temática da série. Diz ele que não quer que ela seja associada a "tecnologia é má", o que é um curioso caso de arrependimento autoral, já que foi exatamente este tema que deu a Black Mirror sua cara e fama. Quando alguém fala "isso é muito Black Mirror", não está se referindo a qualquer tipo de evento assustador, algo fantástico, sobrenatural, mas sim à tecnologia assustadora. Este era o DNA original da série, algo que agora o próprio autor parece querer abandonar.
Há fãs que estão ok com isso e há até mesmo pessoas que não se interessavam pela série por terem aversão a temas distópicos envolvendo tecnologia e agora estão começando a se aproximar, já que ela está migrando para o terror de fantasia e talvez abandone até mesmo o terror, preferindo algo mais satírico, como foi o caso de Demon 79.
Esta sexta temporada inclusive parece com uma espécie de pesquisa de mercado, pois cada episódio seguiu por um gênero diferente: distopia, investigação policial, sci-fi vintage, terror de monstro, terror sobrenatural misturado com sátira... Estão experimentando um pouco de tudo para ver o que mais atrai audiência e feedback.
Boa sorte com isto. Não pretendo ser o fã chato e purista, mas a questão é que o que me atraiu para Black Mirror foi a sua assinatura original e agora que esta assinatura já foi quase completamente removida, não restou muito para me atrair.
Notas:
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