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O terror lisérgico de Mandy

Mandy (2018)
O "véu" em torno de Mandy neste poster a assemelha à Virgem Maria.

Mandy (2018)

Mandy (2018)

Todo mundo sabe que Nicolas Cage é um dos atores mais versáteis e esquisitos de Hollywood. Ele pode ser um policial, um gangster, um anjo, um super herói ou um cara bem comum. Já foi do drama, terror e comédia a romances e filmes natalinos. 

O fato é que, embora possa atuar como um personagem normal e trivial, Nicolas Cage criou sua assinatura como um ator de bizarrices, de trejeitos estranhos e comportamentos inesperados em seus personagens. É o que ele entrega novamente em Mandy (2018).

Mandy é de autoria de um tal Panos Cosmatos, um cara que só dirigiu e roteirizou dois filmes em sua vida, o primeiro em 2010 (Beyond the Black Rainbow) e Mandy em 2018. Dando uma fuçada mais a fundo, vi que ele é filho de George Cosmatos, um italiano que, entre outras coisas, dirigiu Rambo II (1985) e Stallone Cobra (1986).

Val Kilmer, Bill Paxton, Sam Elliott and Kurt Russel; Tombstone (1993)

O velho também dirigiu Tombstone (1993), um neo-western reunindo Val Kilmer, Bill Paxton, Sam Elliott e Kurt Russel. E eis que Panos consta como membro do departamento de câmera e elétrico de Tombstone, ou seja, o filho estava começando no cinema como aprendiz do pai, trabalhando por trás das câmeras aos 19-20 anos, mas foi só por volta dos 35 anos que ele realizou seu primeiro filme autoral e por volta dos 44 o segundo.

Panos Cosmatos
Não, não é o Hagrid de Harry Potter, é o Panos Cosmatos.

É, Panos parece que é um cineasta lento, paciente, e essa paciência se nota em Mandy. A narração da história é lenta, muuuito lenta, com música lenta e cenas degustadas sem pressa. O maior exemplo disso é no momento mais dramático, quando o personagem do Nicolas Cage (Red Miller) vê sua amada Mandy (Andrea Riseborough) ser brutalmente morta diante dele. 

Nicolas Cage; Mandy (2018)
Uma das cenas mais dramáticas e pesadas da carreira do Nicolas Cage.

Calma que isso não chega a ser um spoiler, afinal trata-se de um filme de vingança. A gente sabe que o protagonista vai perder a mulher para então buscar vingança, mas, mesmo sabendo disso, você ficará chocado com a forma com que isso acontece. É um momento lento, sadicamente lento, uma tortura psicológica.

Nicolas Cage; Mandy (2018)

Nicolas Cage; Mandy (2018)

A partir daí Nicolas Cage ganha o pretexto ideal para ser Nicolas Cage. Seu personagem quebra, pira diante do trauma, e se torna um vingador maluco enfrentando uns hippies demoníacos. A primeira hora do filme, antes de acontecer a tragédia, é bem estranha e você fica se perguntando o que diabos é isso que está assistindo, mas quando vem a crise e a saga de vingança, somos recompensados por termos chegado até ali.

Um detalhe que contribui para o filme ter um ar peculiar é o fato da história se passar em 1983, portanto vemos um mundo que já não existe, um mundo sem smartphone, sem redes sociais. Frequentemente vemos Red assistindo TV na sala, a principal forma de entretenimento desse mundo antigo. O personagem de Cage é um lenhador. Coincidência ou não, ele já foi lenhador antes no filme Joe (2013).

Andrea Riseborough; Mandy (2018)
Como a Sophia grega, Mandy busca conhecimento. No filme ela é uma moça culta, interessada em astronomia.

A personagem da Andrea Riseborough, cujo nome intitula o filme, é como uma figura mítica religiosa. No primeiro poster no início desta resenha, pode-se notar como em torno dela se desenha uma espécie de véu que a assemelha à figura da Virgem Maria. 

A virgindade ou pureza espiritual dela é testada pela figura demoníaca do guru Jeremiah, que ela rejeita sem hesitar. Mandy é sacrificada no fogo como as antigas vítimas de rituais bárbaros, como as do culto a Baal ou Moloque, enquanto Red irá percorrer o caminho da busca pela justiça divina, que ele assume nas próprias mãos.

O fato é que há uma grande mistura de simbologia mística, tanto cristã quanto pagã e new age. A saga de Mandy e Red pode se assemelhar à de Logos e Sophia, Adão e Eva, etc. Ao mesmo tempo ela também representa uma bruxa sendo queimada por inquisidores. Não há uma referência religiosa uniforme. Panos Cosmatos cria sua própria mitologia.

Andrea Riseborough; Mandy (2018)
A camisa com referências pagãs, como o sabbath, identifica Mandy como uma bruxa.

A psicodélica e melancólica trilha sonora foi de autoria de Jóhann Jóhannsson, que compôs músicas para diversos filmes, como Os Suspeitos (2013), A Teoria de Tudo (2014), A Chegada (2016). A trilha para Mandy foi seu último trabalho, pois em fevereiro de 2018 ele faleceu por overdose de cocaína.

A fotografia do filme é estranha, com um clima lisérgico de cores saturadas e visão embaçada. Para completar essa estranheza, ocasionalmente algumas cenas são representadas na forma de animação, o que dá a impressão que estamos assistindo a um bizarro clipe de alguma banda de rock dos anos 70. 

Mandy (2018)
Rola até uma briga de motosserras.

Não só Cage, mas também sua parceira Andrea Riseborough e o resto do elenco transmitem uma aura pesada no rosto, no olhar. O olhar vidrado de Cage e Andrea no final do filme é uma cena que fica na memória, como uma assombração.

Mandy foi produzido com um orçamento de 6 milhões de dólares e até teve uma boa recepção no lançamento, hypado pelo fato de ser um filme de terror com o Nicolas Cage, mas no fim das contas só arrecadou 1,5 milhão em todo o mundo. É um daqueles indies incompreendidos. Não é um terror comercial, mas uma pérola escondida a ser garimpada por curiosos como eu e você que está lendo essa resenha.

Nicolas Cage; Mandy (2018)
Bons sonhos.

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