Outro dado a se notar é que a revista foi publicada pela Dark Horse, uma editora independente que não é tão conhecida como a Marvel ou DC, mas que já teve alguns títulos alcançando sucesso mundial e o cinema, como Hellboy, Sin City e Os 300 de Esparta. A editora já dá uma dica de que não se trata de uma equipe de super heróis convencional, como Vingadores ou Liga da Justiça. É algo mais alternativo.
Por fim, vale acrescentar que o criador da série para a Netflix foi Jeremy Slater, o mesmo responsável por dois filmes que foram um fiasco: Quarteto Fantástico (2015) e Death Note (2017). The Umbrella Academy, então, é a redenção de Jeremy Slater, porque dessa vez ele fez um ótimo trabalho.
A agência de viajantes do tempo, um enorme escritório de burocracia cósmica. |
Esteticamente, a série tem alguns elementos steampunk, como a agência de viajantes do tempo que usa máquinas de datilografar e envia recados naquelas cápsulas de tubo de vácuo. Há toda uma mistura de ficção científica e fantasia e personagens bizarros.
Temos, por exemplo, um chimpanzé falante, um cara que consegue se comunicar com os mortos, outro que tem tentáculos enormes, outro que tem um corpo de gorila e viveu na lua, a babá das crianças superdotadas é uma robô com um visual de dona de casa dos anos 50 e tem uma dupla de viajantes do tempo assassinos de aluguel que parecem os Men in Black numa versão psicopata.
A estrela do elenco é a Ellen Page, que já é uma veterana conhecida no cinema, mas a meu ver a atuação dela foi a menos carismática. O restante do elenco principal é formado na maioria por atores novatos ou pouco conhecidos, mas que fizeram um excelente trabalho. Destaco o Aidan Gallagher, um ator adolescente que interpretou o Number Five, um idoso em corpo de criança com uma inteligência, frieza e perspicácia fora do normal. Também Robert Sheehan, que interpretou o histriônico e vida louca Klaus, deu bastante carisma ao papel.
O Number Five é de longe meu personagem preferido. Possui uma história bem rica. Tendo a habilidade de saltar no espaço e no tempo (aliás, a habilidade mais poderosa do grupo, depois, claro, da Vanya que pode literalmente destruir o planeta), acidentalmente viaja para um futuro em que o mundo foi destruído e passa décadas vagando sozinho na Terra até ser recrutado por uma agência misteriosa de viajantes do tempo e se torna assassino de aluguel matando pessoas determinadas pela agência a fim de evitar desvios no curso da história.
Number Five e sua "esposa" Delores. |
Enfim ele deserta da agência e consegue voltar para seus irmãos, mas agora ele tem um corpo de adolescente e uma mente de idoso que já passou por muita coisa, inclusive teve um "relacionamento" com uma boneca de loja durante seu tempo isolado na era apocalíptica, Delores.
I understood that reference. |
No episódio 9 da segunda temporada tem uma interessante cena em que o Five em corpo de criança encontra sua versão ainda idosa de outra linha do tempo, então os dois saem na porrada, o que mostra um pouco da psiquê do personagem, como ele odeia a si mesmo, o que explica seu comportamento sempre amargo.
Esta cena, aliás, é inteligentemente montada. Vemos os dois lutando no fundo do cenário com a lente desfocada, o que pode ter sido feito devido ao fato de que se trata de uma criança batendo em um idoso e igualmente um idoso batendo em uma criança. Apesar de ser a mesma pessoa literalmente batendo em si mesma, o gap de idade torna a situação um tanto ofensiva ou não family friendly, daí o uso do desfoque na câmera.
Outro detalhe importante é que, enquanto eles lutam, toca Dancing with Myself, de Billy Idol, um tema bem apropriado para alguém que está lutando consigo mesmo. Eis um exemplo de outra qualidade da série que é a trilha sonora. A música sempre encaixa bem no contexto e possui um divertido ecletismo, passando por Sinatra, Kiss, Backstreet Boys, o clássico Bach e a indie Billie Eilish.
Men in Black viajantes do tempo e psicopatas. |
Outro personagem bem legal é o Hazel, também assassino de aluguel dessa agência. Com sua parceira Cha-Cha, ele fica viajando no tempo a fim de matar pessoas, mas a despeito da frieza com que cumpre sua tarefa, ele tem um lado normal guy, gosta de apreciar coisas simples da vida, provar rosquinhas e acaba se apaixonando pela dona de uma lanchonete e passa a viver um romance bem clichê, o que é uma combinação bizarra com seu background de assassino.
O veterano Colm Feore também fez um bom trabalho na pele do cientista bilionário que adotou as crianças superdotadas e foi um pai problemático, super controlador e afetivamente ausente, às vezes um verdadeiro babaca e que claramente causou vários traumas e complexos nos seus filhos adotivos, de modo que esse grupo de super heróis é uma família disfuncional e perturbada.
Até o momento, The Umbrella Academy é uma das minhas séries preferidas de super heróis, junto com Legion e Preacher. As três têm algo em comum que é fugir do estilo típico de super heróis infanto-juvenis. É algo mais sombrio e violento e as três têm uns elementos psicodélicos, surreais e absurdos que adoro.
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