Sendo um millenial, a televisão esteve bastante presente em boa parte da minha vida. O mesmo se deu com a geração Y. Só a partir da geração Z é que a televisão foi cedendo espaço para a internet como meio primário de informação e entretenimento.
Há alguns anos, porém, já abandonei a TV e de fato nem me lembro quando foi a última vez que liguei este aparelho. Migrei de vez para a internet e é curioso que agora a TV me causa bastante estranheza, quando por acaso vejo alguma ligada em algum lugar. A programação parece tão desinteressante ou repetitiva.
A TV tem um poder hipnótico. Em salas de espera, por exemplo, quando a TV está ligada, as pessoas ficam com a atenção focada na tela, mas na verdade pouco absorvendo do que assistem. É como se fosse uma maneira de desligar a mente, quase uma meditação. Assistir a TV faz o tempo passar, distrai, entorpece.
Se bem me lembro, no filme Limitless (2011), o Robert De Niro fala sobre esse efeito hipnótico da TV nas pessoas e ele diz que despreza pessoas que facilmente deixam a atenção ser capturada pela TV, como se fossem estúpidas.
Acho que na verdade muitas pessoas se rendem a esse efeito anestésico do aparelho porque é relaxante. É a rotina do trabalhador: depois de um longo e cansativo dia, ele só quer sentar no sofá e desligar a mente diante da televisão. Era o escapismo por excelência. A figura do Homer Simpson vendo TV em estado de sonolência é bem emblemática a esse respeito.
Desde sua origem até hoje, a televisão sempre foi uma caixa mágica de escapismo. Não só por esse seu efeito relaxante, mas também por servir para propaganda, seja comercial, seja política ou ideológica. A TV é uma máquina de narrativas (para não dizer mentiras), pois tudo nela é programado e controlado.
Diferente da internet, onde qualquer pessoa pode ter um canal e falar o que quiser, na televisão existe uma enorme estrutura de controle de informação. Há editores, diretores, redatores, teleprompter, tudo é planejado, há um script. Se, por acaso, num programa ao vivo, alguém fala algo que não deveria, é logo cortado pelo diretor que está ali sempre com o dedo no botão pronto para reagir a imprevistos.
A ficção já fez diversas críticas a este mundo de fantasia da TV. O Show de Truman (1998) é um dos melhores exemplos disso. Um filme profético, pois descreveu um programa que parece com o famoso Big Brother, numa escala ainda maior.
A TV sempre influenciou as eleições e a opinião pública sobre qualquer assunto. Embora os jornais se digam sempre imparciais, a verdade é que são parciais e intencionalmente tentam convencer o público com alguma narrativa.
Tirando essa parte obscura, a TV tem seu lado colorido e divertido. Ela foi minha maior companhia na infância. Na época ainda havia programação infantil, desenhos animados. Foi ali que me tornei fã de animes e tokusatsus.
Também meu lado nerd encontrou alimento na TV, especialmente no canal da TV Cultura. Ali tinha o Mundo de Beakman, o Professor Tibúrcio, documentários sobre arte, matemática, a vida animal, até os programas jornalísticos tinham umas reportagens especiais bem interessantes. Tinha um programa dedicado à música clássica que era excelente. Até hoje lembro de uma frase dita pelo apresentador: "A música é a linguagem do incognoscível".
Hoje em dia, os jovens descobrem na internet as coisas creepy, conteúdo que ficou conhecido como "coisas da deep web". Na TV eu tive meus primeiros contatos com o grotesco e sinistro. Assisti A Hora do Pesadelo quando eu tinha uns 6-7 anos e claro que fiquei impressionadíssimo. Quando deitei pra dormir, fui assombrado por visões, as paredes e as sombras do quarto se deformavam, como se o teto tentasse me engolir.
Apesar da experiência inicialmente traumática, eu fui me tornando mais e mais fã do terror, inclusive adorava um programa apresentado pelo Zé do Caixão, o Cine Trash¹.
Também foi com a TV que despertei meu gosto pela noite. Enquanto a maioria das crianças dormia cedo, eu adorava ficar acordado até tarde e curtir a programação noturna. Na adolescência e até o começo da vida adulta, eu curtia assistir o Jô Soares e os filmes deste horário que costumavam ser os melhores.
Tinha um momento bem curioso que eu particularmente gostava na experiência televisiva. Tinha dias em que o canal entrava em manutenção. Surgia uma voz avisando que o canal iria interromper a programação e então entravam aquelas clássicas barras coloridas preenchendo a tela. Em alguns casos, ficava tocando música e eu já cheguei a deixar a TV ligada com estas barras coloridas porque gostava deste conceito de manutenção.
O mais interessante nesta "programação das barras coloridas" é que tinha dias em que, após encerrada a grade de programas do canal, lá depois da meia-noite, não havia mais nada pra passar por algumas horas, então começavam a rodar comerciais, só que não do jeito "certo". Era como se alguém estivesse testando os comerciais.
Às vezes passavam com a velocidade acelerada ou só trechos incompletos e aparecia uma tela com informações técnicas do comercial, como duração, agência que produziu, etc. Eu ficava imaginando como era o trabalho desse cara que estava lá numa sala com computadores na alta madrugada, testando comerciais e organizando a programação para o dia seguinte.
Outra coisa que eu gostava na TV era a sua chamada "luz azul". Quando você deixa ela ligada no quarto ou na sala com as luzes da casa apagadas, a TV se torna um abajur, iluminando levemente o ambiente com uma relaxante luz azulada. É uma iluminação sonífera e de fato algumas vezes já dormi assim, deixando a TV ligada e programando o auto desligamento após algumas horas. Também achava legal programar ela para ligar de manhã, assim servindo de despertador.
Pensando agora nisso, dá até vontade de retomar este antigo hábito. Ao menos o hábito de dormir com a TV ligada e usá-la como despertador. Hoje em dia muitas pessoas fazem isso com o celular. Eu até já tentei assistir algo no celular antes de dormir, mas achei chatíssimo ficar segurando o celular e também odeio a telinha pequena e a luz forte. É bem diferente do aconchego da TV.
E pensar que daqui a uns anos ou décadas vamos assistir as coisas direto na mente por meio de aparelhos como o Neuralink. Provavelmente ainda nesta época vou ter lembranças agradáveis da época em que dormia embalado pela TV.
Notas:
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