Faço uma pergunta, não uma afirmação. Tenho observado como é parcial e incompleto o julgamento que fazemos uns dos outros. Pra que serve, aliás, o julgamento? Classificar as pessoas em boas ou más? Dividir a humanidade em castas?
Sim, castas, pois no fim das contas a bondade ou maldade são encarados como uma sina, uma bênção ou maldição que a pessoa está fadada a possuir. Afinal, quando alguém é dito "bom", qual a explicação que damos? "Ele usou seu livre-arbítrio e escolheu o bem" ou "Ele foi predestinado por Deus para escolher o bem" ou ainda "Ele é um espírito evoluído e encontra-se neste estado devido às experiências nas vidas passadas".
Ora, mesmo na ótica reencarnacionista, a pessoa nasce herdando um patrimônio de virtudes que acumulou em outras vidas (embora isto não explique onde tudo começou, pois não é possível regressar em toda a cadeia de encarnações até o gérmen primordial). E mesmo quando se diz que alguém escolheu por seu livre-arbítrio, como explicar que este escolheu o bem e outra pessoa o mal? Isto pressupõe uma predisposição do indivíduo. Será que nascemos predispostos ao bem ou ao mal?
Neste caso, como alguém pode ter culpa ou mérito por algo que está em seus genes? Uma pessoa que nasce com diabetes não pode ser responsabilizada por isto e outra que nasce com alguma genialidade não merece tanto mérito uma vez que a genialidade foi um "presente" da natureza, assim como nascer loiro ou negro ou ruivo ou albino. A natureza deu. Não há esforço humano, portanto não há mérito. E se a natureza dá também defeitos, incluindo a predisposição à maldade, não pode haver culpa.
Também alguém pode dizer que o caráter é fruto de educação e influência. O indivíduo seria bom porque recebeu boa educação dos pais, da escola, não foi exposto às más companhias, ou foi educado em uma religião ou filosofia humanista e assim se manteve bom. Outro seguiu o caminho inverso, desprezado pelos pais, acompanhado de amigos delinquentes, criado sem religião ou educação decente e se corrompeu.
Neste caso, a pessoa continua sem culpa e sem mérito, pois se tais influências foram mesmo a causa de seu caráter, ela não passa de um objeto passivo a ser moldado pela sociedade e não pode o barro ser culpado ou elogiado pela forma que recebeu do artesão.
Por fim, é possível explicar o caráter de uma forma eclética. Talvez o misto de predisposições genéticas, influências externas, experiências vividas e as decisões tomadas pela pessoa ao longo de sua vida configurem sua índole como boa ou má. Mas mesmo assim isto não resolve o problema, pois no fim das contas, uma pessoa só faz escolhas se é naturalmente capaz de fazê-las.
O humano não é um deus auto-criador (ainda que certas religiões e filosofias o digam). Todos nascem fruto de milênios de história. Somos fruto da nação, da história familiar, da formação de nossos pais, de quem herdamos genes e boa parte das características psicológicas.
Se uma pessoa nasce num país racista, é educada com racismo e se torna um adulto racista, como culpar totalmente ela se o povo teve grande parte da responsabilidade na sua formação? O destino ou o acaso fez aquele indivíduo nascer numa nação racista. Tivesse outra sorte, poderia ter nascido numa terra mais tolerante e recebido outra educação.
Mas se não existe uma culpa intrínseca, como vamos lidar com os criminosos? Pois bem, esta é a grande questão. O que precisamos não é abandonar a noção de culpa ou mérito e sim a tendência em classificar as pessoas. O que a sociedade atual faz é isto: classifica alguém como mau e deseja que seja punido por ser mau. "Este bandido merece castigo", dizem. E parece que merece castigo por ser bandido. Mas isto não faz sentido segundo tudo o que cogitamos nas linhas anteriores.
O ideal é lidar com os atos. Não se pode punir o mau por ser mau, uma vez que quem é mau não é de todo culpado por ser assim. Mas seguindo um princípio de karma, de retribuição, deve-se tratar as pessoas segundo seus atos.
Se alguém comete um dano, deve pagar pelo dano que cometeu. Note, mudamos o foco da justiça. Em vez de castigar o que praticou o mal, fazemo-lo receber uma reação à sua ação. Pune-se o crime do criminoso no criminoso e não se pune o criminoso por sua condição de criminoso.
(25,02,2012)
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