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O que é o amor?

Nicole Graham saving her horse

Amor é uma ideia complicada e uma palavra complicada. Usam-na para tantos sentidos como o sentimento dos pais pelos filhos, ou o carinho por animais de estimação, ou de amigos, ou a atração sexual, o próprio ato sexual é apelidado de "fazer amor" etc.

A mulher da foto teve seu cavalo atolado num lamaçal e permaneceu com ele por três horas, mantendo a cabeça do animal na superfície enquanto chegavam os bombeiros. O cavalo foi finalmente salvo, para alegria e alívio da mulher.

Podemos dizer que o que ela fez foi um gesto de amor, sim. Mas qual amor? Afinal fala-se também que amor é incondicional, mas o que ela fez foi motivado pelo afeto, esta sim uma palavra com sentido preciso. O afeto, o apego sentimental, o gostar, este sentimento é que na maioria das vezes é confundido com amor. Se é que existe amor. 

Por que não dar ao afeto seu devido crédito? Ou fala-se em amor como sinônimo de afeto? Afeto não é incondicional. Ele está associado a uma relação de carinho, de troca. O cavalo retribui o carinho do seu criador, embora duma forma não tão explícita como o faz um cachorro ou mesmo um gato. Animais de estimação procuram o colo do dono, dão-lhe afagos, lambidas, o cão geme, o gato ronrona.

De modo que há uma relação hormonal, táctil e sentimental. Não é muito diferente da relação de casais. O afeto é irracional, ou, para os que não gostam desta palavra, é não-racional. Você não sente afeto pela maçaneta da porta. Mas se a maçaneta cai você percebe que ela é importante pra você como meio para abrir a porta. Então você irá empreender meios de consertar a maçaneta. É uma relação racional. Eu preciso da maçaneta, por isso a considero. 

O afeto não faz cálculos. Por isto há pessoas que vivem juntas mesmo sofrendo prejuízo. Há mulheres que continuam com seus maridos cafajestes porque continuam sentindo afeto, ainda que a razão diga que estão sofrendo prejuízo com isto.

Então fala-se num amor que transcende o afeto e a irracionalidade, um amor que sequer pode ser considerado sentimento (já que sentimento não é razão). O cristianismo nomeia esta "atitude" como ágape, palavra grega usada pelo apóstolo Paulo no famoso capítulo 13 da carta aos Coríntios. Sim, aquele trecho cantado em parte por Renato Russo: "Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, sem amor eu nada seria...". Lembrando que a seguir o poeta encaixa trecho de Camões.

Este tipo de amor não estaria preso ao afeto. É algo que se pode ter até para com aqueles que nos causam repulsa, até por inimigos. Afinal, salvar um amigo, um animal querido, é algo relativamente fácil uma vez que somos motivados pela força do afeto, mas salvar alguém que nos prejudicou, um inimigo, um assassino, é algo bem difícil.

Todavia isto também é um tanto irracional. Segundo a razão, quem me maltrata merece minha vingança e não meu amor. De modo que este ágape não seria muito diferente do afeto autodestrutivo. Mas deixando os inimigos de lado, a atitude do amor incondicional pode dizer respeito àqueles por quem não temos afeto, mesmo não sendo também inimigos. 

Seria o caso de alguém que se doa para ajudar necessitados, pessoas que lhe são estranhas, que não são suas amigas, ou as pessoas do cotidiano, da rua, do ônibus que, precisando de ajuda, recebem ajuda sem que nada se espere em troca. Mas isto também já tem nome. Chama-se gentileza e generosidade ou caridade.

Logo, só posso concluir que amor é um ladrão. É uma palavra que rouba o lugar de outras, um ator que troca de máscaras. Desta forma, amor não é nada. Amor não existe. O que existe é afeto, carinho, gentileza, generosidade, caridade, compaixão, atração sexual. Estas coisas é que são reais. O amor, não.

(28,02,2012)

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