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He-Man, um resumo da franquia

He-Man and the Masters of the Universe (1983-1985)
Apesar das repetições de frames, a qualidade do desenho original parece boa até hoje.

O He-Man surgiu nos anos 80 como uma criação da Mattel, uma empresa que se tornou gigante com a venda de action figures. Estes bonequinhos eram uma febre naquela época, quando não havia vídeo game nem internet ou Netflix pra ocupar as crianças. O negócio era assistir desenhos animados na TV e depois ir brincar com os bonequinhos.

Em termos de visual, o He-Man não era lá o pináculo da originalidade, tanto que a Mattel enfrentou acusações de ter kibado o Conan. Bom, He-Man era uma mistura de Conan com um cenário alienígena e mistura de magia e tecnologia futurista, fruto da influência onipresente de George Lucas naquela década. Foi uma combinação bem interessante, na verdade.

Grayskull
Castelo de Grayskull, a casinha da Barbie versão He-Man.

A série animada nada mais era do que um veículo de propaganda. O objetivo era dar um lore e popularidade não só ao He-Man, como aos demais personagens daquele universo, com o fim de vender os brinquedos. Até o Castelo de Grayskull existia na forma de brinquedo. Era a versão para meninos da casinha da Barbie.

A série original se chamava He-Man and the Masters of the Universe e foi veiculada de 1983 a 1985. Aqui no Brasil passava na época do clássico Xou da Xuxa (com "x" mesmo). Daí veio um spin-off dedicado à She-Ra, chamado She-Ra: Princess of Power (1985-1986), claramente visando ampliar o público-alvo, alcançando as meninas. 

É óbvio que meninos também assistiam a She-Ra, bem como meninas assistiam o He-Man, mas era bem evidente que o mercado de action figures era em geral dividido nestes dois nichos. Não era comum você ver uma menina brincando com um boneco do He-Man ou dos Comandos em Ação, bem como meninos geralmente não brincavam com Barbie. Logo, os desenhos animados destes personagens visavam atrair o interesse de seu público majoritário¹.

O público masculino já era garantido e a Mattel se esforçou pra tentar ganhar mais público feminino. Já na série do He-Man havia personagens femininas poderosas e valentes que não ficavam em nada atrás da marmanjada. A série da She-Ra foi outro grande esforço para chegar na audiência feminina.

The New Adventures of He-Man (1990)
O irreconhecível He-Man dos anos 90.

Em 1990 lançaram uma nova série, The New Adventures of He-Man, no intuito de promover a nova linha de brinquedos. A série pretendia ser uma continuação da original, mas a mudança no visual do desenho e na caracterização daquele universo foi tanta que nem parecia se tratar do verdadeiro He-Man.

Dolph Lundgren; Masters of the Universe (1987)

Dolph Lundgren; Masters of the Universe (1987)
Apreciem o Ivan Drago de sunga.

Em 1987 ainda teve um filme, Masters of the Universe, em que o He-Man foi interpretado pelo gigante brucutu Dolph Lundgren. Também foram produzidas revistas em quadrinhos pela Marvel, DC e até a Image Comics.

He-Man and the Masters of the Universe (2002)

Em 2002 também lançaram um reboot pela Cartoon Network, novamente intitulada He-Man and the Masters of the Universe. Não teve muito sucesso.

A franquia então hibernou por looongos anos, até que foi despertada em um reboot da She-Ra pela Netflix, o She-Ra and the Princesses of Power (2018-2020)². A nova série foi um sucesso entre o novo público. Não foi feita com fins nostálgicos para agradar os velhos fãs, mas sim para atingir as crianças e adolescentes que constituem boa parte do público da Netflix.

Masters of the Universe: Revelation (2021-)
Mamilos.

Por fim, ele voltou, o "Ele-Homem", He-Man, ganhou também pela Netflix a sua continuação, com Masters of the Universe: Revelation (2021-)³. Não é um reboot, mas uma continuação direta da série de 1983. O trailer, embalado por Holding Out For A Hero, provocou bastante hype e expectativa. Então foi lançada uma primeira parte com 5 episódios. 

Um detalhe sobre a aparência do novo He-Man: na animação original, ele tinha uma cruz de Malta no peitoral, mas nos bonequinhos era um símbolo de "H". Tratava-se de uma questão de direitos autorais conflitantes entre a Mattel e a produtora do desenho. Agora na Netflix, foi usada a versão da Mattel.

Em termos de visual, esta nova série agradou bastante. É um desenho caprichado, com uma vibe dos anos 80, com aqueles caras musculosos parecidos com bonecos action figures, uma caracterização fiel dos personagens, diferente da tosca animação de 1990. Até aí tudo ótimo para os fãs antigos, maaas este público mais velho se sentiu traído pela história.

He-Man fez parte da minha infância, mas confesso que não é algo que me marcou muito. Eu era mais chegado aos animes e tokusatsus da Rede Manchete. Desta forma, não senti a decepção como os verdadeiros fãs a sentiram.

Masters of the Universe: Revelation
A série nova já lançou seus bonequinhos.

Os fãs de He-Man são como os fãs de Pokemon. Eles colecionaram os bonecos, alguns até na vida adulta, conhecem de cor os nomes e histórias de vários personagens, são detalhistas, nerds mesmo, em se tratando daquele universo. Quando esta nova série foi anunciada, parecia que estava se dirigindo a estes fãs, ao público dos anos 80 ou 90, pessoas que viveram a infância assistindo o He-Man. Aparentava ter tudo pra ser um grande fan service para este público. Só que teve um probleminha: tiraram o He-Man.

Bom, bem no começo o He-Man está lá e na verdade elaboraram uma boa (embora brusca e rápida) história de transição, com a morte do He-Man em um sacrifício heroico. Ora, o nome da série nova é Masters of the Universe, sem He-Man. Parece que a proposta é mesmo dedicar-se a expandir o universo, explorar os demais personagens, o que é uma boa ideia. Toda expansão de universo fictício e aprofundamento em seus personagens é sempre bem-vinda. O problema mesmo não foi isso, mas a propaganda enganosa.

Quando a nova série foi anunciada, parecia que, assim como teve anos antes uma série dedicada à She-Ra, agora seria a vez do He-Man, mas aí logo de cara matam o personagem para entregar o protagonismo da série aos demais, particularmente a Teela. "Peraí, então, quer dizer que vai ser uma série da Teela?", os fãs pensaram. 

Fui tapeado!

Entendo a decepção dos fãs quanto a isto. O erro foi na promoção da série, na propaganda mesmo. Se não era pra ser focada no He-Man, era só deixar isto claro. Mas também falta paciência nos fãs. Será mesmo que a série vai abandonar de vez o He-Man? Desconfio que não.

Acho que o He-Man vai voltar, mas a série vai a cada temporada se dedicar mais a outros personagens, deixando, talvez, o He-Man para um retorno triunfal (e se isto acontecer, os fãs decepcionados vão ter sua catarse). A coisa só está começando e ainda muitas temporadas virão. Creio eu.

A série começa relatando a extinção da magia em Eternia, de modo que a tecnologia se tornou predominante no mundo, virando até mesmo uma religião. É uma interessante crítica ao mundo moderno com toda sua frieza e ceticismo para o sobrenatural, ao mesmo tempo em que há uma crença cega na tecnologia.

Logo, haverá uma saga para a busca da magia, para retomar o equilíbrio do mundo. Personagens mágicos como He-Man (ele era um brucutu, mas sua força vinha da magia), Gorpo e Feiticeira são banidos deste novo mundo, mas quem sabem retornem quando a magia for restaurada. Seria uma boa jornada de queda e ascensão.

Masters of the Universe: Revelation (2021-)

Além disso, é certo que desta vez não querem fazer uma série tão nichada como eram as clássicas. A retirada do nome do He-Man no título, ficando só os Mestres do Universo, é estratégica para evitar que a animação fique presa ao nicho dos meninos. Dedicar mais atenção a personagens femininas como a Teela é já uma tentativa de atrair a atenção do público feminino, tornando a audiência mais mista. 

O tempo dirá se a estratégia é mesmo essa. Por outro lado, à primeira vista parece que a série tende a repetir o que aconteceu com Star Wars, matando ou afastando personagens antigos, como He-Man, a Feiticeira e o Gorpo (que, assim como o He-Man, também teve uma morte heroica), para eleger novos protagonistas. 

A ideia, no caso de Star Wars, era desvincular a franquia destes personagens, torná-la mais maleável para novidades, de modo a garantir a perpetuação. Ou seja, já que Star Wars não vai mais depender só de Luke, Leia, Han Solo e Vader, podem continuar fazendo filmes infinitamente, explorando novos personagens. Talvez queiram fazer isto com os Mestres do Universo, diminuindo a dependência da presença do He-Man, garantindo que a franquia continue a existir e produzir animações com outros personagens.

O Kevin Smith está à frente deste projeto e provavelmente segue orientações da Netflix quanto ao que pode, o que não pode e o que deve colocar na série. Mas o fato é que o cara é um grande nerd e ele não está poupando a animação de referências ao desenho clássico e aos brinquedos. O trabalho de continuidade e expansão está bem caprichado e o bom fã vai perceber estes detalhes. Disto os fãs não têm do que reclamar.

Atualização em 25/11/2021:

Masters of the Universe: Revelation (2021-)
Tá saindo da jaula o monstro!

Masters of the Universe: Revelation (2021-)
BIRL!

Pois é, a primeira parte de Mestres de Universo, lançada em Julho de 2021, com 5 episódios, foi um balde de água fria nas expectativas dos fãs da franquia que esperavam mais He-Man. Em vez disso, tomaram na cara logo uma derrota brusca em que Adam é morto e assim de repente a trama passa a girar em torno da Teela.

Aí em Novembro de 2021 veio a segunda parte desta temporada, com mais 5 episódios. Esta parte foi a redenção, não só do He-Man, como da série. Era como se o Kevin Smith mandasse um recado para os fãs: "Confiem no Kevinho. Eu sei o que estou fazendo".

Masters of the Universe: Revelation (2021-)
Teve até uma homenagem ao Iron Man numa cena de laser duplo.

Nesta segunda parte, cada episódio é épico e um show de fan service. He-Man não só ressuscita, como ativa um modo berserk full monstrão, quando invoca os poderes de Grayskull sem a espada! Enquanto na primeira parte todo mundo estava nerfado, nesta segunda todos foram buffados. O Esqueleto, a Maligna, a Teela e todos os outros estão bem mais poderosos e trava-se uma batalha épica. 

Masters of the Universe: Revelation (2021-)

Pra mim, a melhor redenção foi a do Gorpo, afinal sempre me interesso mais por personagens que têm o estereótipo clássico de mago. Gorpo foi praticamente um Gandalf. Na primeira parte ele era bem mais fraco e acabou morrendo para salvar os amigos, mas na segunda parte ele volta glorificado, muitíssimo mais poderoso.

Estes 5 episódios realmente conseguiram administrar o espaço de cada personagem, de modo que todos tiveram sua chance de brilhar. Apareceram muuuitos personagens que só os fãs raiz e colecionadores de bonecos conheciam e, no finalzinho, ainda tivemos um easter egg do Hordak, o vilão da She-Ra, deixando o gancho para a aparição dela na próxima temporada.

Masters of the Universe: Revelation (2021-)

Edição em março de 2024

Em vez desta série ser dividida em temporadas, ela adotou um formato peculiar de títulos. Em 2021, ela veio com o título Masters of the Universe: Revelation, dividida em parte 1 e parte 2, somando dez episódios.

Após um hiato de mais de 2 anos, veio o título Masters of the Universe: Revolution. Até o momento foram lançados cinco episódios, então deve vir futuramente uma parte 2 com outros cinco.

Conforme prometido em 2021, agora temos o Hordak, além da Motherboard, trazendo uma temática mais tecnológica para os vilões, inclusive o Skeletor, que agora revestiu-se de nanotecnologia, virando Skeletek. 

Esta temporada continuou tão boa quanto a anterior, mostrando que, quando o Kevin Smith quer, ele faz algo que agrade o público. 

Notas:

1: A indústria de entretenimento ocidental tem uma certa vergonha em admitir que produz conteúdo baseado em categorias demográficas, pois isto pode ser considerado discriminatório ou não inclusivo. Estas categorias ficam apenas implícitas tacitamente e evita-se dizer que um desenho foi feito para meninos ou para meninas.

Nos animes estas categorias não apenas são admitidas sem receio, como há até nomes para classificá-las. Por exemplo, o gênero shonen é voltado principalmente ao público masculino adolescente, enquanto o shojo é para o público adolescente feminino. Temos também josei (feminino adulto), seinen (masculino adulto), yaoi (homoafetivo masculino), yuri (homoafetivo feminino), etc.

Curiosamente, a existência das categorias bem definidas nos animes faz com que esta indústria seja muito mais inclusiva que a ocidental, pois tem conteúdos, temáticas e personagens para todos os gostos e com o qual pessoas as mais diversas podem se identificar. 

Em termos de diversidade, os animes estão não apenas a anos-luz de distância dos desenhos ocidentais, como fazem isto de uma forma natural, sem parecer forçado ou para cumprir uma cartilha ou obrigação politicamente correta.

4: Este, aliás, é o motivo pelo qual o He-Man seria capaz de suportar uma luta contra o Superman, uma vez que Superman é fraco contra magia. Caso o Superman visitasse Eternia (antes dela ter perdido a magia), ele teria dificuldades em enfrentar vários personagens, como o próprio He-Man, a Feiticeira, Maligna, Esqueleto e até o Gorpo. 

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