Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

O hábito de assistir TV

Watching TV

Sendo um millenial, a televisão esteve bastante presente em boa parte da minha vida. O mesmo se deu com a geração Y. Só a partir da geração Z é que a televisão foi cedendo espaço para a internet como meio primário de informação e entretenimento. 

Há alguns anos, porém, já abandonei a TV e de fato nem me lembro quando foi a última vez que liguei este aparelho. Migrei de vez para a internet e é curioso que agora a TV me causa bastante estranheza, quando por acaso vejo alguma ligada em algum lugar. A programação parece tão desinteressante ou repetitiva.

A TV tem um poder hipnótico. Em salas de espera, por exemplo, quando a TV está ligada, as pessoas ficam com a atenção focada na tela, mas na verdade pouco absorvendo do que assistem. É como se fosse uma maneira de desligar a mente, quase uma meditação. Assistir a TV faz o tempo passar, distrai, entorpece.

Se bem me lembro, no filme Limitless (2011), o Robert De Niro fala sobre esse efeito hipnótico da TV nas pessoas e ele diz que despreza pessoas que facilmente deixam a atenção ser capturada pela TV, como se fossem estúpidas.

Acho que na verdade muitas pessoas se rendem a esse efeito anestésico do aparelho porque é relaxante. É a rotina do trabalhador: depois de um longo e cansativo dia, ele só quer sentar no sofá e desligar a mente diante da televisão. Era o escapismo por excelência. A figura do Homer Simpson vendo TV em estado de sonolência é bem emblemática a esse respeito.

Desde sua origem até hoje, a televisão sempre foi uma caixa mágica de escapismo. Não só por esse seu efeito relaxante, mas também por servir para propaganda, seja comercial, seja política ou ideológica. A TV é uma máquina de narrativas (para não dizer mentiras), pois tudo nela é programado e controlado. 

Diferente da internet, onde qualquer pessoa pode ter um canal e falar o que quiser, na televisão existe uma enorme estrutura de controle de informação. Há editores, diretores, redatores, teleprompter, tudo é planejado, há um script. Se, por acaso, num programa ao vivo, alguém fala algo que não deveria, é logo cortado pelo diretor que está ali sempre com o dedo no botão pronto para reagir a imprevistos.

A ficção já fez diversas críticas a este mundo de fantasia da TV. O Show de Truman (1998) é um dos melhores exemplos disso. Um filme profético, pois descreveu um programa que parece com o famoso Big Brother, numa escala ainda maior. 

A TV sempre influenciou as eleições e a opinião pública sobre qualquer assunto. Embora os jornais se digam sempre imparciais, a verdade é que são parciais e intencionalmente tentam convencer o público com alguma narrativa.

Tirando essa parte obscura, a TV tem seu lado colorido e divertido. Ela foi minha maior companhia na infância. Na época ainda havia programação infantil, desenhos animados. Foi ali que me tornei fã de animes e tokusatsus

Também meu lado nerd encontrou alimento na TV, especialmente no canal da TV Cultura. Ali tinha o Mundo de Beakman, o Professor Tibúrcio, documentários sobre arte, matemática, a vida animal, até os programas jornalísticos tinham umas reportagens especiais bem interessantes. Tinha um programa dedicado à música clássica que era excelente. Até hoje lembro de uma frase dita pelo apresentador: "A música é a linguagem do incognoscível".

Hoje em dia, os jovens descobrem na internet as coisas creepy, conteúdo que ficou conhecido como "coisas da deep web". Na TV eu tive meus primeiros contatos com o grotesco e sinistro. Assisti A Hora do Pesadelo quando eu tinha uns 6-7 anos e claro que fiquei impressionadíssimo. Quando deitei pra dormir, fui assombrado por visões, as paredes e as sombras do quarto se deformavam, como se o teto tentasse me engolir.

Apesar da experiência inicialmente traumática, eu fui me tornando mais e mais fã do terror, inclusive adorava um programa apresentado pelo Zé do Caixão, o Cine Trash¹.

Também foi com a TV que despertei meu gosto pela noite. Enquanto a maioria das crianças dormia cedo, eu adorava ficar acordado até tarde e curtir a programação noturna. Na adolescência e até o começo da vida adulta, eu curtia assistir o Jô Soares e os filmes deste horário que costumavam ser os melhores.

Tinha um momento bem curioso que eu particularmente gostava na experiência televisiva. Tinha dias em que o canal entrava em manutenção. Surgia uma voz avisando que o canal iria interromper a programação e então entravam aquelas clássicas barras coloridas preenchendo a tela. Em alguns casos, ficava tocando música e eu já cheguei a deixar a TV ligada com estas barras coloridas porque gostava deste conceito de manutenção. 

O mais interessante nesta "programação das barras coloridas" é que tinha dias em que, após encerrada a grade de programas do canal, lá depois da meia-noite, não havia mais nada pra passar por algumas horas, então começavam a rodar comerciais, só que não do jeito "certo". Era como se alguém estivesse testando os comerciais. 

Às vezes passavam com a velocidade acelerada ou só trechos incompletos e aparecia uma tela com informações técnicas do comercial, como duração, agência que produziu, etc. Eu ficava imaginando como era o trabalho desse cara que estava lá numa sala com computadores na alta madrugada, testando comerciais e organizando a programação para o dia seguinte.

Outra coisa que eu gostava na TV era a sua chamada "luz azul". Quando você deixa ela ligada no quarto ou na sala com as luzes da casa apagadas, a TV se torna um abajur, iluminando levemente o ambiente com uma relaxante luz azulada. É uma iluminação sonífera e de fato algumas vezes já dormi assim, deixando a TV ligada e programando o auto desligamento após algumas horas. Também achava legal programar ela para ligar de manhã, assim servindo de despertador.

Pensando agora nisso, dá até vontade de retomar este antigo hábito. Ao menos o hábito de dormir com a TV ligada e usá-la como despertador. Hoje em dia muitas pessoas fazem isso com o celular. Eu até já tentei assistir algo no celular antes de dormir, mas achei chatíssimo ficar segurando o celular e também odeio a telinha pequena e a luz forte. É bem diferente do aconchego da TV. 

E pensar que daqui a uns anos ou décadas vamos assistir as coisas direto na mente por meio de aparelhos como o Neuralink. Provavelmente ainda nesta época vou ter lembranças agradáveis da época em que dormia embalado pela TV.

Notas:

Mosca

Uma coisa que nao admito
é mosca no meu recinto.
Sai pra lá, mosca, eu insisto,
senão te jogo no abismo!

(19,02,2015)

O maior poema do mundo: ni pena ni miedo

ni pena ni miedo

Quando falamos em "maior poema", aqui é no sentido mais literal possível. É um poema escrito na areia do deserto de Atacama, no Chile. Seu autor é o poeta Raúl Zurita que sofreu torturas durante a ditadura militar de Pinochet. O poema, que possui mais de 3 km de extensão, significa "nem castigo, nem medo", e está imortalizado na fotografia de satélite no Google Maps.

Estas quatro palavras sintetizam bem a fórmula do totalitarismo. Por parte do opressor, existe a estratégia do castigo que tenta domesticar as massas. Por parte do oprimido, existe a reação do medo. Quando a massa é tomada pelo medo, ela se rende à imposição do poder.

Nerdices e libertarianismo em Vinte Mil Léguas Submarinas

Vinte Mil Léguas Submarinas

Vinte Mil Léguas Submarinas é o livro mais nerd de Júlio Verne, nerd no sentido de paixão por um tema que, no caso, é a vida marinha.

Júlio Verne é um ícone nerd. Eliminando os sentidos pejorativos ou o significado mais recente de nerd (praticamente sinônimo de "amante da cultura pop"), a palavra nerd identifica a pessoa que tem um grande interesse intelectual por algum assunto. No caso de Júlio Verne, sua maior paixão era o mar¹, a navegação e o estudo da vida marinha.

Em seus livros ele explorou diversos ramos da ciência: a mineralogia, a balística, a astronomia, a espeleologia, etc. Em Vinte Mil Léguas, porém, ele parece extravasar seu interesse pela ciência marinha. O livro é repleto de cenas em que os personagens classificam e descrevem com paixão as espécies submarinas. Às vezes parece que o autor está mais interessado em se dedicar a tais descrições da vida oceânica do que em desenrolar a história dos personagens. 

O fascínio do autor pelo mundo marinho se mostra nas ricas cores em que ele o descreve: 

"Eram uma maravilha, um encanto, estes cambiantes de cores, uma verdadeira caleidoscopia de verde, de amarelo, de cor de laranja, de violeta, de anil, de azul, numa palavra, a paleta completa de um colorista de primeira ordem!"

Ele tem seus momentos mais poéticos quando elucubra sobre criaturas e objetos marinhos, como na descrição de uma pérola:

"Para o poeta a pérola é uma lágrima do mar; para os orientais é uma gota de orvalho solidificada; para as damas é uma joia de forma oblonga, de brilho hialino, de matéria nacarada, que trazem no dedo, ao pescoço ou nas orelhas; para o químico é uma combinação de fosfato e de carbonato de cal com o seu tanto ou quanto de gelatina; e, enfim, para os naturalistas é uma simples secreção doentia do órgão que produz o nácar em certos bivalves."

Tirando estes momentos enciclopédicos da obra, o que mais chama atenção é o excêntrico capitão Nemo e seu submarino Nautilus. Em pleno século XIX, Verne teve a ousada ideia de imaginar um submarino que funcionava totalmente por meio de eletricidade e seus tripulantes viviam em um mundo separado do continente, colhendo no oceano tudo o que precisavam para viver.

Logo no começo do livro, a história parece ter uma inspiração no modelo Moby Dick, em que vemos um navegador obcecado em caçar um suposto monstro marinho. Depois descobre-se que o tal monstro na verdade era o submarino do Nemo, quando então a narrativa ganha outro rumo.

"O monstro existia, e ele jurava que havia de livrar os mares de semelhante flagelo. Era uma espécie de cavaleiro de Rodes, um Deodato de Gozon, caminhando ao encontro da serpente que lhe infestava a ilha. Ou o comandante Farragut havia de matar o narval, ou o narval havia de matar o comandante Farragut. O digno marinheiro não admitia meio termo."

Nemo é o libertário por excelência. Ele tem uma personalidade orgulhosa e independente de tal forma que encontrou um meio de ser seu próprio país, seu próprio governo: vivendo no mar. O Nautilus é o país ambulante do capitão Nemo. Ali ele está livre de qualquer submissão.

"O mar não pertence aos déspotas. À superfície podem eles ainda exercer os seus iníquos direitos, baterem-se, devorarem-se, praticarem toda a espécie de horrores. Mas a dez metros de profundidade cessa o poder deles, acaba-se-lhes a influência, desaparece o seu poderio! Viva, Sr. Aronnax, viva no seio dos mares! Só aqui é que há independência! Eu, no mar, não tenho superiores. Sou livre!"

Notas:

1: A paixão de Júlio Verne por peixes e demais criaturas do mar se nota, por exemplo, neste trecho do capítulo "O Mediterrâneo em 48 Horas", em que os protagonistas listam uma quantidade enorme de espécies, tomados de empolgação.

"Dos diversos peixes que ali habitam, vi uns, entrevi outros, não falando daqueles que a velocidade do Nautilus me subtraiu à vista. Seja-me, pois, lícito classificá-los como me for lembrando. No meio da massa das águas, vivamente iluminadas pelos jorros de luz elétrica, serpenteavam algumas dessas lampreias de cerca de um metro de comprimento, que são comuns a quase todos os climas. À semelhança de grandes xales levados pelas correntes, estendiam-se os oxirrincos, espécie de raias, de metro e meio de largura, ventre branco, dorso cinzento e manchado. Raias de outra espécie passavam com tal celeridade que não podia reconhecer se mereciam o nome de águias, que lhes foi dado pelos Gregos, ou as qualificações de rato, sapo e morcego, com que as denominam os pescadores modernos. Esqualos-lixas, com quatro metros de comprimento, e muito temidos dos pescadores, porfiavam em rapidez uns com os outros. Apareciam-nos, como grandes sombras azuladas, raposas-marinhas de três metros de comprido, dotadas de um olfato delicadíssimo. Douradas, do género spares, algumas das quais mediam treze centímetros, ostentavam o seu vestido de prata e azul, cercado de listas, que sobressaía na cor escura das barbatanas; peixes consagrados a Vénus e cujos olhos são orlados de supercílios de ouro; espécie preciosa, amiga de todas as águas, doces ou salgadas, que habita os rios, os lagos e os oceanos, vive sob todos os climas, suporta todas as temperaturas, e cuja raça, não obstante remontar às épocas geológicas da Terra, tem conservado toda a beleza dos primeiros dias. Esturjões magníficos, de nove a dez metros de comprido, animais de grande poder de locomoção, açoitavam as vidraças do Nautilus com a sua cauda potente, como para que lhes admirássemos o dorso azulado com pequenas manchas escuras; parecem-se com os esqualos, mas são-lhes inferiores na força; encontram-se em todos os mares. Na primavera, sobem os grandes rios, lutam contra as correntes do Volga, do Danúbio, do Pó, do Reno, do Loire e do Óder; alimentam-se de arenques, cavalas e salmões e, apesar de pertencerem à classe dos cartilagíneos, são delicados ao paladar; comem-se frescos e secos, salgados e de salmoura, e em tempos que já lá vão figuravam triunfalmente nas mesas dos Lúculos. Dos diversos habitantes do Mediterrâneo, os que eu pude observar mais a preceito, quando o Nautilus se aproximava da superfície, pertenciam ao septuagésimo terceiro género dos ósseos. Eram atuns, de dorso azul-escuro, ventre couraçado de prata, e cujos raios dorsais espadanam clarões de ouro. Diz-se que seguem a rota dos navios, cuja sombra fresca procuram sob os raios do sol tropical, e de facto assim aconteceu, não largando o Nautilus, como já outrora sucedera com os navios de La Pérouse. Por largas horas competiram em ligeireza com o nosso aparelho. Não me cansava de admirar aqueles animais, de cabeça pequena, corpo liso e fusiforme, que em alguns media mais de três metros de comprimento, peitorais dotados de um vigor notável e caudas bifurcadas. Nadavam em triângulo, como certos bandos de aves, cuja rapidez igualavam, o que fazia dizer aos antigos que a geometria e a astrologia lhes eram conhecidas. E apesar disso não escapam à perseguição dos Provençais, que os estimam tanto como os apreciavam os habitantes o Propontido e da Itália, e é como cegos, como estouvados, que estes preciosos animais vão lançar-se e morrer aos milheiros nas almadravas marselhesas. De memória, citarei também diversos peixes que Conseil e eu vimos apenas de relance. Eram gimnotos esbranquiçados, que passavam como vapores incoercíveis; moreias-congros, serpentes de três a quatro metros, repintadas de verde, azul e amarelo, pescadas de um metro de comprimento, cujo fígado fazia um acepipe de ótimo gosto, cépolas-ténias, que flutuavam como as algas mais finas, triglos, que os poetas apelidam peixe-lira e os marinheiros peixe-assobio, e cujo focinho é ornado de duas lâminas triangulares e dentadas que parecem o instrumento do velho Homero, triglos-andorinhas, que nadam com a rapidez da ave de que tomaram o nome, holocentros, de cabeça vermelha, cuja barbatana dorsal é guarnecida de filamentos, sáveis ornamentados de manchas negras, cinzentas, escuras, azuis, amarelas, verdes, que são sensíveis à voz argentina dos sinos, rodovalhos esplêndidos, esses faisões do mar, espécie de losangos com barbatanas amareladas, ponteadas de escuro, e cujo lado superior, o esquerdo, é geralmente marmoreado de escuro e amarelo e, finalmente, cardumes admiráveis de ruivos, verdadeiras aves-do-paraíso do oceano, que os Romanos pagavam até dez mil sestércios por cabeça, e que mandavam matar à mesa, para presenciarem o espetáculo da mudança de cores, desde o rubro-cinábrio da vida até ao branco-pálido da morte. Se não pude observar balistas, tetraodontes, hipocampos, centriscos, biénios, sardas, espinhos, peixes-rei, voadores, anchovas, pargos, bogas, orfas e todos os demais representantes da ordem dos pleuronectos, as solhas, os linguados, as patruças, as azevias, comuns ao Atlântico e ao Mediterrâneo, o facto deveu-se à celeridade com que o Nautilus corria por aquelas águas opulentas. Quanto aos mamíferos marinhos, creio ter reconhecido, ao passar em frente do Adriático, dois ou três baleotes, com uma barbatana dorsal, do género dos fisetérios, alguns delfins do género dos globicéfalos, especiais do Mediterrâneo, e cuja parte anterior da cabeça é listada de pequenas linhas claras, bem como uma dúzia de focas de ventre branco e pele das costas preta, conhecidas sob o nome de monges, por se parecerem com o hábito dos dominicanos. Medem três metros. Pela sua parte, Conseil julgara ter visto uma tartaruga de dois metros de largo, ornada com três arestas salientes em sentido longitudinal. Lamentei não ter visto aquele réptil, pois, pela descrição que dele me fez Conseil, julguei reconhecer o alaúde, que é uma espécie bastante rara. Quanto aos zoófitos, pude admirar durante alguns instantes uma prodigiosa galeolária alaranjada, que se agarrou à vidraça do caixilho de bombordo; era um longo filamento ténue, arborizando-se em ramos infinitos e terminado pela mais fina renda que jamais fiaram as rivais de Aracne. Infelizmente não pude lançar mão àquele maravilhoso exemplar, e por certo que nenhum outro zoófito daquele mar teria aparecido se o Nautilus, na tarde de 17, não tivesse afrouxado singularmente a sua velocidade."

Trechos assim não são raros no livro. Ao contrário, há dezenas de outros exemplos deste tipo. É uma enciclopédia de ictiologia.

Legends of Tomorrow, o melhor da quinta temporada

Legends of Tomorrow (2016-)

Legends of Tomorrow é a série mais pirada do arrowverso (resumi as primeiras quatro temporadas em outro post¹). Começou como uma sci-fi envolvendo viagem no tempo, uma vez que a equipe tem a missão de visitar diferentes eras para consertar desvios na timeline da história. Então na quarta temporada Constantine entra na equipe e a coisa fica ainda mais surreal, com a inclusão de elementos mágicos e demônios.

Antimonitor; Legends of Tomorrow (2016-)

A quinta temporada começa com mais um grande crossover anual, a quinta parte da saga Crise nas Infinitas Terras. Finalmente rola a batalha contra o Antimonitor, reunindo Supergirl, Superman, Flash, Batwoman, etc. Também o Black Lightning tem uma breve participação.

No finalzinho deste episódio, vemos um resumo da história do universo. É mostrado como o universo original se dividiu, dando origem ao multiverso, então vemos alguns personagens dos diversos mundos. Na Terra 2 temos a Stargirl¹ e sua equipe (ela acabou ganhando sua própria série alguns meses depois). Na Terra 19 vemos o Monstro do Pântano² (cuja série já havia sido lançada e cancelada em 2019). Na Terra 9 estão os Titãs (que já têm uma série desde 2018). Na terra 21 está a bizarra equipe Doom Patrol (que tem uma série desde 2019). Na Terra 96 vemos o Superman de cabelo grisalho, que é uma homenagem ao Superman da fantástica graphic novel Kingdom Come e esteve presente em alguns momentos da saga da Crise. 

Esta versão do Superman também é uma homenagem ao ator Brandon Routh, que no arrowverso interpreta o Atom, mas já teve a difícil tarefa de ocupar a vaga do Christopher Reeve no filme Superman o Retorno (2006).

Brandon Routh as Superman; Legends of Tomorrow (2016-)

É curioso que, entre todos estes universos, vemos uma Terra 12 em que aparece o vulto do que claramente é um Lanterna Verde. Até o momento não temos nenhuma série do Lanterna e este personagem também não apareceu em nenhum crossover. Será que há planos para uma série a caminho?

Legends of Tomorrow (2016-)

Por fim, temos a Terra Prime, que é onde se encontram os principais heróis do arrowverso. Eles terminam formando uma espécie de Liga da Justiça. O episódio acaba com um curioso easter egg, pois ouvimos um som de macaquinho e a música da clássica série animada dos Superamigos, então vemos que o prédio que eles estão usando como sede da Liga é igual ao dos Superamigos.

Após a saga da Crise, a equipe volta às suas aventuras "normais", encontrando Gengis Khan, Shakespeare, enfrentando um apocalipse zumbi, enfim, as loucuras típicas da série. O grande vilão da temporada são as divindades Moiras (Fates) e é no episódio 14 que chegamos a um dos melhores episódios de toda a série.

Legends of Tomorrow (2016-)
Em certo momento fazem uma paródia bem zueira de Star Trek.

Intitulado The One Where We're Trapped on TV, neste episódio a equipe é aprisionada pelas Moiras em uma realidade alternativa que se passa dentro de um programa de TV. É um mundo distópico inspirado no livro 1984, onde as Moiras ocupam o lugar do Grande Irmão. Elas são veneradas e temidas por todos e estão sempre vigiando todos. Qualquer um que ouse questionar aquele sistema do mundo é logo repreendido e até morto pelas Moiras.

O episódio começa mostrando uma espécie de Ministério da Verdade em que a história é reescrita por seus funcionários a fim de eliminar tudo o que instigue nas pessoas o questionamento da ordem mundial. Meras palavras como "rebelião" ou "questionamento" são banidas e a vida das pessoas se resume em trabalhar e assistir TV em casa. O trabalho se encarrega de mantê-las ocupadas e subservientes e a TV faz a lavagem cerebral e ocupa as mentes com séries bobinhas a fim de manter um estado de escapismo mental que previne o despertar do espírito crítico.

Legends of Tomorrow (2016-)
Pare de ser tão obediente!

É fascinante como uma série com uma proposta tão lúdica de repente nos trouxe um episódio assim tão sério e profundo, abordando um dos temas mais relevantes da história humana: o risco constante do surgimento de um totalitarismo que domine os corpos e mentes das pessoas. Em uma cena musical, os protagonistas quebram a quarta parede, olhando para a câmera, e nos aconselham a sermos menos submissos. O último episódio da temporada encerra esta aventura no mundo virtual das Moiras.

Notas:





Elon Musk quer dar início à Era dos Robôs

Tesla Bot

Elon Musk é conhecido como o Tony Stark da vida real, com a diferença que ele é bem mais amistoso e não parece ser tão narcisista quanto o personagem. O fato é que ele é um grande nerd e parece ser um bom exemplo do que qualquer nerd faria caso se tornasse bilionário: investiu em tecnologias futuristas.

Se, na virada do século XX para o XXI, o mundo da tecnologia foi liderado por gente como Bill Gates e Steve Jobs, agora parece ser a vez do Elon Musk liderar as próximas grandes revoluções tecnológicas do século, a saber: veículos elétricos (Tesla), transporte subterrâneo de alta velocidade (Boring), interface cibernética para criar uma comunicação "telepática" entre o ser humano e o computador (Neuralink) e até o ambicioso projeto de colonização de Marte (SpaceX).

Pois eis que agora ele apresentou mais um projeto de algo que pretende ser o normal daqui a uns anos: o Tesla Bot. Trata-se nada menos do que um robô humanoide com o propósito de auxiliar em atividades braçais ou, nas palavras do Elon Musk, "atividades perigosas ou entediantes". A promessa é o fim da ocupação humana em tarefas braçais, mas o robô vai começar com coisas simples, como carregar suas sacolas de feira, limpar a casa, cortar a grama. Enfim, estes robôs serão os novos caseiros, jardineiros e faxineiros da humanidade.

No momento isto parece uma tecnologia distante, afinal estamos ainda na era do celular e este aparelho é o melhor que temos até agora em termos de tecnologia acessível para boa parte da população e uso cotidiano. O celular é nosso robozinho de bolso. Já é um item tão integrado à civilização que as pessoas se sentem peladas quando saem de casa e esquecem o celular. É um item que está sempre perto, você leva pra todo canto. 

O próximo passo, naturalmente, é que este computador portátil ganhe mais poder mecânico, ou seja, braços e pernas. Então teremos o robô auxiliar que deve se tornar um item tão comum quanto um celular. Vai se tornar normal, por exemplo, as pessoas andarem nas ruas acompanhadas de seu robô. 

Este tipo de cena é bem ilustrado na série Humans (2015-2018), sendo que ali os robôs já têm toda uma skin humana, enquanto o protótipo do Elon Musk ainda tem aparência plástica e robótica, mas o corpo tem formato humanoide, com cinco dedos e tudo, para que as pessoas possam simpatizar com ele.

De fato, este é um detalhe importante. A Boston Dinamics, por exemplo, já virou objeto de memes por causa de seus robôs quadrúpedes que parecem cachorros apocalípticos de algum filme do Terminator. Não que não seja possível criar um robô com aparência animal que pareça fofinho. Os japoneses já fazem isso há anos. O ponto é: se o robô será do tipo que vai conversar com você e interagir em um nível quase humano, como uma Alexa, então será mais confortável para a mente humana que ele se pareça com um humano.

As implicações psicológicas e sociais desta era dos robôs humanoides são um tema já explorado na ficção há tempos. Faremos amizade com estes robôs, ou vamos conseguir nos manter na linha que separa o humano da máquina? Teremos sentimentos platônicos, pigmaliônicos? Bom, é certo que algumas pessoas terão, como já há casos de gente aí pelo mundo se casando literalmente com bonecas. 

Em algum momento, com a evolução da IA, vamos chegar numa era como dos filmes, quando robôs vão parecer ter sentimentos e quem sabe consciência (mas pra chegar nesse ponto acho que ainda falta muuuito, se é que é mesmo possível a consciência existir na forma de um código binário).

Enfim, a sociedade com robôs é um passo natural na nossa história tecnológica. Já era algo esperado e imaginado na ficção do início do século XX, quando a eletricidade estava começando a ser usada no dia a dia. O Elon Musk está mirando numa grande oportunidade e claramente pretende ser o líder nessa empreitada. Nas previsões otimistas (e visando atrair e empolgar investidores e consumidores), ele fala que ainda nesta década estes robôs devem começar a se tornar comuns nas casas das pessoas. 

Raji, um jogo baseado na mitologia hindu

Raji (2020)

Jogos plataforma com temática mitológica são raros. Um bom exemplo é Apotheon (2015)¹, baseado em mitologia grega. Recentemente, graças ao Game Pass, descobri outra raridade, um jogo baseado na mitologia hindu: Raji (2020).

Trata-se de um plataforma 2D que chama atenção pela ambientação, toda decorada com temas hindus, mandalas, painéis bastante coloridos representando divindades e contando histórias baseadas no Mahabharata e no Ramayana. Há diversas cutscenes também explorando a história dos deuses.

A jogabilidade surpreende na riqueza de mecâncias. É possível escalar o cenário e performar uma variedade de golpes e combos. A protagonista, Raji, é uma espécie de Lara Croft indiana. A beleza e o detalhismo do cenário chamam bastante atenção.

Raji (2020)

Raji (2020)

Notas:

Pit-Fighter, um clássico jogo de luta da Atari

Pit-Fighter (1990)

Street Fighter II (1991) foi definitivamente o jogo de luta que mais me marcou na infância. Uma ano depois, viria o Mortal Kombat, que tinha uma proposta de ser mais gore e com gráficos "realistas", bem diferentes do visual de anime do SF. Bem poderia ser o segundo jogo de luta na minha lista de infância, só que este lugar já pertence a outro, um joguinho menos famoso: Pit-Fighter (1990).

Pit-Fighter foi lançado pela Atari e rodava em diversas plataformas, até mesmo no MS-DOS. Experimentei o jogo no Mega Drive, na época em que eu ia para as locadoras, precursoras das lan houses.

A diferença na qualidade gráfica de Pit-Fighter para Street Fighter II é notável, bem como a jogabilidade, todavia Pit-Fighter tem seu charme. Adotava um visual simulando o realismo, pois os bonequinhos eram digitalizações de atores humanos (método semelhante seria usado em Mortal Kombat).

A jogabilidade era bem mais simples que a de SF ou MK. Não tinha todas as combinações de ataques especiais, nem muita variedade de personagens jogáveis. Era uma simulação de luta livre underground, com socos, chutes, agarrões e voadoras, mas tinha até uns curiosos golpes que nem Street Fighter nem Mortal Kombat tinham, como a possibilidade de você ficar pisando e dando joelhadas no oponente já caído no chão. É, dava pra jogar sujo. Eu diria que era o golpe mais satisfatório do jogo, ficar castigando o oponente caído.

Também a interatividade com o cenário superava os dois grandes jogos de luta da época. Era possível catar facas, estrelinhas e bastões largados no chão, bem como baús, motos e caixas que você podia arremessar na cabeça do inimigo. Também tinha um item que te deixava mais poderoso. Era o ultimate do jogo. Só que os inimigos podiam catar o item também, aí você se lascava.

Além disso, o cenário era cercado por uma multidão que assistia a luta, torcendo, mas também se intrometendo. Tinha uns caras na torcida que te empurravam se você chegasse perto, tinha a mulher da faca, que vinha pra cima com uma faca e você podia derrubá-la pra tomar a arma. Era um nível de interatividade com os "figurantes" do cenário que até hoje não é comum de se ver neste tipo de jogo.

Pit-Fighter (1990)

Stallone e Jason Momoa brigam de machado em Bullet to the Head

Sylvester Stallone and Jason Momoa; Bullet to the Head (2012)

Stallone não tem filme ruim. Ele pode ter uns filmes genéricos de ação, filmes Sessão da Tarde e filmes que ninguém ouviu falar, mas todos são assistíveis. Além disso, o cara é pé quente. Em toda sua carreira, até o momento, ele lançou 46 longas e 20 destes ficaram em primeiro lugar na bilheteria de estréia.

Com isto, Stallone bate um recorde singular na história do cinema. Ele é o ator que teve um filme em primeiro lugar de bilheretia ao longo de seis décadas seguidas. Ou seja, ele bombou em lançamentos nos anos 70, 80, 90, 2000, 2010 e agora já começa a década de 2020 com mais um sucesso. O primeiro foi Rocky, em 1976 e o caso mais recente é o novo Esquadrão Suicida, agora de 2021, em que ele dubla a voz do King Shark.

Stallone nunca sai de moda, nunca perde o poder de atrair público.

Dito isto, trago aqui um caso de filme genérico Sessão da Tarde que ninguém ouviu falar: Bullet to the Head (2012), em português traduzido como Alvo Duplo. Em termos de bilheteria, foi um fracasso. Produzido com um orçamento de 45 milhões de dólares, arrecadou apenas 21 milhões. Mas não se engane, é um longa de ação legalzinho de assistir, assim de forma casual. O velho Stallone como sempre se mostrou em boa forma física e apto a cenas de luta decentes.

A cereja do bolo é que temos um crossover do King Shark com o Aquaman, uma cena em que Stallone trava uma luta de machado contra o Jason Momoa (que na época já era bem conhecido por Game of Thrones).

Krypton, a série do avô do Superman

Krypton (2018-2019)

Enquanto a maioria das séries da DC tem se passado no "universo CW" ou arrowverso¹, a série Krypton (2018-2019) teve outra casa, o canal SyFy.

A SyFy é especialista em produzir uma abundância de séries em filmes focados em ficção científica, futurismo e sagas espaciais. É um canal bem nichado e fiel a um público específico: a galera que curte sci-fi.

Como muitas destas produções têm um orçamento modesto, o SyFy tem certa fama de produzir tosqueiras ou séries genéricas e repetitivas. É o caso de Krypton. No geral, Krypton é uma série genérica de ficção espacial, mas tem seus bons momentos. Só o fato de ser uma ampliação da mitologia do Superman já é um ponto positivo. 

A história traz personagens já mencionados nos quadrinhos e até mesmo no livro canônico Os Últimos Dias de Krypton (2007), também bebe um pouco da ambientação criada no filme Man of Steel (2013), bem como aquele conceito de que o S significa esperança, de modo que consegue de fato construir um mundo kryptoniano sólido, com castas, cenários diversos e crises políticas. 

Brainiac; Krypton (2018-2019)

A série também ousa em usar um dos vilões mais importantes da DC, o Brainiac, porém bastante nerfado (tem uma hora que o protagonista consegue matar um avatar do Brainiac com... uma paulada!). O protagonista é Seg-El, pai de Jor-El e, portanto, avô do Superman.

Lobo; Krypton (2018-2019)

O melhor da série mesmo, quem roubou a cena, foi ele, o Maioral, o Lobo, que aparece no começo da segunda temporada. Interpretado por Emmett J Scanlan, este Lobo é meio magrelo, não é o brucutu que esperamos ver em uma versão live action do personagem, tipo um Jason Momoa (difícil pensar em alguém mais adequado para ser o Lobo do que ele, no momento). Mesmo assim, a série respeita o poder do Lobo, embora adote uma abordagem mais de alívio cômico.

Lobo; Krypton (2018-2019)

Lobo; Krypton (2018-2019)

A cena mais interessante é quando Lobo está perseguindo Seg-El (na verdade ele está caçando Brainiac, que por acaso se instalou no corpo de Seg-El) e não consegue atravessar uma sala protegida por um campo de força. Lobo mete o braço no portal e o campo de força o amputa instantaneamente. Ele continua sem poder alcançar Seg-El do outro lado do campo de força, mas o braço amputado está lá aos pés do kryptoniano.

O que o Lobo faz? Ele dá um tiro no campo de força, a rajada ricocheteia e explode sua própria cabeça. assim o corpo decapitado do Lobo cai morto, mas eis que ele começa a renascer no braço que estava do outro lado. Tal é a eficácia do fator de cura do Lobo. A partir de um braço ele pode se regenerar totalmente. É uma cena ao mesmo tempo foda e cômica.

Doomsday; Krypton (2018-2019)

O Doomsday também está presente na série e, aliás, tem um visual bem mais fiel aos quadrinhos do que aquele boneco de cera do filme Batman v Superman (2016). A versão do Zack Snyder é oca e sem uma boa história. Em Krypton, ele tem sua origem desenvolvida no sétimo episódio da segunda temporada. 

No início, Doomsday era um soldado kandoriano chamado Dax-Bron. Ele possui uma mutação genética única, de modo que os cientistas Wedna-El e Van-Zod o submetem a experimentos para explorar e aprimorar esta mutação. A princípio o processo é feito com o consentimento de Dax, pois é dito que ele se tornará um soldado mais apto a lutar para o fim da guerra civil em Krypton.

A sequência de experimentos é bem sádica. Ele é morto e ressuscitado centenas de vezes, sendo exposto a diversos tipos de agressão, de modo que seu corpo vai desenvolvendo invulnerabilidade a cada ataque, mas também vai se enchendo de cicatrizes, a ponto dele adquirir a grotesca e encouraçada aparência do monstro Dooomsday. O trauma da longa tortura também afetou sua mente, tornando-o um ser bestial. 

O momento mais dramático da série foi justamente este episódio sobre a origem do Doomsday, principalmente quando sua esposa aparece para resgatá-lo e se depara com um monstro. Assim como o Hulk é uma versão dos quadrinhos para o clássico O Médico e o Monstro, o Doomsday é uma versão do Frankenstein, um ser criado pela ambição de cientistas e transformado em monstro, desumanizado, restando-lhe apenas cultivar o ódio.

Krypton durou apenas duas temporadas, mas deu uma boa contribuição para a expansão do universo DC em live action

Notas:

Hulk vs Thor e Wolverine (2009)

Hulk vs. (2009)

Hulk é o paradigma de força da Marvel. Se você quer saber quão forte é um personagem, ponha ele para lutar contra o Hulk. Em condições normais ninguém pode vencê-lo, não somente por causa da força (que aumenta quanto mais bravo ele fica), mas também porque ele tem o melhor fator de cura de todos, o que faz dele um perfeito saco de pancadas que não se cansa nem desmaia, por mais que batam nele.

Esta história, intitulada Hulk Vs, foi lançada em 2009 em dois episódios: Hulk vs Thor e Hulk vs Wolverine. Na luta contra Thor, o gigante é dominado mentalmente por Loki, não sem resistir muito, pois a brutalidade do golias é tal que até sua mente tem uma força incrível contra possessões e invasões telepáticas. A luta contra o Thor é memorável.

Na luta contra Wolverine, a história lembra o primeiro encontro de ambos que ocorreu na revista Hulk 181 (novembro de 1974) e acrescenta o experimento Arma X em que Logan recebe adamantium nos ossos. Foi uma mistura desnecessária de histórias, mas tudo bem. Bom é ver o verdão, como sempre, dando surra em todos que aparecem pela frente, incluindo Deadpool, Dentes de Sabre e Lady Letal.

Hulk vs. (2009)

Não reprima seus instintos

Não se deve reprimir os seus instintos. Eles fazem parte da energia básica da alma. Na mitologia grega podem ser representados por Eros. Não o Eros chamado Cupido, pelos romanos, filho de Afrodite (a Vênus romana), e sim Eros segundo a Teogonia de Hesíodo. Ele era um dos deuses primordiais, filho do Caos. Representava o impulso, a energia que motivava a criação.

O instinto é muitas vezes associado à libido. De fato, a energia sexual é criadora, impulsiona a reprodução nos animais, dá motivo para as pessoas fazerem muitas coisas, desde cuidar da aparência até constituir família. Mas libido é apenas uma das aplicações desta energia básica. No hinduísmo, a kundalini, energia que promove uma elevação espiritual do indivíduo, nasce no cóccix e sobe até a cabeça, ou seja, tem origem nas partes sexuais, nos quadris.

Em outras palavras, há um impulso básico que pode transformar-se em libido, bem como em qualquer outra força interior - coragem, iniciativa, busca espiritual, intelectualidade, empatia, etc. E também pode se desenvolver como uma força bruta, a princípio incontrolável, a força para sobreviver, para matar, para morrer, para lutar.

Eis a semelhança entre yogues, santos, gladiadores, assassinos, pensadores, músicos, atletas sexuais. Todos estão fazendo uso duma forte energia instintiva, energia que não pode ser contida, aprisionada, comprimida. A compressão produz explosão, produz aquecimento, mal estar. 

O erro da religiosidade e moral dos últimos tempos tem sido lidar com os instintos de forma errada. "Se parecem perigosos", dizem, "reprima". E assim dá-se mais força àquilo que se teme. Uma religião que força o celibato a homens que não conseguem segurar seu impulso sexual apenas corrompe esta força e produz comportamentos sexuais aberrantes. Este é apenas um exemplo do perigo que há em se reprimir instintos.

O instinto deve ganhar liberdade, deve sair da jaula, deve ter espaço para abrir as asas. E deve ser treinado até que se torne maduro e independente. Conta a lenda que o pai de Alexandre Magno havia comprado um cavalo, mas o animal era muito arredio, não se deixava montar e até feria as pessoas. 

Alexandre, ainda jovem, percebeu que o cavalo, chamado Bucéfalo, temia a própria sombra, então o menino passou a treinar Bucéfalo sempre caminhando em direção ao sol, de modo que a sombra permanecesse atrás deles. Não vendo mais a própria sombra, Bucéfalo aos poucos perdeu os temores e tornou-se a valente montaria de Alexandre.

Notas:

Escrevi este texto em 2012. Agora, uma década depois, eu acrescentaria um adendo: "Não reprima seus instintos, a menos que queira e seja capaz". Ou seja, entendo que a repressão também pode ser um método poderoso de manipulação das energias internas. Ascetas são especialistas nisso. O jejum, o celibato e até treinamentos bélicos podem lidar com a repressão aos instintos, tornando-os mais fáceis de controlar. Todavia, isto é uma arte e uma vocação. Não é recomendado para todo mundo e a repressão forçada só faz mal. Não creio que o total hedonismo seja ideal, pois os instintos, se deixados na liderança, podem levar ao vício e perda das habilidades do córtex. É preciso encontrar o balanceamento entre o córtex o o sistema límbico. 

Peregrina

Ela vivia
como quem está sempre em despedida,
sempre pronta pra partir,
sempre de malas na cama.

Quando ela dança,
balança as mechas, sorri, se agita,
às vezes flerta
com quem está à sua volta.

"Viver como quem vai viajar".
Ela falava.
As suas malas
levavam só o essencial.

Um dia fui em sua casa,
mas não estava.
Calçou sandálias,
pegou a estrada.

Ela era boba.
Era uma louca.
Não conhecia
os mistérios da vida.

A única coisa
em que era mestra
é que sabia
quando partir.

(24,04,2012)

O grande momento da língua e literatura brasileira

Não é questão de otimismo, mas de previsibilidade histórica. Basta olhar para os tantos exemplos do passado. É claro que o futuro é incerto e as coisas podem não acontecer como esperamos, mas há um padrão que se repete há milênios que nos dá ao menos uma estimativa do que está por vir.

Obras literárias de grande qualidade sobrevivem ao tempo, mas o fator determinante para sua divulgação ampla é o poder econômico do país que a divulga. O mesmo se dá com as línguas. Qual é a língua que se torna universal senão aquela exportada pelos povos dominantes?

Foi assim com a língua grega. Só se tornou o padrão nos tempos do império macedônico. Bastou Roma assumir o cetro do poder e o latim gradativamente foi tomando o lugar do grego. Prova disto é que nos primeiros séculos da era cristã as cópias do Novo Testamento eram na maioria em grego. Quando instalou-se o império romano, foram as versões em latim que se tornaram populares.

Depois do latim, o mundo passou por um hiato, enquanto se formavam os estados nacionais, e logo em seguida foi o inglês assumindo a liderança, a princípio devido à influência imperialista da Inglaterra, na época das colonizações, depois a tocha passou às mãos dos Estados Unidos e o inglês ganhou o mundo.

De carona com a língua, viaja a literatura. Não é à toa que os clássicos da literatura grega popularizaram-se durante o império macedônico. Os literatos romanos mundialmente conhecidos viveram no auge da glória romana, como Cicero e Agostinho (este já na fase em que Roma dava seus últimos suspiros). Qual é o autor britânico mais popular senão aquele que brilhou na época em que a influência inglesa estava no topo? Sim, me refino a Shakespeare. Quanto à literatura norte-americana, seus autores mais conhecidos são todos do século XX ou final do século XIX, como Twain, Hemingway, Sidney Sheldon, Alan Poe.

Agora temos uma nova organização do pódio econômico em andamento. A China já parece inevitavelmente fadada a ocupar o primeiro lugar¹. Em seguida vem o Japão. E o Brasil recentemente subiu para a sexta posição outrora do Reino Unido.

Isto significa que a língua chinesa ganhará mundo? Claro. Principalmente quando os empresários chineses começarem a preferir usar sua própria língua nas negociações com os estrangeiros. Mas não significa que o inglês será subitamente aniquilado. O latim, por exemplo, perdurou ainda por séculos depois que Roma caiu, em sua forma romana ou nas variantes mestiças. O inglês vai continuar, mas esperemos mais escolas de mandarim aqui em nossas terras.

Quanto ao português brasileiro e sua literatura, têm diante de si uma oportunidade de ouro. À medida que cresce sua influência econômica, cresce a divulgação da língua. Além disto, temos a vantagem de usar uma língua de caracteres latinos, o que facilita sua difusão no restante do ocidente, diferente do chinês que usa caracteres próprios.

O Brasil já exporta literatura. Exporta novelas, música, livros. Paulo Coelho é de longe o mais bem sucedido exemplo. E agora que cresce o alcance do braço cultural do Brasil no mundo, cresce a demanda. Isto significa mais oportunidades para os produtores de conteúdo, músicos, escritores, até professores de língua portuguesa para estrangeiros.

(10,01,2012)

Notas:

1: Escrevi este texto em 2012. Já na época se falava muito na ascensão comercial da China e havia essa moda de dizer que estava na hora de estudar mandarim, etc. Confesso que era uma visão um tanto ingênua de como funcionam as coisas na geopolítica. Não é do dia para a noite que a ordem mundial vai mudar de tal maneira que o mandarim se torne mais relevante que o inglês. Também nem é certo que isto vá mesmo acontecer. Óbvio que esta é a intenção da China e eles declaram isto abertamente. É uma agenda do Partido tornar aquele país o líder mundial nas próximas décadas. Todavia, a situação global é intrincada e há muitos players em jogo, tanto países quanto indivíduos e instituições. 

Anyway, não pretendo nem tenho preparo para analisar geopolítica a fundo. O objetivo do texto era e ainda é observar como o Brasil tem uma oportunidade de exportar sua língua e literatura e, mesmo com as crises que aqui se abateram, esta oportunidade continua de pé. O Brasil é um país rico e com grande potencial econômico. Tem ainda a vantagem de não ter a tendência a se desgastar em conflitos e animosidades internacionais, tanto que possui parceiros econômicos em todos os cantos do globo, seja na China, EUA, Oriente Médio ou Europa. 

O Japão se tornou um grande exportador de anime porque se tornou um grande exportador. A divusão de sua produção artística seguiu paralela ao seu crescimento econômico. Assim acredito que a literatura brasileira (e tudo o mais: música, cinema, etc.) deve alcançar um nível de divulgação internacional cada vez maior.

Quando Clark Kent se tornou Superman

Young Clark Kent

Clark Kent teve uma boa infância, uma vida tranquila na fazenda, com pais amorosos que lhe deram uma criação sólida. Ele foi o oposto do Bruce Wayne. Enquanto o Batman cresceu assombrado pelo trauma de ver os pais serem assassinados na sua frente, Superman não teve a infância roubada, cresceu feliz e satisfeito.

Clark Kent virou Superman quando seus poderes começaram a se manifestar. Na tosca versão do cinema, em Man of Steel (2013), o pai dele estranhamente insistiu para que Clark não usasse seus poderes e vivesse escondido. Pra piorar, o velho morre em um furacão só pra provar seu ponto e o Clark assiste a esta cena nonsense sem poder agir.

Este bizarro trauma (fruto da estupidez do pai dele, convenhamos) foi  o gatilho para que Clark virasse o Superman, ocultando sua identidade atrás de um uniforme com capa e um penteado diferente que, milagrosamente, fez com que as pessoas não percebessem que Clark Kent era o Superman.

Anyway, a meu ver o momento em que Clark virou Superman é outro: quando ele toma conhecimento da história de Krypton.

Até então, na cabeça dele, ele era apenas um garoto do campo e, quando manifestou os poderes, passou a se entender como um super-herói que podia combater criminosos em Metrópolis e tal, mas ele ainda não era O Superman. Isto aconteceu quando ele se deu conta de que era o último sobrevivente de um planeta, de toda uma civilização perdida. 

Ao conhecer sua história, Clark Kent passou a se enxergar como alguém que perdeu literalmente um mundo. Qual a sensação de ser o único sobrevivente de um genocídio? 

Desta forma, ele desenvolveu a determinação para garantir que algo semelhante não se repetisse. O sentimento heróico de Clark ganhou um nível global, pois agora ele adotava a Terra como seu povo e não queria que algo como o desastre de Krypton se repetisse. Assim passou a focar seus esforços em proteger todo o planeta, toda a humanidade. Aí nascia o Superman.

Superman é, portanto, o humano por excelência, o demasiado humano. A noção da perda de uma civilização que lhe deu origem catalizou o sentimento de humanidade, de empatia pela espécie humana. É um sentimento messiânico, de fato, afinal Superman é um arquétipo de Jesus.

X-Men versus Vingadores ou Amigos, amigos, negócios à parte

Tanto os X-Men quanto os Vingadores surgiram no mesmo ano, em 1963, só que os Vingadores já tinham uma reputação bem sólida, pois contavam com os personagens mais populares da Marvel até então, os pioneiros como Capitão América, Hulk e Homem Aranha. 

Ou seja, os principais membros dos Vingadores já tinham uma carreira solo e eram individualmente bem conhecidos, enquanto os X-Men surgiram como um grupo em uma revista de equipe. E de fato geralmente só funcionavam em equipe, com exceção do Wolverine que cresceu em sua individualidade bem mais que os outros e ganhou uma duradoura revista própria.

As duas equipes seguiram por trinta anos com uma boa popularidade, mas então nos anos 90 aconteceu um fenômeno editorial com os X-Men. Foi a "Era Jim Lee". Os X-Men viraram o carro-chefe da Marvel, surgiu também uma série animada inesquecível e o número de revistas derivadas do universo mutante aumentou, bem como equipes novas surgiram, como a X-Force.

Então veio a falência da Marvel em 1996. Mas peraí, como assim falência se na década de 90 aconteceu um boom nas vendas de revistas? Pois é, mas as coisas são assim mesmo, principalmente quando os empresários se empolgam com a prosperidade e começam a fazer investimentos arriscados, criando uma bolha de dívidas que um dia estoura. 

Atolada em dívidas, uma das saídas da Marvel foi vender seus filhos. Foi assim que os X-Men e o Quarteto Fantástico foram parar na Fox e o Homem Aranha na Sony. Claro que a editora ainda tinha os direitos de publicar revistas, mas na produção audiovisual eram essas companhias que podiam explorar comercialmente os personagens. E exploraram bem. A Fox e a Sony seguiram pela primeira década dos anos 2000 lançando filmes dos X-Men e do Aranha que foram fenômenos de bilheteria e pavimentaram o caminho para o que viria na década seguinte.

Vendo o sucesso que seus filhos faziam nos estúdios de cinema, a Marvel resolveu apostar nesse negócio com o que ainda tinha em suas mãos, e assim surgiram os filmes do Hulk e do Homem de Ferro. Este último foi um grande sucesso e poderia ser o início da restauração da Marvel enquanto empresa, mas no fim das contas a editora acabou encontrando uma maneira mais fácil e rápida de se salvar: foi vendida para a Disney em 2009. 

Em vez de ficar entregando seus filhos para outros estúdios, agora a própria Marvel era adotada por uma grande companhia. E o resto da história todos sabem: a Disney investiu nos Vingadores e surgiu o universo cinematográfico de super heróis mais bem sucedido de todos os tempos.

Acontece que agora que a Marvel era parte da Disney, se tornou indiretamente concorrente dos X-Men e do Quarteto Fantástico, pois estes tinham seus filmes produzidos por uma concorrente da Disney, a Fox. E por isso ao longo dos anos a Marvel foi esquecendo os X-Men nos quadrinhos. As revistas continuaram, mas já não recebiam a glória de outrora. Uma pena, pois os X-Men são um universo fantástico muito legal e bem mais rico e diversificado em termos de quantidade de personagens do que os Vingadores.

Bom, agora a Disney está prestes a adquirir os direitos de produzir filmes com os X-Men, o que, se de fato acontecer, significa que os mutantes vão poder até mesmo contracenar com os Vingadores e todos voltarão a ser amiguinhos.

Notas:

Escrevi este texto em 2012 e já rolava o rumor de que a Disney estava negociando os direitos dos X-Men. Só meia década depois, entre 2017 e 2019, a Disney consumou o negócio dando um passo mais largo: comprou a própria Fox, ganhando no pacote toda sua biblioteca de franquias, incluindo os X-Men.

Só que até agora a Disney nada fez com respeito aos X-Men. Nenhuma iniciativa para inserí-los no MCU aconteceu. Os X-Men estão de molho.

Os X-Men foram a primeira equipe de super-heróis a fazer um grande sucesso no cinema com uma série de blockbusters. Eles têm potencial para superar os Vingadores e a Disney sabe disso. Tavez então a mega empresa esteja guardando o ouro para usar depois que esgotarem os Vingadores, afinal os personagens desta franquia continuam rendendo (taí o Loki e a Wanda com suas séries próprias).

Pensando desta forma, é possível que, após a fase 4 ou até a 5 do MCU, a Disney finalmente precise começar algo novo e grandioso e aí viria o MCU focado nos X-Men. É um universo vastíssimo, com muitas equipes derivadas (X-Force, X-Factor, Novos Mutantes, X-Calibur, etc.) e muitas sagas clássicas. Dá pra produzir muitos filmes, séries e animações com isto.

O que é o amor?

Nicole Graham saving her horse

Amor é uma ideia complicada e uma palavra complicada. Usam-na para tantos sentidos como o sentimento dos pais pelos filhos, ou o carinho por animais de estimação, ou de amigos, ou a atração sexual, o próprio ato sexual é apelidado de "fazer amor" etc.

A mulher da foto teve seu cavalo atolado num lamaçal e permaneceu com ele por três horas, mantendo a cabeça do animal na superfície enquanto chegavam os bombeiros. O cavalo foi finalmente salvo, para alegria e alívio da mulher.

Podemos dizer que o que ela fez foi um gesto de amor, sim. Mas qual amor? Afinal fala-se também que amor é incondicional, mas o que ela fez foi motivado pelo afeto, esta sim uma palavra com sentido preciso. O afeto, o apego sentimental, o gostar, este sentimento é que na maioria das vezes é confundido com amor. Se é que existe amor. 

Por que não dar ao afeto seu devido crédito? Ou fala-se em amor como sinônimo de afeto? Afeto não é incondicional. Ele está associado a uma relação de carinho, de troca. O cavalo retribui o carinho do seu criador, embora duma forma não tão explícita como o faz um cachorro ou mesmo um gato. Animais de estimação procuram o colo do dono, dão-lhe afagos, lambidas, o cão geme, o gato ronrona.

De modo que há uma relação hormonal, táctil e sentimental. Não é muito diferente da relação de casais. O afeto é irracional, ou, para os que não gostam desta palavra, é não-racional. Você não sente afeto pela maçaneta da porta. Mas se a maçaneta cai você percebe que ela é importante pra você como meio para abrir a porta. Então você irá empreender meios de consertar a maçaneta. É uma relação racional. Eu preciso da maçaneta, por isso a considero. 

O afeto não faz cálculos. Por isto há pessoas que vivem juntas mesmo sofrendo prejuízo. Há mulheres que continuam com seus maridos cafajestes porque continuam sentindo afeto, ainda que a razão diga que estão sofrendo prejuízo com isto.

Então fala-se num amor que transcende o afeto e a irracionalidade, um amor que sequer pode ser considerado sentimento (já que sentimento não é razão). O cristianismo nomeia esta "atitude" como ágape, palavra grega usada pelo apóstolo Paulo no famoso capítulo 13 da carta aos Coríntios. Sim, aquele trecho cantado em parte por Renato Russo: "Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, sem amor eu nada seria...". Lembrando que a seguir o poeta encaixa trecho de Camões.

Este tipo de amor não estaria preso ao afeto. É algo que se pode ter até para com aqueles que nos causam repulsa, até por inimigos. Afinal, salvar um amigo, um animal querido, é algo relativamente fácil uma vez que somos motivados pela força do afeto, mas salvar alguém que nos prejudicou, um inimigo, um assassino, é algo bem difícil.

Todavia isto também é um tanto irracional. Segundo a razão, quem me maltrata merece minha vingança e não meu amor. De modo que este ágape não seria muito diferente do afeto autodestrutivo. Mas deixando os inimigos de lado, a atitude do amor incondicional pode dizer respeito àqueles por quem não temos afeto, mesmo não sendo também inimigos. 

Seria o caso de alguém que se doa para ajudar necessitados, pessoas que lhe são estranhas, que não são suas amigas, ou as pessoas do cotidiano, da rua, do ônibus que, precisando de ajuda, recebem ajuda sem que nada se espere em troca. Mas isto também já tem nome. Chama-se gentileza e generosidade ou caridade.

Logo, só posso concluir que amor é um ladrão. É uma palavra que rouba o lugar de outras, um ator que troca de máscaras. Desta forma, amor não é nada. Amor não existe. O que existe é afeto, carinho, gentileza, generosidade, caridade, compaixão, atração sexual. Estas coisas é que são reais. O amor, não.

(28,02,2012)

Será que existe culpa ou mérito?

Faço uma pergunta, não uma afirmação. Tenho observado como é parcial e incompleto o julgamento que fazemos uns dos outros. Pra que serve, aliás, o julgamento? Classificar as pessoas em boas ou más? Dividir a humanidade em castas?

Sim, castas, pois no fim das contas a bondade ou maldade são encarados como uma sina, uma bênção ou maldição que a pessoa está fadada a possuir. Afinal, quando alguém é dito "bom", qual a explicação que damos? "Ele usou seu livre-arbítrio e escolheu o bem" ou "Ele foi predestinado por Deus para escolher o bem" ou ainda "Ele é um espírito evoluído e encontra-se neste estado devido às experiências nas vidas passadas".

Ora, mesmo na ótica reencarnacionista, a pessoa nasce herdando um patrimônio de virtudes que acumulou em outras vidas (embora isto não explique onde tudo começou, pois não é possível regressar em toda a cadeia de encarnações até o gérmen primordial). E mesmo quando se diz que alguém escolheu por seu livre-arbítrio, como explicar que este escolheu o bem e outra pessoa o mal? Isto pressupõe uma predisposição do indivíduo. Será que nascemos predispostos ao bem ou ao mal? 

Neste caso, como alguém pode ter culpa ou mérito por algo que está em seus genes? Uma pessoa que nasce com diabetes não pode ser responsabilizada por isto e outra que nasce com alguma genialidade não merece tanto mérito uma vez que a genialidade foi um "presente" da natureza, assim como nascer loiro ou negro ou ruivo ou albino. A natureza deu. Não há esforço humano, portanto não há mérito. E se a natureza dá também defeitos, incluindo a predisposição à maldade, não pode haver culpa.

Também alguém pode dizer que o caráter é fruto de educação e influência. O indivíduo seria bom porque recebeu boa educação dos pais, da escola, não foi exposto às más companhias, ou foi educado em uma religião ou filosofia humanista e assim se manteve bom. Outro seguiu o caminho inverso, desprezado pelos pais, acompanhado de amigos delinquentes, criado sem religião ou educação decente e se corrompeu.

Neste caso, a pessoa continua sem culpa e sem mérito, pois se tais influências foram mesmo a causa de seu caráter, ela não passa de um objeto passivo a ser moldado pela sociedade e não pode o barro ser culpado ou elogiado pela forma que recebeu do artesão.

Por fim, é possível explicar o caráter de uma forma eclética. Talvez o misto de predisposições genéticas, influências externas, experiências vividas e as decisões tomadas pela pessoa ao longo de sua vida configurem sua índole como boa ou má. Mas mesmo assim isto não resolve o problema, pois no fim das contas, uma pessoa só faz escolhas se é naturalmente capaz de fazê-las. 

O humano não é um deus auto-criador (ainda que certas religiões e filosofias o digam). Todos nascem fruto de milênios de história. Somos fruto da nação, da história familiar, da formação de nossos pais, de quem herdamos genes e boa parte das características psicológicas. 

Se uma pessoa nasce num país racista, é educada com racismo e se torna um adulto racista, como culpar totalmente ela se o povo teve grande parte da responsabilidade na sua formação? O destino ou o acaso fez aquele indivíduo nascer numa nação racista. Tivesse outra sorte, poderia ter nascido numa terra mais tolerante e recebido outra educação.

Mas se não existe uma culpa intrínseca, como vamos lidar com os criminosos? Pois bem, esta é a grande questão. O que precisamos não é abandonar a noção de culpa ou mérito e sim a tendência em classificar as pessoas. O que a sociedade atual faz é isto: classifica alguém como mau e deseja que seja punido por ser mau. "Este bandido merece castigo", dizem. E parece que merece castigo por ser bandido. Mas isto não faz sentido segundo tudo o que cogitamos nas linhas anteriores. 

O ideal é lidar com os atos. Não se pode punir o mau por ser mau, uma vez que quem é mau não é de todo culpado por ser assim. Mas seguindo um princípio de karma, de retribuição, deve-se tratar as pessoas segundo seus atos. 

Se alguém comete um dano, deve pagar pelo dano que cometeu. Note, mudamos o foco da justiça. Em vez de castigar o que praticou o mal, fazemo-lo receber uma reação à sua ação. Pune-se o crime do criminoso no criminoso e não se pune o criminoso por sua condição de criminoso.

(25,02,2012)

Hades é legal, pena que é roguelike

Hades (2020)

Eu não gosto de roguelike. Pra mim isto já é uma certeza. Este é um caso típico de "O problema não é você, sou eu", pois eu sei que é um problema meu. Roguelike é um gênero bem popular, tanto que ultimamente têm surgindo muitos jogos neste formato, como é o caso do aclamado Hades (2020).

Talvez a minha aversão ao roguelike venha de minha longa experiência com MMORPG, o gênero que mais joguei na vida até hoje. No MMORPG, a gente está constantemente desenvolvendo o pergonagem e este é praticamente o objetivo principal do jogo. É um gênero focado em building, ou seja, você evolui seus equipamentos, habilidades, nível, e cria este carinho pelo personagem e tudo o que ele conquistou e se tornou.

No roguelike, você está constantemente "voltando ao zero". A morte significa a perda de habilidades e equipamentos que você conquistou, um downgrade, de modo que você tem de começar de novo o percurso. 

O diferencial do roguelike é que geralmente existe um sistema de geração randômica de dungeons, de modo que você nunca encontra o mesmo mapa quando reinicia a jornada. É uma forma de não tornar entediante o processo repetitivo de voltar ao começo. Além disso, há recompensas que se mantêm depois da morte, mas são recompensas que requerem muito grinding, muitas idas e vindas.

O fato é que roguelike implica em uma grande penalidade na morte e eu não gosto disso. Hades é um jogo Diablo-like (visão isométrica do cenário, enfrentamento de monstros em ondas nas dungeons, cenário de fantasia, medieval ou mitológico), o que eu gosto, mas com uma forte penalidade na morte. 

Os pontos positivos são a beleza do jogo e a temática baseada na mitologia grega, o que aprecio bastante (o título pode confundir à primeira vista, pois parece que o protagonista será Hades, quando na verdade é o filho dele, Zagreus). Além disso, o jogo saiu de graça este mês no Game Pass e assim tive a oportunidade de experimentar. Só fica aquela sensação de que eu teria gostado mais se não fosse roguelike.

Hades (2020)

Solitude e companhia

Não desejo ser só por toda a vida,
isolado de toda humanidade,
pois que homem algum é uma ilha.
Valorizo demais esta verdade.

Admito, porém, que me inclino
a buscar, vez por outra, companhia
da donzela solidão, que estimo;
mergulhar no mundo da alma minha.

Vejo a vida como belo bordado
em que alternam-se pontos e buracos.
Conteúdo e vazio andando juntos.

Com os outros quero momentos belos,
e momentos solitário idem quero.
Assim vejo o viver completo e justo

(03,11,2005)

A morte das redes sociais e a Web 3.0

Quando a internet se popularizou nos anos 90, o gérmen da rede social era o e-mail. Naturalmente o e-mail se tornou uma forma não somente de comunicação, mas também de integração. As pessoas trocavam e-mails conversando sobre assuntos triviais ou particulares, faziam o que hoje se faz no chat das redes sociais. 

Também enviavam mensagens para um grupo de pessoas, os contatos na agenda, e repassavam conteúdos recebidos, criando uma cadeia de difusão de mensagens que serviu para espalhar apresentações bonitinhas em PowerPoint e muito spam contendo lendas urbanas, vírus, propagandas de todo tipo.

Do e-mail para a rede social propriamente dita foi um pequeno salto. Surgiram o MySpace (2003), o Multiply (2003), o Windows Live Spaces (2004), o Orkut (2004), o Facebook (2004), o Sonico (2007). Algumas delas se especializaram, como o LinkedIn (2003), voltado a divulgar currículos e oportunidades de emprego; o Ning (2005) com ênfase para formação de grupos e fóruns; o MySpace especializou-se em música; o Flikr (2004), em fotografia; o Goodreads (2006) é voltado a literatura; o Formspring (2009), para perguntas e respostas; o Pinterest (2010), para imagens. No Brasil, o Skoob (2009) se assemelha ao Goodreads, também integrando interessados em livros.

E outras dezenas de sites do tipo surgiram, cada vez mais especializados. Algumas redes sociais dedicam-se a jogos eletrônicos, outras a sexo e datting,  cinema, quadrinhos, etc. Ao mesmo tempo vinha surgindo um formato mais simples, o microblog, voltado a postagens breves, concisas. Eis o Twitter, surgido já em 2006. Em 2009 aparece o Tumblr, com mais funcionalidades e preferência por postagem de imagens. A última rede social de peso a ser lançada foi o Google Plus (2011) ou Google+.

Agora vivemos a Era Facebook. Alguns sites que já foram muito populares, como Orkut e MySpace, entraram numa rota decadente, sofrendo abandono de usuários e críticas quanto à sua qualidade. O fato é que os usuários vão aonde o povo está. Se os seus amigos começam a migrar para o Facebook, mais cedo ou mais tarde você também vai, pois não quer ficar falando sozinho no Orkut. Esta é a dinâmica das redes sociais.

A julgar pela história, o Facebook pode experimentar o mesmo ciclo de vida das outras redes. Nasce, cresce, torna-se bastante popular, depois começa a perder usuários para uma nova rede promissora. Seria o Google+ a próxima onda? Bom, não faltaram tentativas da Google para aproveitar esta chance, tanto que antes do Google+ tentaram implantar o Google Wave (2009), sem sucesso.

O fato é que isto que se chama Web 2.0, cuja principal característica é a rede social, parece que aos poucos será substituída pela suposta Web 3.0. Qual seria a grande diferença? A diferença seria que o usuário já não estará focado num site específico, como um site de rede social. 

Ao entrar na internet já encontrará os conteúdos organizados de acordo com suas preferências, com seu histórico de navegação. Seus contatos estarão onipresentes, facilmente acessíveis. A internet inteira será a rede social.

Esta ideia de Web 3.0 é ainda muito nebulosa e não podemos saber como será esta integração do usuário com a internet, mas é certo que os mecanismos de busca terão um grande papel, pois navegar na internet consiste basicamente em fazer buscas. 

Neste caso, a Google se encontra numa posição privilegiada. Talvez o Google+ não consiga superar o Facebook, mas quando o Facebook esfriar, quando as redes sociais esfriarem, a Google ainda estará lá, oferecendo aquilo que vai continuar existindo na próxima era da internet: a busca.

Notas:

Escrevi este texto em 2012. Na época realmente acreditei que o Google + iria vingar. Em termos de funcionalidades, parecia bem mais interessante que o Facebook, mais nerd, pois era voltado à formação de círculos de interesse e classificação de conteúdo. 

O Google + foi mais um que entrou para o cemitério de projetos abandonados da Google. Quanto ao Facebook, continua aí, mas claramente já não tem a hype de outrora. Ele se tornou algo semelhante ao e-mail, algo que as pessoas têm, mas não usam como forma primária de interação. O Facebook virou um álbum velho de fotografias e uma lista de contatos, servindo só para você colecionar parentes, amigos e conhecidos.

Obviamente ainda há muita vida no Facebook, principalmente agora que as pessoas estão fanáticas por debate político. O mesmo aconteceu com o Twitter. Lá em 2012, lembro que o Twitter era uma rede social bem mais lúdica e o normal era você encontrar as pessoas falando de celebridades, músicos, filmes e séries, animes e esportes, além de aleatoriedades e muito humor e memes.

Hoje ainda existe tudo isto no Twitter, mas já não é o conteúdo mainstrean. Agora o tema de todos os dias é a política e todos viraram especialistas nisso. Nota-se que a política dominou o site pelo fato de ser sempre o assunto na maioria dos trend topics.

Quanto à tal web 3.0, continua sendo um conceito nebuloso. Ainda estamos na era das redes sociais e continuam surgindo novos sites, cada vez mais nichados. Como tentativa de concorrer com o Twitter e oferecer uma plataforma com a moderação menos paranoica (pois o Twitter, no esforço por se tornar um ambiente bem moderado, acabou ficando insuportavelmente controlador, banindo usuários com muita facilidade ou reduzindo seu alcance com o tal "ghosting"), por exemplo, surgiram sites como Gab e Parler que, da mesma forma, também estão infestados de política. Onde foi parar a diversão das redes sociais? Why so serious?

Agora, dez anos depois deste texto, as redes sociais continuam vivas, mas perderam a preferência para os aplicativos de mensagem, especialmente WhatsApp e Telegram. É assim que as pessoas agora preferem se comunicar. Os grupos do WhatsApp são frequentados rotineiramente e diversas vezes ao dia por uma pessoa. Este aplicativo conseguiu fazer a inclusão de idosos e semi-analfabetos (ou até analfabetos) na internet, já que basta saber apertar uns botões na tela e, para se comunicar, podem mandar áudio de voz.

As redes sociais devem continuar existindo, assim como o e-mail ainda existe, e vão continuar tendo sua utilidade, mas já não ocupam a liderança entre os recursos de comunicação digital. Agora estamos na "Era do Zap", mas isto continua sendo web 2.0. Quanto à tal web 3.0, talvez daqui a dez anos eu volte ao assunto pra ver o que mudou.