Justiceiro, a melhor série da Marvel na Netflix

Até o momento, a Marvel tem séries espalhadas em vários studios. Legion, por exemplo, é produzida pela FX; Agents of SHIELD pela ABC; Manto & Adaga pela Freeform; Runaways pela Hulu, etc. Esta fragmentação na produção deve mudar agora que a Disney comprou a Fox e a Hulu e vai lançar sua gigantesca plataforma Disney +. O mais provável então é que a partir de 2020 todas as séries da Marvel sejam distribuídas diretamente pela Disney como conteúdo exclusivo.

Nos últimos anos houve um caso peculiar de material da Marvel produzido por terceiros: as séries Marvel-Netflix, que chamo de demolidorverso. Até então nunca houve nenhum projeto de universo compartilhado de séries da Marvel tão bem costurado. A interligação entre estas séries e seus personagens foi constante, construindo de fato um pequeno universo.

Ao todo foram seis. Começou com o Demolidor (2015-2018), seguido por Jessica Jones (2015-2019), Luke Cage (2016-2018), Punho de Ferro (2017-2018) e o crossover destes quatro protagonistas em Os Defensores (2017). Além disso, do Demolidor ainda saiu um spin-off do Justiceiro (2017-2019).

Fazendo um ranking, particularmente considero o Demolidor a melhor das 5 séries, principalmente por causa do trabalho do Vincent D'Onofrio, que deu vida ao melhor vilão desse universo, o Rei do Crime. Em segundo lugar vem a Jessica Jones, igualmente com um grande vilão na primeira temporada (o Kilgrave, charmosamente interpretado pelo David Tennant). Em terceiro vem o Luke Cage, que teve seus bons momentos. Em quarto vem o crossover dos Defensores e em último a entediante série do Punho de Ferro.

E quanto ao Justiceiro? Ah, essa aí nem merece estar listada no mesmo ranking porque é muito superior a todas. Justiceiro foi de longe a melhor série dessa parceria Marvel-Netflix. Excelente do começo ao fim.

O Justiceiro, um dos personagens mais fodões e violentos da Marvel, teve três filmes. O primeiro em 1989 foi interpretado pelo gigante de 2 metros Dolph Lundgren; em 2004 foi a vez de Thomas Jane, tendo como vilão o John Travolta; e em 2008 o papel coube a Ray Stevenson. Todavia, todas estas versões do Justiceiro foram esmagadas, dilaceradas e esfoladas no vidro pelo excelente trabalho do John Bernthal na série da Netflix. Ele é com certeza o melhor Justiceiro de todos os tempos.

Tá tuuudo bem...

Já podemos então começar por aí, pelo ator protagonista. O John Bernthal já atuou em um bocado de filmes, mas se tornou mais conhecido pela sua participação em The Walking Dead. Depois disso, também foi marcante a sua presença no filme Fury (2014), contracenando com grande elenco, como Brad Pitt e Michael Peña.

Então nasce o Justiceiro na série do Demolidor. Ele participa de 12 episódios, sendo um antagonista do Demolidor, já que seus métodos são extremistas, o que vai contra os princípios de Matt Murdock. Ele acaba sendo julgado e preso, chega a fazer um acordo com o Rei do Crime e a trocar uns socos com ele também. No fim das contas, o personagem se tornou tão impressionante que ganhou seu spin-off.

Aquelas capas de disco de banda indie.

No Justiceiro o John Bernthal pôde mostrar todo o espectro de seu talento. Ele é uma mistura de badass e carismático. Todas as cenas de luta e tiroteio são ótimas, intensas, brutais. Ele realmente consegue passar a imagem de que Frank Castle é um cara durão, uma máquina de matar imparável, mesmo sem ter superpoderes. Mais ainda, Castle sempre sai dos combates bastante ferido e foi capturado algumas vezes, chegando a sofrer torturas. As cenas de tortura desse cara são realmente emocionantes. Assisti sentindo uma mistura de dó pelo seu sofrimento e admiração pela sua bravura. 

Bernthal sabe emocionar tão bem quanto sabe ser durão. Nos momentos de drama ele encarna o Frank Castle traumatizado e sofrido, que perdeu a família, que foi traído pelos companheiros e agora está sozinho no mundo e precisa enrijecer sua carapaça. Você olha pra ele e pensa: "Cara, esse homem sofreu na vida". E mesmo sendo tão denso e agressivo e sofrido, o personagem tem um carisma e parece que todos no fim querem ser amigos dele, até os vilões. Enfim, esse é o leque de sentimentos que o John Bernthal consegue despertar na sua atuação.

Na primeira temporada Castle desenvolve uma parceria com o hacker Micro, formando assim uma clássica dupla de heróis: o cara do campo, que vai pra pancadaria, e o cara dos bastidores, que oferece o serviço de inteligência. A relação entre os dois é bem divertida em certos momentos, pois têm uma convivência meio que de casal.

O vilão bonitão.

O vilão da temporada é Billy Russo, conhecido nos quadrinhos como Retalho (Jigsaw). O codinome tem a ver com o fato dele ter o rosto desfigurado, o que foi obra do Justiceiro. Na série, porém, não ousaram manter a semelhança física. Na primeira temporada Russo é um cara bonitão, encantador, e no final tem a cara esfolada no vidro pelo Justiceiro, mas na segunda temporada ele retorna apenas com umas cicatrizes, mantendo bastante a aparência do rosto. Não tiveram coragem de deixá-lo feio.

De toda forma, esse detalhe não importa tanto. O Billy Russo da primeira temporada é um grande vilão, ardiloso, sagaz, frio e habilidoso com armas. Na segunda temporada ele retorna física e psicologicamente quebrado e parece bem mais fraco em relação ao que era antes. Confuso e sendo manipulado pela psicóloga e agora amante, ele perde o holofote para outro vilão: o Peregrino (Pilgrim).

O vilão estiloso.

Pilgrim aparece na segunda temporada como uma espécie de hitman fanático religioso, com direito a sobretudo e chapéu pretos, típicos de um pastor puritano. Julgando fazer a obra de Deus, ele é um cara apático, mas intenso nos sentimentos para com a fé e a esposa doente. Não tem o charme do Billy Russo, mas é estiloso e bom de briga.

Giorgia Wigham e seus belos e volumosos cabelos.

Na segunda temporada, a parceria de Frank se dá com a garota Amy, que ele salva da perseguição do Pilgim, e então seguem juntos tentando sobreviver e aprofundando uma relação meio de pai e filha, algo parecido com a de Léon e Mathilda no filme O Profissional (1994).

Parabéns à Netflix que não economizou na violência bruta.

De toda a série, o melhor episódio é o penúltimo da primeira temporada, intitulado Home. Aí vemos de que material Frank Castle é feito e o talento do ator. O Justiceiro pode ser muito bom praticando violência, mas ele é melhor ainda suportando a violência. Ao longo do episódio vemos ele ser martirizado em uma longa cena de tortura a ponto de delirar e encontrar a sua esposa morta. Nesse momento ele deve escolher entre desistir da vida e enfim "retornar" para a esposa ou continuar a saga de punição na Terra. 

Tijolo apanha, mas não revida, já o Frank Castle...

É aí que ele se transforma num herói, quando resolve aceitar todo o martírio da vida e renunciar ao alívio da morte porque ainda é necessário no mundo, porque há pessoas que ele precisa proteger. Quando ele consegue escapar e se levanta da cadeira, todo machucado, mas imponente, é como se ali, após uma agoniante sessão de tortura, nascesse um novo homem.