Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

Sean Bean morre em Black Death

Black Death (2010)

A história se passa na Inglaterra do século XIV. O país sofre com a peste negra e os cristãos acreditam que seja uma punição de Deus. Em um mosteiro, também tomado pela doença, vive o jovem monge Osmund (Eddie Redmayne). 

Chega ao mosteiro o cavaleiro Ulric (Sean Bean) que foi comissionado pela Igreja para aprisionar um necromante em determinada aldeia. Osmund une-se a Ulric para guiá-lo na jornada. No percurso encontrarão saqueadores e finalmente uma vila isolada em que todos são saudáveis e a peste está ausente. 

Black Death (2010)

A vila é liderada por uma mulher, Langiva (Carice van Houten) e logo Ulric e seus mercenários percebem que as pessoas dali não são cristãs e Langiva é uma bruxa. O resultado será um conflito entre os dois grupos.

O filme, portanto, explora o tema da peste negra e da caça às bruxas, mas é interessante que não elege heróis ou vilões bem distintos. Não defende a causa cristã ou pagã. Na verdade, todos parecem tomados pela maldade, missionários ou bruxas. E mesmo o jovem Osmund também se corrompe. Não há final feliz.

Black Death (2010)

Carice van Houten coincidentemente (ou não) também seria uma bruxa na série Game of Thrones, que igualmente conta com a presença de Sean Bean (que, como de costume, acaba morrendo, o que nem pode ser considerado um spoiler quando se trata de Sean Bean).

Black Death (2010)

Marvel Knights ou Quadrinhos animados

Astonishing X-Men (2009)

Encontrei na Netflix essa série intitulada Marvel Knights que na verdade não é bem uma série, mas uma antologia, uma coleção de várias minisséries lançadas em anos diferentes. 

Black Panther (2010)

As diversas minisséries estão agrupadas na seguinte ordem:

1-6: Black Panther (2010)
7-8: Spider Woman, Agent of SWORD (2009)
9-11: Iron Man: Extremis (2010)
12-14: Thor & Loki: Blood Brothers (2011)
15-27: Astonishing X-Men (2009)

Spider Woman, Agent of SWORD (2009)

Logo de cara, o que chama atenção é a animação ruim. É uma espécie de semi-animação, feita com desenhos estáticos que pouco se movem, o que parece ser um trabalho preguiçoso. O que acontece é que este material foi diretamente tirado das revistas em quadrinhos e manipulado digitalmente para criar algum tipo de movimento nas cenas, acrescentando-se, claro, trilha sonora e dublagem. A vantagem é que o traço é mais detalhista, contando com todo o trabalho de colorização e arte final dos quadrinhos, mas a animação tem pouco dinamismo.

Iron Man: Extremis (2010)

Ok, com o tempo dá até pra se acostumar com esse tipo de desenho, mas as primeiras quatro histórias não são lá muito interessantes. Já a parte dos X-Men é melhor. Nada mais é do que toda a saga, página a página, da revista Astonishing X-Men, dos números 1 a 24 (2004-2008) e que culminou no especial X-Men Gigante (2008). Inclusive escrevi sobre essa revista e toda essa saga em outro post (aqui). É uma criativa história de Joss Whedon na sua fase pré-MCU.

Thor & Loki: Blood Brothers (2011)


Humans e Better than us, novelas com robôs

Better than Us (2018), Humans (2015)
Arisa (Better than Us) e Niska (Humans).

Com a chegada de Betther than Us (2018) na Netflix, a primeira série russa que assisto, lembrei de outra bem parecida, a britânica Humans (2015-2018). De fato, no começo Better than Us parece uma versão russa de Humans, pois em ambas vemos uma robô loira que se rebela no momento em que é abusada por um humano, mata-o e passa a ser uma criminosa fugitiva.

As duas séries também têm uma forma semelhante de abordar o tema cibernético: nada de distopia cyberpunk ou futurismo distante com tecnologias muito avançadas. A história se passa num tempo bem próximo do nosso (no caso de Better than Us é em 2029 e Humans no nosso presente, mas em uma realidade alternativa).

Humans (2015-2018)

Os robôs ainda estão em fase de implantação na sociedade, funcionando como ajudantes, obviamente: empregados domésticos, acompanhantes de idosos, enfermeiros, seguranças, etc. Seguem as famosas três leis da robótica e têm um intelecto e independência de pensamentos bem limitados, maaas, como é de se esperar, em algum momento acontece uma evolução no software de alguns robôs e começam a desenvolver uma espécie de consciência e vontade própria.

Better than Us (2018-2019)

Em Humans isso é melhor explorado e os robôs conscientes realmente estão em um estágio avançado de consciência. Better than Us é mais modesto. Apenas a Arisa, que foi produzida de forma secreta e ilegal na China, tem uma mente mais aberta e mesmo assim é bastante presa a objetivos predeterminados.

Humans (2015-2018)

Ambas as séries também mostram grupos rebeldes que são contra a existência dos robôs e os vandalizam, mas Humans vai além nesse aspecto social, pois mostra pessoas que passam a se comportar como máquinas, uma espécie de filosofia de vida ou transtorno de identidade que faz com que queiram ser reconhecidas como robôs e não humanas. É interessante e algo que possivelmente veremos acontecer um dia.

Humans (2015-2018)
"Eu sou uma humana, mas na minha cabeça me sinto uma robô".

Estas séries abordam o tema dos autômatos e da singularidade em situações cotidianas, nos relacionamentos que eles têm com os humanos e até vislumbrando um fenômeno que pode mesmo se tornar real nas próximas décadas: os robôs se tornando membros de famílias humanas, numa relação meio de escravo, mas também afetiva.

Better than Us (2018-2019)
Essa atriz realmente sabe fazer uma cara de robô.

Achei Better than Us meio morno, às vezes até entediante, mas não deixa de dar uma contribuição ao gênero. Humans me agradou mais na narrativa, além de contar com um grande elenco como Carrie-Anne Moss (sim, a Trinity de Matrix), Gemma Chan e tem aquele cara de Utopia, que ficava falando "Where is Jessica Hyde?".

O melhor legado do Batfleck: suas armaduras

Batman v Superman (2016)

Os filmes do Batman v Superman (2016) e Liga da Justiça (2017) trouxeram o novo Batman interpretado por Ben Affleck, o Batfleck. Comparações com a versão anterior do Christian Bale foram inevitáveis e, convenhamos, estes dois filmes, bem como o ator, tiveram vários problemas e no geral decepcionaram as enormes expectativas dos fãs.

Batman v Superman (2016)

Batman v Superman (2016)
Bat-tank.

No entanto, a despeito de qualquer crítica que se faça ao Ben Affleck, a Zack Snyder ou aos filmes, uma coisa é certa: este Batman foi o que teve as melhores armaduras/uniformes de todos os Batmans do cinema ou da TV. O pessoal do figurino está de parabéns.

Justice League (2017)

Justice League (2017)

Justice League (2017)

Enquanto o BatBale usou basicamente a mesma armadura ao longo de toda a sua trilogia, o Batfleck foi mais tático, o que é de se esperar do Batman, adotando uniformes diferentes para cada ocasião, desde um uniforme para andar no deserto, até uma armadura bem tank para encarar o Superman. E isso foi muito massa. Visualmente, pelo menos, Batfleck até o momento foi o melhor.

The Dark Knight (2008)
BatBale.

Spawn, um ícone do CGI tosco dos anos 90

Spawn (1997)

Até os anos 80, os efeitos especiais dos filmes eram feitos principalmente com a montagem de cenários e figurinos, maquiagem, bonecos de cera ou miniaturas (um grande exemplo são as naves de Star Wars, que eram simplesmente brinquedinhos) e até cenários pintados em grandes telas ao fundo.

Computadores na verdade foram usados nas décadas de 70 e 80 para tarefas simples como a edição de legendas e outros efeitos básicos, mas foi na década de 90 que a computação gráfica (CGI) deu um salto evolutivo. Dois excelentes exemplos disso são Terminator 2 (1991) e Jurassic Park (1993). Estes filmes ainda recorreram bastante aos efeitos práticos, mas a computação gráfica estava ali de uma forma nunca vista antes. 

Claro que o bom CGI era um recurso caríssimo, já que era tecnologia de ponta na época. Só filmes de altíssimo orçamento podiam bancar tal luxo. Quem tentou usar CGI com um orçamento menor, acabou produzindo umas tosqueiras visuais que rapidamente ficaram obsoletas. É o caso de Spawn.

Spawn (1997)
A maquiagem pelo menos era ok.

Spawn foi um fenômeno nos quadrinhos no início dos anos 90. Era o símbolo de uma renovação na indústria, pois tratava-se de uma revista indie, produzida por uma editora recém-fundada, a Image. Sombrio e ambientado literalmente em uma temática infernal, Spawn ousava por sair do modelo de herói certinho e family friendly. Tal foi o sucesso, que cinco anos depois do lançamento da revista resolveram fazer um filme, em 1997.

Não há muito o que se dizer desse filme. O roteiro é ruim mesmo, muito corrido, tentando resumir uma saga que foi desenvolvida durante anos nos quadrinhos. Somado a isso temos o CGI tosquíssimo até para os padrões dos anos 90.

O figurino do Spawn, feito com maquiagem, ficou realmente bom, mas aí tinha momentos em que era preciso usar animações digitais, principalmente na capa animada do Spawn e em toda a batalha final no inferno. Aí o que vemos é um espetáculo de CGI zoado. E é essa a lembrança que ficou do filme.

Spawn (1997)
"Aaah disgraça!"


Chained, um serial killer com o selo D'Onofrio de qualidade

Chained (2012)

Bob (Vincent D’Onofrio) é um taxista que rapta mulheres e as estupra em sua casa, matando-as e enterrando-as a seguir. Num de seus raptos leva uma mãe com seu filho. Tendo abusado e matado a mulher, resolve adotar a criança como um escravo domiciliar, apelidando-a de “Coelho”. O Coelho irá limpar a casa, servir a comida de Bob e ajudar a enterrar as mulheres mortas.

É curiosa a relação que se desenvolve entre ambos. Bob trata o Coelho como um criado, um escravo, e também como um mascote, um cachorrinho. Com o tempo, esta relação evolui e forma-se um laço de afeto. Apesar de rude, Bob passa a considerar o garoto como seu filho, a “educá-lo” na arte do assassinato, pois, para a sua mente deturpada, eles são caçadores e o filho deve seguir os passos do pai e aprender a caçar mulheres.

Chained (2012)

Vincent D’Onofrio é um ator veterano, apelidado de “Camaleão humano” por sua capacidade de assumir papéis de vários gêneros, do terror ao humor. Em Chained é notável como seu personagem, Bob, tem os traços de alguém que recebeu uma educação deficiente.

Ele fala pouco e com má pronúncia, tem dificuldade em explicar certas coisas, como numa cena em que mostra um álbum de fotos ao Coelho e não consegue descrever direito o objeto. Também a sua tranquilidade e frieza chamam atenção. Ele sequer precisa lutar com as vítimas porque sabe domá-las, como se domasse animais.

E há outro aspecto nele, pois Bob é o que é devido a abusos que sofrera do pai e ainda adulto ele tem pesadelos e flashbacks que desenham no seu rosto uma expressão sofrida e humana. Acho que o melhor do filme foi isto, o personagem e a atuação de D’Onofrio.

Ao contrário dos vilões e psicopatas convencionais, Bob não é apenas um cara maligno e doente, um monstro inumano e demoníaco. Ele é uma pessoa com problemas psicológicos, que sofreu uma criação abusiva, mas que ainda sente algum resquício de afeto paternal, embora duma forma grosseira.

Quanto ao garoto, que recebeu de Bob uma réplica da educação doentia que este recebera do pai, vai ter que decidir, na vida adulta, se seguirá o mesmo caminho ou se vai quebrar estas “correntes” psicológicas.

Chained (2012)

I Saw the Devil, um filme sobre os limites da vingança

I Saw the Devil (2010)

Este filme sul-coreano de 2010 é um pouco longo, com quase duas horas e meia de duração. Não possui tanta ação quanto geralmente se espera de dramas policiais, todavia isto se torna irrelevante diante da beleza da obra. 

O detetive Soo-hyun (Lee Byung-hun) tem sua noiva raptada, estuprada e esquartejada pelo sádico assassino serial Kyung-chul (Choi Min-sik, o ator que protagonizou Oldboy). Em vez de contar com a justiça convencional da lei, resolve operar sua própria vingança. 

Não conformado em simplesmente matar ou torturar o criminoso, o detetive monta um esquema para monitorar e perseguir seu alvo, numa espécie de jogo de gato e rato, aparentemente com o objetivo de produzir medo e fazer o assassino sentir-se na pele de uma vítima. 

I Saw the Devil (2010)

E quanto ao vingador? Será que escolheu a melhor forma de justiçar o assassinato de sua noiva? A vingança perfeita é possível? Conselhos não lhe faltaram. Sua cunhada diz-lhe que vingar-se não vai trazer a irmã dela de volta. O experiente Detetive Chefe Oh age com a voz da razão: “Você não pode se tornar um monstro para poder matar um monstro”. Mas Soo-hyun está obstinado a ir até o fim, a despeito de estar se tornando cada vez mais parecido com seu inimigo. 

Pelo menos três temas preenchem as entrelinhas da história: a vingança, o carma e a transformação da personalidade. A vingança plena é possível? Será que ela apenas produz mais carma e desgraça? E será que o vingador se transforma no monstro que combate, ou algo que transcende isto?

I Saw the Devil (2010)

Megan is Missing, um alerta sobre predadores sexuais

Megan is Missing (2011)

Megan is Missing (2011) é um drama fictício baseado em fatos reais. Para desenvolver a história, o diretor Michael Goi coletou casos de crimes registrados pela polícia. Megan, de 14 anos, e sua amiga Amy, de 13, são tipos opostos de adolescentes. Megan é mais popular, frequenta festas, tem muitos amigos e Amy é tímida, caseira e rejeitada pelos grupinhos de colegas.

Ambas desenvolvem uma amizade e costumam conversar por webcam e fazer novas amizades em chats na internet. É assim que Megan conhece Josh, um garoto de 17 anos, um predador sexual. Megan leva Amy para uma festa, uma típica festa da juventude americana, com bebida, drogas e sexo. As mulheres são objeto dos garotos nestas festas. Quando Amy se recusa a beijar um deles, recebe um tapa, é humilhada.

A primeira parte do filme desenvolve este mundo adolescente e a relação entre as duas amigas. É a parte final, os últimos vinte minutos, que exibe o conteúdo mais chocante. Imprudente, Megan resolve encontrar-se com o tal Josh e é raptada, violentada. Amy repete a imprudência e, partindo à procura de Megan, também é aprisionada e sofre um humilhante cativeiro, que termina com estupro e morte.

O filme não tem final feliz, não tem solução para os crimes. As cenas de violência são mostradas por uma câmera de mão usada pelo Josh (dando ao filme um estilo found footage), de modo que até o rosto do criminoso nunca aparece. Ele é um anônimo. E este final sem solução foge ao modelo dos filmes de terror mais populares, quando no fim o mal é derrotado. Megan is Missing não é um filme de terror fantástico. É uma denúncia e um alerta.

Tanto na internet quanto na vida offline, até na sua vizinhança, há pessoas perigosas, de modo que cautela é igualmente necessária tanto online quanto offline. Se há uma lição neste filme, ou uma advertência, é esta: é preciso tomar cuidado ao lidar com estranhos.

Obviamente, quando uma pessoa é vítima de um crime, não deve ser culpada ou receber cobranças do tipo "você procurou por isso". Por outro lado, o fato de que não faz sentido culpar a vítima não deve abafar o alerta quanto à necessidade de prudência que todos devemos ter ao lidar principalmente com estranhos. 

Megan is Missing (2011)

A sádica trilogia O Albergue

Hostel (2005)

O Albergue é uma trilogia (2005, 2007 e 2011) que mostra uma organização criminosa responsável por promover leilões de vítimas. Pessoas são sequestradas e torturadas para o deleite de milionários sádicos que pagam por isto. Nos dois primeiros filmes, a história se passa na Eslováquia. No terceiro, mostra como a mesma organização promove o show do terror em Las Vegas.

Pessoas ricas comprando humanos são uma terrível realidade, principalmente no que diz respeito ao trabalho escravo e, particularmente, à prostituição. Mas há também casos reais e lendas urbanas acerca de venda de pessoas para fins puramente sádicos. Haveria toda uma estrutura criminosa para atender gente que tem prazer em torturar, violentar ou realizar experimentos em humanos.

Hostel 2 (2007)

Um caso semelhante se vê no filme Would You Rather (2012), onde um homem rico promove um jogo valendo dinheiro e termina por torturar os participantes; ou em Oldboy (2003), em que uma organização é especializada em sequestrar e manter pessoas cativas a pedido de clientes.

Os dois primeiros filmes foram escritos e dirigidos por Eli Roth, com produção de Quentin Tarantino. A influência de Tarantino é bastante clara. A narrativa tem um teor cômico, de humor negro, de modo que se parece mais uma sátira macabra do que um filme de terror propriamente dito. É uma das marcas de Tarantino produzir terror sarcástico e satírico, o que faz de seus filmes algo peculiar e interessante.

Hostel 3 (2011)

Como é típico com estilo tarantinesco, há muitas referências a outros filmes, músicas e elementos da cultura pop. Por exemplo, em O Albergue 2, o personagem de Roger Bart diz “I am fucking Hercules”. E de fato Bart foi o dublador de Hércules na animação O Jovem Hércules (1997). No primeiro filme, logo que os personagens chegam ao albergue, a televisão está exibindo o filme Pulp Fiction, escrito pelo próprio Tarantino em 1994. 

Hostel (2005), Pulp Fiction easter egg

Hostel (2005)

Legion, a série mais psicodélica da Marvel

Legion (2017-2019)

O Legião surgiu nos quadrinhos em 1985, na revista dos Novos Mutantes, criado por Chris Claremont e Bill Sienkiewicz (já escrevi sobre ele e estas revistas em outro post: aqui). Na ocasião, o garoto com poderes extraordinários surta e acontece uma batalha psíquica entre ele e o próprio Xavier.

Na série televisiva, produzida em 2017 pela FX em parceria com a Marvel Television, a origem é diferente. Xavier luta contra o Rei das Sombras (Amahl Farouk) para proteger seu filho David. Derrotado, o Rei das Sombras se esconde dentro da mente do garoto por décadas.

Legion (2017-2019)
Xavier contra o Rei das Sombras.

Após ter um surto, David é internado e é aí que começa a aventura dele na série. Sendo resgatado por um grupo de mutantes, irá se envolver numa trama cada vez mais grandiosa envolvendo o destino de toda a humanidade e tendo Farouk como seu grande antagonista.

Existe uma famosa teoria segundo a qual aquele clássico desenho da Caverna do Dragão é uma analogia para o Purgatório. O Mestre dos Magos, que aparentemente é o guia e ajudante das crianças perdidas, é na verdade o Diabo que ardilosamente trama para que elas nunca saiam do Purgatório. Já o Vingador, que parece ser o vilão, é de fato Jesus, tentando fazer com que saiam daquele mundo.

Pois bem, podemos encontrar algo parecido em Legion. A princípio David é o herói e Farouk o vilão, mas a história vai de tal forma se desenrolando que esta divisão de papéis vai ficando menos clara. David começa a se mostrar meio vilanesco, enquanto Farouk parece que no fundo tenta salvar a humanidade.

Legion (2017-2019)
Seria Farouk um arquétipo de Jesus?

Curiosamente, quando Farouk é capturado, recebe um inibidor de seus poderes telepáticos que se parece com uma coroa de espinhos, o que contribui para essa interpretação alegórica de que ele seja um tipo de Jesus, um salvador incompreendido. 

Além disso, o próprio nome do protagonista, Legion, faz referência ao demônio bíblico Legião (que tinha esse nome porque dentro de uma só pessoa havia uma multidão de demônios, como uma múltipla personalidade), que Jesus enfrentou, segundo os Evangelhos. Legion não é o salvador, mas o destruidor de mundos.

Analogias à parte, o que mais chama atenção nesta série é a sua estética. Desde o começo, toda a ambientação, os diálogos, as cenas que se passam dentro da mente dos personagens são surreais, psicodélicos, como se a história fosse contada ou imaginada por uma mente esquizofrênica. Existem tantas coisas estranhas e confusas que em vários momentos você perde o fio da meada e se pergunta: "O que é isso que eu acabei de assistir?". E isso é ótimo.

A série parece um grande clipe de algum álbum de rock experimental dos anos 70. A trilha sonora, composta por Jeff Russo, combina perfeitamente com essa proposta. Nenhuma outra série da Marvel ousou tanto em explorar o surreal, de modo que Legion pode ser considerada uma Rick 'n Morty da Marvel. Tem viagem no tempo, aventuras dentro do mundo mental cheio de simbolismo e tem até um episódio dedicado ao multiverso, mostrando várias realidades e destinos alternativos da vida de David.

Legion (2017-2019)
Versão de um mundo paralelo de David, aparentemente inspirada no Mr. Anderson de Matrix (1999).

Legion (2017-2019)
Numa das realidades alternativas, uma clara referência à cena de espancamento do filme Laranja Mecânica (1971).

Falando em multiverso, o mundo de Legion tem um endereço bem definido na database da Marvel. É chamado de Terra-TRN620 (veja aqui). Ou seja, a Marvel deixa claro que Legion não se passa no mesmo mundo do Universo Cinematográfico Marvel, que é a Terra-199999 (veja aqui), mas é melhor assim, pois Legion vai muito bem como uma série fechada em si, sem necessidade de se interligar às outras produções da Marvel.

Legion (2017-2019)

Atualmente, a maioria das séries da Marvel se passa na Terra-199999, o mesmo mundo dos filmes. É o caso de Agents of SHIELD, Agent Carter, todo o demolidorverso (Demolidor, Jessica Jones, Luke Cage, Punho de Ferro, Defensores, Justiceiro), Runaways, Manto & Adaga e até os Inumanos. Legion foi uma exceção, existindo em seu próprio e peculiar universo.

Outro detalhe bem chamativo são as capas, estas sim lembrando bastante os discos psicodélicos setentistas, cheias de cores e imagens simbólicas.

Legion (2017-2019)

Legion (2017-2019)

Legion (2017-2019)

Legion (2017-2019)

Legion (2017-2019)

Legion (2017-2019)

Legion (2017-2019)