Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

She-Hulk e a bolha da indústria do entretenimento

She-Hulk

Nos anos 90 aconteceu o marcante fenômeno da bolha especulativa na indústria dos quadrinhos. O sucesso da Marvel e DC era tanto que até transbordou no surgimento de uma nova editora, a Image, fundada por ex-artistas da Marvel e DC.

Naquela década, quadrinhos se tornaram o grande entretenimento nerd, o que inflacionou este mercado. As revistas aumentaram a tiragem, mas também o preço. Empolgados com as vendas, editores inventaram de lançar os mesmos títulos com várias capas variantes, visando os colecionadores. Também multiplicaram os títulos com minisséries, spin-offs e personagens desconhecidos ganhando revistas próprias. 

Como era de se esperar, uma hora essa bolha iria estourar e estourou feio, tanto que a Marvel, endividada e à beira da falência, teve até que vender os direitos de vários de seus personagens para grandes studios, o que teve um lado bom, pois foi a partir daí que os live actions engataram no cinema, com os X-Men produzidos pela Fox e o Homem-Aranha pela Sony, pavimentando o caminho para a era dos Vingadores.

Pois bem, agora estamos vivendo a bolha na indústria de filmes e séries. De um lado, teve a HBO/DC produzindo série a rodo com o arrowverso, e de outro, a Disney, na ânsia de encher seu catálogo do streaming, também passou a encomendar novas séries com personagens da Marvel, como WandaVision, Loki, Gavião Arqueiro, Moon Knight, Ms. Marvel e She-Hulk.

Foi na She-Hulk que finalmente um problema dessa produção em massa começou a se tornar conspícuo. Ainda antes do lançamento, a personagem já despertou comentários negativos nas redes sociais devido ao seu CGI ruim de "massinha", um CGI mal acabado, tosco, algo que não era de se esperar da Marvel que passou uma década nos impressionando no cinema com filmes cheios de ótimo CGI.

O problema estético dessa série tem uma explicação simples: os studios de design contratados para produzir os conteúdos de CGI da Marvel estão atolados de serviço e com pouco tempo para entrega. É muita série, muito filme, mesmo que eles recebam malas cheias de dinheiro, não é assim que a banda toca. Animação 3D requer tempo. Vide o Avatar 2, que está em produção há pelo menos uma década justamente porque James Cameron faz questão de entregar um CGI polido e caprichado.

Mas o problema não para por aí. Aparentemente, há algo bem estranho acontecendo no orçamento das séries ultimamente, especialmente estas relacionadas a fantasia e super-heróis. Como podem os episódios serem tão caros e ainda assim entregar uma qualidade tão sofrível?

Vamos pegar um exemplo clássico de série de sucesso e um orçamento gordo muito bem investido: Game of Thrones. Lá nos idos de 2011, cada episódio da série custava cerca de 6 milhões de dólares, investidos em um gigantesco elenco, locação e construção de cenários, muito figurino, efeitos práticos, CGI, equipes talentosas em todas as áreas. A melhor qualidade que uma série poderia ter. Seis milhões muito bem investidos.

Dez anos depois, lá em 2019, cada episódio estava custando cerca de 15 milhões. Levando em conta a inflação e o aumento dos custos no CGI dos dragões, foi um orçamento bem apropriado. Quem não lembra das batalhas épicas que aconteciam em momentos climáticos de cada temporada? Aquilo era dinheiro bem gasto.

Também em 2019, a Netflix começou a produzir The Witcher¹, claramente uma tentativa de ter seu próprio Game of Thones, sua fantasia medieval para encantar o público. Assim como GoT, The Witcher precisava de muito investimento em cenário, figurino, CGI para os monstros e um razoável orçamento para o elenco, particularmente o Henry Cavill. O custo de cada episódio de The Witcher ficou em torno de 10 milhões. Um valor aceitável.

Aí veio Sandman². Cada episódio da primeira temporada de Sandman custou 15 milhões, ou seja, um orçamento nível Game of Thrones, mas o material que foi entregue estava muito aquém da qualidade de um GoT ou mesmo de The Witcher. 

Sandman parecia uma série genérica da CW (me desculpe a CW, mas suas séries viraram sinônimo de CGI barato), com um elenco totalmente desconhecido e pouca ambientação. Os cenários do reino dos sonhos e do inferno, que aparecem em alguns momentos, são paupérrimos. Isto nos leva a questionar: onde diabos eles gastaram estes 15 milhões por episódio?

Temos outro exemplo ainda mais bizarro. A série The Rings of Power³ prometia ser uma grandiosa adaptação épica baseada no universo de Tolkien. O que de cara impressionou e criou expectativas foi a estimativa do orçamento. Só pelos direitos da franquia, a Amazon pagou 250 milhões e cada episódio da primeira temporada custou cerca de 60 milhões! 60 fucking milhões!

Um episódio de The Rings of Power equivale a quatro episódios de The Witcher ou três de House of the Dragon, sua grande concorrente e que claramente parece ter uma produção bem mais profissional e tem CGI de dragões em praticamente todo episódio.

O que espanta em The Rings of Power é esta disparidade entre orçamento e qualidade. A série tem um CGI razoável, mas convenhamos, ela como um todo não parece ser uma superprodução. Não há nada nos cenários, no elenco ou nos figurinos que pareça digno dos 60 milhões semanais.

O mesmo acontece com a She-Hulk. Trata-se de um programa de comédia e que claramente é bem menos ambiciosa em termos de qualidade, mas mesmo assim esta série tosca está custando 25 milhões por episódio. She-Hulk é mais cara que House of Dragon e The Witcher juntos!

Como é possível isso? O que está acontecendo na produção destas séries que está torrando dinheiro sem conseguir entregar uma qualidade equivalente ao custo? É como se fosse uma bolha financeira prestes a estourar. A incompetência ou o olho gordo dos profissionais envolvidos nas finanças da série está fazendo a Disney, a Netflix e a Amazon sangrarem fortunas, o que provavelmente vai chamar atenção dos investidores em algum momento.

De fato, esta bolha já está chamando atenção, o que se nota nas atitudes do David Zaslav assim que assumiu a HBO, fazendo questão de cortar projetos e estabelecer o foco no "menos é mais", em produzir bom conteúdo, com dinheiro bem gasto, em vez de abrir as torneiras do caixa para fazer um monte de séries e filmes chinfrim.

Eu diria, aliás, que a bolha não é apenas financeira. Está cada vez mais claro que existe uma bolha ideológica contaminando a produção destes materiais. A She-Hulk se tornou um notável exemplo disso, uma vez que a série não esconde sua intenção em fazer uma espécie de "humor misândrico" e recheado de detalhes woke.

O resultado é que, em vez de ser uma série para os chamados normies, para o público em geral que quer apenas sentar diante da tela e ter uns momentos de entretenimento, She-Hulk parece visar um público bem específico, bem nichado, de militantes woke, o que representa uma pequena parcela da população nerd. É a minoria barulhenta, os chamados "lacradores de Twitter".

A indústria de entretenimento sempre esteve impregnada de ativistas políticos e desde os anos 60 ela foi se tornando majoritariamente ocupada por roteiristas, diretores e atores com viés mais para o lado dos democratas ou do progressismo, mas também tem uma galera mais conservadora e/ou republicana. 

Só que geralmente sempre houve uma certa moderação na forma como os filmes e séries tocam em assuntos com viés político, pelo óbvio motivo de que, antes de tudo, a indústria de entretenimento deve visar aquilo que é sua principal missão: entreter e fazer dinheiro com isso.

Óbvio que há espaço para passar alguma mensagem em um filme, para ir além do mero escapismo da ficção, mas o escapismo é importante e é ele que mantém a indústria funcionando, que gera bilheteria, que dá o retorno financeiro necessário para que novos filmes e séries continuem sendo produzidos.

Por algum motivo, parece que algumas produções têm extrapolado o limite da moderação, resultando em produtos focados demais em militância política ou ideológica, inclusive usando a militância como uma forma de autodefesa, pois "se você não gostou da She-Hulk, é porque você é machista e não simpatiza com a mensagem feminista dela".

Esta é a armadilha oferecida ao público. Entrega-se um conteúdo com baixa qualidade, mas permeado de mensagem ideológica, de modo que a ideologia é usada como blindagem contra críticas à qualidade. É uma estratégia muito estranha, porém, pois isto não vai ajudar em nada a aumentar a popularidade e a aprovação de uma série. 

Enfim, há uma bolha nesta indústria, uma bolha financeira e curiosamente também ideológica. A boa notícia é que bolhas estouram e quando isto acontece o mercado se renova e aprende com seus erros, se renovando.

Notas:





Adiós Google Stadia

Google Stadia

A Google não tem medo de experimentar, afinal ela pode se dar a este luxo, uma vez que tem tantas balas na agulha (bilhões de dólares para investir). A empresa já é conhecida por seu cemitério de projetos descontinuados, como o Orkut, Picasa, Google+, Google Wave, Google Glass, etc.

Pois eis que agora mais um experimento foi sepultado, o Stadia¹. Pois é. O Stadia era um serviço promissor, visionário, baseado na estimativa de que o futuro do software como serviço é a completa integração com a nuvem, ou seja, o processamento dos serviços deve rodar nos servidores super potentes da empresa e não mais em seu PC ou mobile.

A ideia é fantástica e abre inúmeras possibilidades. A promessa dos jogos na nuvem é que você não vai mais precisar de um PC ou console caríssimo e super potente para rodas jogos pesados. Tudo o que você precisa fazer é assinar o serviço de streaming. É a netflixzação dos jogos².

Não só a Google entrou nessa, mas também a Amazon com o Luna³, a Nvidia com o GeForce Now e a Microsoft que já integrou o serviço de nuvem na assinatura do Game Pass.

O serviço de streaming de jogos veio pra ficar e provavelmente a Microsoft seguirá liderando nisto, mas não foi dessa vez que a Google conseguiu emplacar. Convenhamos, o Stadia nunca teve muita confiança do público gamer em geral. Teve gente que abraçou a hype inicial (confesso que eu também), mas com o tempo ficou claro que o negócio não engatou, de modo que a notícia do fim não foi uma grande surpresa.

Notas:




Palavras-chave:

Tibia e os jogos Tibia-like

Tibia (1997)

Tibia¹ é um jogo com muita personalidade. Seu estilo é inconfundível, mas como nada há de novo debaixo do Sol, também o Tibia teve sua inspiração, o Ultima Online (1997).

Em termos gráficos, o Tibia seguiu evoluindo ao longo de suas atualizações, de modo que hoje pode-se dizer que ele tem um visual bem mais bonito e caprichado do que o Ultima. Ironicamente, o Ultima sempre teve efeitos sonoros, enquanto o Tibia, andando na contramão da maioria dos jogos, foi um jogo mudo por duas décadas.

Ultima Online (1997)

A ausência de som do Tibia foi sempre um motivo de piadas na comunidade gamer, de modo que, para surpresa de todos, a CipSoft resolveu inovar em pleno 2022, trazendo som ao jogo. Sim, agora Tibia tem som e fizeram um trabalho decente. 

Agora quando você entra nas cidades se depara com uma música temática do local e com o som ambiente de pessoas andando, conversando, operários trabalhando. Na floresta você é recebido pelo som dos pássaros, sapos e outros bichos. Enfim, o jogo se tornou ainda mais imersivo e espera-se que com o passar dos anos a biblioteca de sons se torne mais rica e refinada. Ponto para o Tibia.

OT servers
Um site agregador de OT servers. Tem versões para todos os gostos.

A sobrevivência do Tibia ao longo de duas décadas é a clara evidência de seu sucesso. Outra prova de sua popularidade é o fato deste jogo ter inspirado tantas imitações. Já diz o ditado: "A imitação é uma forma de elogio". A partir do Tibia surgiu todo um ecossistema formidável de jogos "piratas" chamados de Open Tibia, para os íntimos, OT.

A comunidade de OTs já foi maior, mas ainda hoje existe vida neste mundo de versões alternativas ao Tibia. Geralmente, a motivação para pessoas jogarem OT é o fato de que podem desfrutar de uma experiência parecida com a do Tibia, porém sem ter que pagar uma fortuna em mensalidade, além do fato de que em OTs a taxa de ganho de experiência costuma ser maior, assim é como jogar Tibia, mas sem o grind insano que requer literalmente anos de dedicação para evoluir seu personagem.

Bloodstone The Ancient Curse (2019)

Zezenia Online (2008)

Existem OT servers que são verdadeiros trabalhos de profissional, bastante customizados. Um exemplo curioso são os "poketibia", que são OTs customizados com base na temática Pokemon. Também há OTs beeem caseiros, alguns até hospedados no próprio PC do gamemaster, com sua internet caseira.

O Tibia também acabou inspirando outros jogos com uma produção mais autoral e profissional, como é o caso de Zezenia Online (2008) e Bloodstone The Ancient Curse (2019).

Ravendawn Online (2024)

Um exemplo mais recente e que ainda está em fase de testes é o Ravendawn. Este mês o jogo abriu um servidor para testes em sua fase beta e a desenvolvedora já garantiu presença na Brasil Game Show em outubro.

Experimentei um pouquinho do Ravendawn. Visualmente, é inegável que o jogo é um "Tibia melhorado", pois investe mais em sprites animados, especialmente as criaturas, o que dá mais plasticidade e vida em comparação aos bichos quase estáticos do Tibia. Sem contar que os ataques são todos animados, há uma enorme variedade de classes de personagem que você pode construir, cada qual com um estilo personalizado de combate. Tem personagem para todos os gostos. 

Uma das grande limitações do Tibia sempre foi o fato de ter se engessado nas quatro classes básicas e que na prática são apenas três: tank, arqueiro e mago (sorcerer e druid). No Ravendawn as classes são baseadas em 8 arquétipos que, combinados, podem resultar em 64 builds diferentes! É um modelo bem parecido com o do Ashes of Creation².

Aliás, parece que eles se inspiraram no Ashes também em outros aspectos, como no sistema de caravana, em que você poderá levar suprimentos em uma carrocinha através do mapa, a fim de vender no mercado.

O trabalho de ambientação do Ravendawn tem se mostrado bem detalhista. Quando seu boneco caminha pelo mapa, por exemplo, os passos produzem sons diferentes de acordo com o tipo de solo, seja madeira, terra, grama, etc. Nas cidades, existe uma grande população de NPCs que ocupam os espaços apenas para fins de ambientação. 

Cada NPC tem falas próprias, de modo que há até certa poluição visual nos ambientes mais populosos, com tantos bonecos spamando balões de diálogo, mas o conceito é legal. Realmente dá uma vida ao cenário.

O jogo está quase pronto para lançamento e já possui uma grande quantidade de features. Tem árvore de skills, sistema de infusão, diversas habilidades de craft e coleta com suas própria árvores de evolução. Todavia, ainda falta polimento.

O chat, por exemplo, tem um texto muito pequeno e quando você fecha uma janela, como o inventário ou o próprio chat, o controle não passa imediatamente para o seu personagem, ou seja, as setas direcionais não funcionam a não ser que você clique na tela depois de fechar uma janela. Há janelas que poderiam fechar com um Esc, como os diálogos em missões, mas em vez disso tudo exige muitos cliques.

Achei a jogabilidade um pouco truncada. Não me pareceu agradável ou fluido caminhar e atacar com o personagem. A interação com o cenário é baseada na tecla F, mas em alguns casos seria bem mais prático se funcionasse com apenas um clique do mouse, como o ato de abrir portas ou coletar coisas. Parece que se preocuparam muito em criar um sistema de interação que dificultasse o uso de bots, mas acabou ficando maçante para o jogador ter que ficar dando F em tudo.

Enfim, este mundo de jogos Tibia-like está bastante vivo. O próprio Tibia ganhou agora novo fôlego com a atualização dos sons. 

Já tive minha fase Tibia há muitos anos, bem como os momentos de nostalgia e retorno, às vezes só por curiosidade, só pra matar a saudade. Mesmo hoje, com a dominância dos jogos 3D e cada vez mais realistas, o Tibia se mantém firme em seu espaço. Confesso que hoje já não me dá prazer jogar seja o Tibia ou outro Tibia-like. Mesmo assim, ainda mantenho a curiosidade de continuar acompanhando este mundo e suas novidades.

Notas:



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Há pessoas ali

Esta noite, olhando para o céu, vi um pontinho luminoso em movimento. Um satélite? Uma estrela cadente? Pela forma como pisca, ficou claro que era um avião, o que me fez pensar: "Há pessoas ali".

A natureza nos destinou a isso, a sermos eternos desbravadores. Engenhosos, fomos da terra ao céu nestes pássaros de metal. Algum dia olharemos para a Lua, para Marte, e vamos nos maravilhar com o fato de que haverá humanos caminhando em seu solo extraterreno.

Ainda vai demorar muito, mas um dia, ao olhar para um pontinho luminoso no céu, não um avião, não um planeta, mas uma estrela, um mundo além do nosso Sol, teremos o deslumbre de dizer: "Há pessoas ali".

(28,09,2022)

Sobre Bostil, otimismo e pessimismo

Está na moda estes tempos uma expressão entre os xóvens: "intankável o Bostil". Uma explicação para as gerações futuras de humanos ou robôs, caso esta gíria se torne obsoleta. Intankável é um jargão do mundo dos games. Um personagem tank é aquele que consegue aguentar muito dano, é o escudo do grupo, logo, tankar significa aguentar, suportar. Dizer que algo é intankável é tipo "isso é demais pra mim".

Quanto a Bostil, é uma palavra que revela o conhecido complexo de vira-latas do brasileiro. É uma visão pessimista sobre o país, enxergando o seu pior lado.

O pessimismo consiste em optar por enxergar apenas, ou principalmente, os aspectos ruins do mundo, enquanto o otimismo interessa-se em focar nos aspectos bons. Se olharmos o mundo de uma forma mais ampla, vendo a floresta em vez da árvore, naturalmente vamos perceber que existem aspectos tanto positivos quanto negativos, há coisas boas e ruins, agradáveis e desagradáveis. O mundo não é nem um paraíso nem um inferno. É um misto de elementos paradisíacos e infernais.

Logo, otimismo ou pessimismo dizem mais a respeito da pessoa do que do mundo. A pessoa optou concentrar sua visão neste ou naquele aspecto do mundo. Ambos estão corretos, tanto o otimista quanto o pessimista, porém, parcialmente corretos.

O problema da hiper rotulação

Shark pronouns

Recentemente viralizaram uns vídeos de TikTok em que uma moça ensina sobre uns pronomes novos e bem insólitos, como "shark". Isso mesmo, segundo ela, há pessoas que referem a si mesmas usando o pronome "tubarão".

Sabemos que tudo começou com o movimento pela normalização do chamado pronome neutro¹. Por algum motivo, pessoas lá na gringa não se sentiam confortáveis com os pronomes "he" ou "she" e passaram a adotar o "they" ou mesmo o "it". Era de se esperar que a coisa não parasse por aí.

Uma vez que esta caixa de Pandora foi aberta, estava criado o precedente para que se reinventasse ad infinitum o acervo de pronomes, de modo que a lista vem aumentando ao gosto da criatividade das pessoas. Já existem sites dedicados a catalogar estes neologismos que são chamados de "neopronomes".

The trouble with tribbles

Este fenômeno dos pronomes, que estão se multiplicando como os tribbles de Star Trek, revela um problema que tem se tornado comum hoje em dia: a hiper rotulação. 

Em vez de entender que cada ser humano é uma pessoa complexa, um indivíduo idiossincrático, marcado por contradições, por combinações de aspectos variados, a moda da rotulação busca simplificar o complexo atribuindo algum tipo de título, nomenclatura, uma classificação que caiba em uma palavra, como os tais neopronomes. Daí, por exemplo, achar que uma pessoa pode ser resumida ao fato dela gostar de tubarões e, portanto, ser identificada pelo pronome "shark".

Supostamente, o objetivo da moça do TikTok, que fica fazendo vááários vídeos dicionarizando os novos pronomes, é conscientizar sobre tolerância e aceitação, mas é aí que está o problema. Esta hiper rotulação dificulta o processo de tolerância, porque ela impõe sobre a sociedade uma carga muito volumosa de informação e informação que rapidamente fica desatualizada.

Para você aceitar as outras pessoas, será preciso se manter constantemente a par da lista de pronomes que vai aumentando dia a dia, do contrário corre o risco de cometer a gafe de errar um pronome de alguém que, sem você saber, de repente atende pelo pronome "wolf" ou "xey" ou "oak"...

Isto cria uma armadilha que apenas contribui para prejudicar a interação social. A pessoa que resolve adotar um neopronome passa a ficar psicologicamente armada contra qualquer gafe que alguém cometer, interpretando como uma ofensa, e as pessoas que não conseguem acompanhar o ritmo de multiplicação destes pronomes vão simplesmente desistir do esforço e até evitar o contato com os "neopronomistas" por receio de serem julgadas como preconceituosas. Resultado: a galera dos neopronomes vai se isolando em uma bolha e o propósito inicial de promover tolerância e aceitação vira um tiro pela culatra.

Label jars not people

Anyway, por enquanto, este é um problema lá dos Estados Unidos, onde se formam comunidades para cultivar estas questões nas redes sociais e multiplicar os tribbles, criando um verdadeiro trouble. Mesmo lá, isto fica bem restrito a um determinado nicho, como uma tribo urbana, como novos góticos ou emos, porém ainda mais raros. 

Poucas são as pessoas que adotam estes neologismos e, entre estas poucas, algumas só usam na forma escrita, na internet, pois no dia a dia, na vida offline, acabam percebendo que tem palavras que são impossíveis de usar em uma conversação.

Nossos antepassados tinham uma forma universal de lidar com as diferenças, que era simplesmente ensinando o valor do respeito e de "fazer o bem sem olhar a quem" ou "não faça aos outros o que não queres que te façam". 

Não é separando as pessoas em subclasses, em uma infinidade de rótulos, que vamos promover o respeito mútuo. Ao contrário, é importante que se promova a noção de unidade da raça humana, de que todos são parte da mesma aldeia global, a despeito de suas peculiaridades.

Na promoção do respeito, menos é mais. Vale o princípio que atende pelo acrônimo KISS: Keep It Simple, Stupid. 

Notas:


A geração replicante

Pink Floyd: The Wall (1982)

É atribuída a Sócrates a seguinte crítica aos jovens de seu tempo: "Os jovens de hoje gostam do luxo. São mal comportados, desprezam a autoridade. Não têm respeito pelos mais velhos, passam o tempo a falar em vez de trabalhar. Não se levantam quando um adulto chega. Contradizem os pais, apresentam-se em sociedade com enfeites estranhos. Apressam-se a ir para a mesa e comem os acepipes, cruzam as pernas e tiranizam os seus mestres".

Esta fala sempre nos soa como atual por um motivo simples: é uma tendência natural da juventude questionar e rebelar-se contra a ordem estabelecida. Jovens são rebeldes por natureza porque eles são motivados pela mudança, pela transformação. Em toda geração os mais velhos se queixam da rebeldia dos jovens e estes jovens, quando se tornarem velhos, vão igualmente se queixar das futuras gerações.

Todavia, estamos experimentando uma era singular em que os mais velhos demonstram mais disposição para a desobediência do que as novas gerações e parece que o motivo disso é a internet e as redes sociais, que, de uma maneira em parte espontânea e em parte projetada, têm moldado a mentalidade das crianças para o excesso de submissão.

Já é sabido que nas redes sociais a vida acontece na base do estímulo e recompensa em um nível bem mais intenso do que nas relações offline. A internet é como um caça níqueis que vai te recompensando a cada curtida, a cada seguidor, e as pessoas desenvolvem esse vício em serotonina que influencia o seu comportamento.

Ora, nessa busca constante por aprovação, por curtidas e atenção, os jovens são desde cedo treinados a performar um comportamento que evite desagradar os outros. Evitam desobedecer as inúmeras regrinhas tácitas de etiqueta virtual para não serem cancelados. Temem levar um ban, um unfollow ou receber menos likes do que receberiam se fossem mais certinhos e seguissem os protocolos do crédito social.

Black Mirror (2011-)

O já clássico seriado Black Mirror (2011-)¹ ilustrou muito bem isto no episódio Nosedive, onde as pessoas ficam forçando sorrisos amarelos e vivem pisando em ovos, temendo cometer qualquer deslize de etiqueta que leve a perder umas estrelinhas. Foram condicionadas pelas recompensas e punições das estrelinhas a buscar o bom comportamento e evitar qualquer demonstração de rebeldia.

Eu compararia estas novas gerações, mais pacatas e predispostas à submissão, aos replicantes da versão aprimorada em Blade Runner 2049 (2017)². Eles são incapazes de questionar ou desobedecer ordens. O personagem do Ryan Gosling, o Joe, tem essa atitude pacata e um tanto estoica. Não que ele não tenha senso crítico. Sua expressão niilista revela certo nojo e aversão a algumas coisas que ele é obrigado a fazer, mas mesmo assim ele obedece e nunca expressa qualquer questionamento.

Ryan Gosling; Blade Runner 2049 (2017)

O Joe é um verdadeiro contraste com o Roy Batty, do filme de 1982, que era rebelde, agressivo e questionador. Também o Deckard, interpretado pelo Harrison Ford, tinha este espírito meio punk e individualista.

Enfim, parece que esta nova sociedade que se molda sob o zeitgeist da internet é bem ao estilo do profético Brave New World, de Huxley, um mundo de pessoas mansas, de pacatos cidadãos. Convenhamos, isto tem lá seus benefícios que toda a sociedade desfruta, mas é também alarmante.

Só que nós conhecemos bem a natureza humana. Mesmo estes pacatos replicantes têm um ponto de ruptura se forem forçados além dos limites. Em algum lugar dentro destas almas mansas, está adormecida a capacidade de reagir. 

Notas:



Palavras-chave:


A batalha dos gigantes do entretenimento

100 biggest companies

Impérios vão e vêm e também mudam de forma. Há pelo menos cinco mil anos em nossa história conhecida, o mundo tem experimentado um ciclo perpétuo de impérios nascendo, morrendo, mudando de mãos ou mudando de forma.

Além do império de nações, como o antigo Egito, Babilônia, Grécia, Pérsia, Roma e mais recentemente os Estados Unidos, o mundo também conheceu impérios supranacionais, como o califado islâmico e a igreja católica na Idade Média.

Eis que agora estamos entrando na era de um novo tipo de império supranacional: as mega empresas. Este tema já é bem famoso na ficção cyberpunk: com a evolução do capitalismo, empresas grandes vão absorvendo as menores, de modo que chega a um ponto em que os negócios no mundo inteiro estão concentrados nas mãos de umas poucas empresas, ou melhor, conglomerados que agrupam várias ramificações.

O escritor Cixin Liu¹, em seu conto "O último capitalista", chegou a imaginar que este processo de aquisições chegaria a seu estágio final quando em algum momento um único homem se tornasse literalmente dono de tudo, dono de todas as empresas, todas as terras, mesmo do planeta. Este seria o último capitalista.

É uma visão assustadora, mas tenho minhas dúvidas se a civilização realmente chegaria a tal ponto, porque se tem algo que a história nos mostra é que mesmo os mais formidáveis impérios se degradam. No tectonismo da história, o terreno está sempre se modificando. O que hoje está no topo, amanhã pode ser absorvido e se torna uma fina camada, substituída por algo novo. 

Beauty companies

Food companies

O fato é que hoje nós já nos deparamos com verdadeiros impérios empresariais. Quem nunca viu aqueles diagramas mostrando um pequeno número de empresas que são donas de diversas marcas e subsidiárias? 

Diferente dos antigos impérios que venciam seus adversários pela guerra, os impérios empresariais vencem pela concorrência ou pela curiosa estratégia da aquisição. Quando o Instagram surgiu, rapidamente se tornou um concorrente que ameaçava o Facebook. O que o Facebook fez? Comprou o Instagram.

No mundo do entretenimento, quem melhor ilustra esta era dos gigantes e sua fagocitose corporativa é a Disney. Para manter sua relevância na indústria, a Disney foi além do seu próprio studio de desenhos animados e passou a adquirir outros studios, canais, franquias. 

Assim comprou a nerdíssima franquia Star Wars, os studios Pixar com suas excelentes animações, comprou a Marvel e conseguiu o feito de criar um complexo universo cinematográfico de filmes e séries compartilhadas como nunca se viu antes. Mais recentemente, comprou nada menos que o grupo Fox.

Disney empire

Mas mesmo entre os gigantes existe concorrência. Como no filme O Hobbit (2012), em que vemos enormes gigantes de pedra lutando entre si, assim os colossos da indústria do entretenimento disputam a atenção do público. Mas qual gigante estaria à altura para concorrer com o ciclópico conglomerado da Disney? 

Por décadas a Warner Bros. foi uma concorrente natural da Disney. Até nas animações, enquanto a  Disney tinha Mickey e Pato Donald, a Warner tinha Pernalonga e Patolino. No cinema, houve um embate de grandes franquias de fantasia, com a Warner tendo Harry Potter como seu campeão, enquanto a Disney reagiu com Piratas do Caribe.

Estes dois rivais se assemelham até no fato de terem adquirido as duas maiores empresas de quadrinhos do mundo. A Disney adquiriu a Marvel, enquanto a Warner ficou com a DC. Nesta batalha, porém, a Disney saiu na frente no cinema, com seu bilionário MCU.

A Disney é a Disney desde seu surgimento em 1923, já a Warner passou por várias aquisições, fusões e reformulações.

A Warner Bros. Pictures surgiu também em 1923 (de fato, ela veio alguns meses antes da Disney). Nas décadas de 70 e 80 chegou a fazer parceria com a Columbia Pictures (que hoje pertence à Sony) e na década de 90 se tornou parte de um conglomerado ainda maior de mídia, a Time Warner. Nos anos 2000, a Time Warner se fundiu com a então gigante da internet America Online.

Em 2018, foi a vez da Time Warner ser canibalizada por outro peixe maior, a gigante de telecomunicações AT&T. Enquanto isto, a concorrente da AT&T, a Comcast, havia canibalizado a NBCUniversal, da qual faz parte a Universal Studios, uma empresa que também sempre aspirou a concorrer com a Disney, tanto que ela tem seu próprio mundo de parques temáticos que rivalizam com a Disneylândia.

Em 2022, a Warner saiu das mãos da AT&T para se fundir à Discovery, assim surgindo a Warner Bros. Discovery. Mas calma que não para por aí.

Agora já se fala em uma iniciativa da Comcast para adquirir a Warner Bros. Discovery, o que pode acontecer a partir de 2024. Caso isto aconteça, haveria uma fusão com a Universal Studios, formando este Cérbero composto pela Warner, Discovery e Universal.

Não é certo ainda se esta fusão acontecerá. De toda forma, parece claro que a Warner seguirá como um grande rival da Disney.

Notas:


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O Tempo

O tempo é a única moeda.
Ao menos, por enquanto.

Tudo o que fazemos custa tempo
e tudo podemos ter em abundância,
menos o tempo.

Talvez um dia superemos o tempo,
quando então não haverá mais dia
e a humanidade será uma lembrança distante.

Não esperem superar o tempo tão cedo.
Isto está reservado aos deuses.
Mas podemos recorrer a alguns macetes.

Feliz é aquele que é amigo do tempo,
que nele paira como a folha vai no vento.

(19,09,2022)

Sobre o verbo coringar

Joaquin Phoenix; Joker (2019)

Você sabe que um autor ou obra se tornaram muito relevantes e influentes na cultura popular quando eles ganham um jargão próprio, por exemplo, se tornando um verbo ou adjetivo. Assim temos palavras como "shakespeariano", "orwelliano" e "kafkiano" que já são até verbetes em dicionários, tal é o reconhecimento da influência destes autores.

Estes dias surgiu uma palavra nova que virou meme, se tornou parte da conversação comum das pessoas, especialmente aquelas mais antenadas nas novas gírias da internet. Falo do verbo "coringar".

O Coringa, o Joker, é um personagem tão conhecido quanto o próprio Batman e definitivamente está consagrado na cultura pop mundial. Ele é uma verdadeira egrégora¹, um personagem moldado pela consciência coletiva, bem semelhante a versões ainda mais antigas como os deuses Loki, Baco, até mesmo o Diabo.

Curiosamente, o Coringa nunca teve um filme solo em toda sua existência de 80 anos, até que, em 2019, veio o filme Joker. Este filme foi uma cartada de mestre.

Foi bem interessante enxergarmos o Coringa como o protagonista de um filme, não como um vilão que serve apenas para antagonizar o Batman (como foi o caso do formidável Coringa do Heath Ledger). A versão do Joaquin Phoenix foi muito humanizada, tornando-se uma pessoa frágil, ainda que mantendo seu poder quase sobrenatural de semear o caos².

A impressão que este Coringa causou foi marcante. Este filme conseguiu ilustrar o mesmo conceito há tempos abordado pelo Alan Moore na Piada Mortal (1988): qualquer pessoa pode quebrar, pirar e chutar o balde do bom comportamento e das convenções sociais, às vezes basta ter um dia ruim (ideia também presente no filme Um Dia de Fúria, de 1993).

Assim surgiu o verbo "coringar". Tem sido usado para se referir a momentos em que a pessoa está estressada ou é submetida a condições que forçam demais seus limites e ela corre o risco de surtar, de mandar um foda-se para a normalidade, abraçar o caos, se revoltar contra a ordem das coisas ou tomar atitudes inconsequentes. "Estou a ponto de coringar". "Olha, se continuarem me pressionando assim eu juro que vou coringar". "Quer saber de uma coisa? Cansei de ser certinho. Agora vou coringar".

Notas:



Ashes of Creation, uma grande promessa no mundo dos MMOs

Ashes of Creation

Hoje em dia jogos multiplayer são bastante comuns. Tem pra todos os gostos, tem jogos pagos, gratuitos, jogos com mensalidade ou com micro transações. Entre os mais populares estão jogos como League of Legends, Fortnite, Counter Strike, etc.

Nota-se que hoje o gênero mais popular de multiplayer é o FPS, mas nos primórdios do mundo dos games e dos multiplayers, quem desbravou este terreno e reinou por pelo menos uma década foram os MMORPGs, como Tibia, World of Warcraft, Runescape e tantos outros. Foi a era de ouro dos MMOs.

Agora os MMOs podem não ter mais a dominância do mercado de games como antigamente, mas este gênero nunca morreu. Inúmeros MMOs continuam vivos há dez, vinte anos, mantidos por uma comunidade fiel.

Aliás, não são apenas os clássicos do início dos anos 2000, como Tibia (1997), WoW (2004) e Runescape (2001), que conseguem manter milhares de jogadores ativos todo mês. Também alguns MMOs surgiram recentemente e ocuparam seu espaço, como o Black Desert (2014), Albion (2017) e Lost Ark (2019). Definitivamente este gênero nunca morreu.

No mercado asiático os MMOs têm bastante força e eventualmente algum jogo de lá consegue atravessar a bolha asiática e se tornar um sucesso aqui no Ocidente, como é o caso de Lost Ark e também de Genshin Impact (2020)¹.

Em 2021 foi a vez do New World², que tem uma proposta bem diferentona em comparação à maioria dos MMOs. O combate do New World é muito inspirado em FPS e requer mais esforço e habilidade dos players. 

Também chama atenção a estética medieval realista, sem dragões, sem cavalos alados, sem nada extremamente fantasioso, como é comum na maioria dos MMOs. Existe magia e algumas criaturas sobre-humanas, como a terra indócil e os corrompidos, além dos perdidos, que parecem zumbis, mas mesmo estes seres têm uma estética bem "realista" se comparados às criaturas fantásticas dos outros jogos aqui mencionados.

New World teve seus altos e baixos, mas conseguiu ocupar seu espaço e não para de trazer novidades. Recentemente um update implementou um sistema de bardo, com instrumentos musicais e tudo, e em Outubro já está a caminho uma expansão do mapa.

Todos estes jogos deram sua contribuição para este maravilhoso universo dos MMOs. Todavia, acho que o melhor ainda está por vir e ele se chama Ashes of Creation.

Ashes of Creation

Ashes of Creation

Ashes of Creation é o projeto de uma desenvolvedora indie, a Intrepid Studios, que conseguiu levantar fundos por meio de financiamento coletivo e assim deu início a seu ambicioso projeto. O jogo teve seu teste Alpha 0 em 2017 e o Alpha 1 em 2020 e 2021, o que forneceu algum conteúdo de gameplay que pode ser encontrado no Youtube, dando uma ideia de como é o jogo.

Mesmo estando ainda em sua fase inicial de desenvolvimento (ainda virão as fases Alpha 2, Beta 1 e Beta 2, o que deve somar no mínimo uns 3 anos), já existem wikis organizando as informações sobre o jogo e nota-se que a proposta é realmente grandiosa. 

Originalmente o jogo foi criado em Unreal Engine 4, mas já foi atualizado para a versão 5, o que representa um grande salto evolutivo na qualidade estética. O mundo de AoC será lindo e imenso. O mapa terá a princípio 1200 quilômetros quadrados, incluindo terra e oceano, que pode ser navegado livremente. Para se ter uma ideia, o mapa de GTA V tem 75 quilômetros quadrados.

Ashes of Creation

A criação de personagens será extremamente detalhista, haverá 64 classes de personagens e um rico sistema político e econômico, com guerras por território e caravanas mercantes (um modelo que aliás inspirou outro jogo mais modesto, o Ravendawn, que visualmente parece com Tibia, mas possui classes e o sistema econômico claramente inspirados em Ashes).

O visual de um jogo conta muito em sua competitividade e neste aspecto Ashes trará uma verdadeira renovação ao mundos dos MMOs por adotar a Unreal Engine 5, uma engine que deve ter um ciclo de vida de pelo menos uma década. Ou seja, o jogo terá gráficos de última geração, o que o torna bonito, atraente e popular entre os streamers. 

Convenhamos, que por mais que os MMOs antigos sejam ótimos, não é todo mundo que gosta de ver aqueles gráficos datados de um WoW ou o visual de jogo de celular de um Albion. Ashes será um MMO com cara de jogo triple A.

Um detalhe bem interessante é que o cenário terá estações, experimentando um ciclo constante de mudanças. Pois é, os biomas vão se modificar ao longo das estações. Um mesmo cenário ora estará coberto de neve, ora se tornará florido e verdejante. Também os animais vão se modificar conforme as estações, dando uma impressão de que o ambiente está mesmo vivo e se transformando.

Mas enfim, ainda vai demorar alguns anos até o lançamento desta maravilha e talvez Ashes se torne o último grande MMO da era pré-metaverso, pois daqui a dez anos, com o metaverso realmente estabelecido, o mundo dos jogos experimentará uma marcante transformação, se tornando mais imersivo do que nunca.

Ashes of Creation

Notas:



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O vício da opinião

Opiniões são como vícios. 
É bom que você tenha os tais, 
mas escolha bem quais. 
Escolha aquilo que não te destrua 
nem destrua os demais.

(11,09,2022)

Habemus Black Adam

Black Adam (2022)

A DC está deixando a gente sonhar. Saiu um novo trailer de Black Adam e ele promete entregar o que se espera de um bom filme de super-heróis: um bom CGI, muita ação e fan service.

É isso. Essa é a fórmula. Não precisa de mais nada. Até existe espaço para um toque autoral do diretor, como acontece nos filmes do Zack Snyder, James Gunn, Taika Waititi (errr este aí exagerou no toque autoral e acabou estragando o Thor), mas um bom filme do gênero só precisa fazer o arroz com feijão para oferecer entretenimento de qualidade.

À primeira vista, Black Adam parece disposto a entregar isto, o bom e velho básico. O CGI está bonito, há muita ação acontecendo, o The Rock é um legítimo brucutu de ação e teremos a Sociedade da Justiça na tela.

Pierce Brosnan; Black Adam (2022)

Dr. Fate; Black Adam (2022)

Além do próprio Black Adam, um personagem que chamou bastante atenção foi o Doctor Fate, encarnado pelo Pierce Brosnan, o eterno 007. Olha, o véio soube envelhecer. Com seus 69 anos, ele é a definição de "coroa enxuto". O visual do Doctor Fate com uniforme e capacete está fidelíssimo aos quadrinhos e eu diria até que ele tem potencial para um ou mais filmes solo como spin-off.

O The Rock já expressou o desejo de ver este filme se ramificar em spin-offs, como um verdadeiro therockverso. Seu mote durante a divulgação do longa é: "A hierarquia de poder do DCEU está prestes a mudar". 

Atom Smasher; Black Adam (2022)

É uma frase enigmática. Coincidentemente, a hierarquia da DC realmente está mudando com a chegada do David Zaslav, mas a intenção do The Rock parece ter sido outra. Talvez ele queira dizer que Adão Negro será o personagem mais poderoso do DCU, mais até que o Superman. Talvez ele esteja até se referindo à construção de um novo universo a partir deste filme e seus spin-offs. Talvez seja só uma frase de efeito.

Enfim, o The Rock é conhecido por seu carisma e ele atrai público, um público que vai ao cinema esperando o puro entretenimento com ação e uma dose moderada de humor. O sucesso estrondoso de Top Gun 2 mostra que o público está faminto por este tipo de conteúdo. Por isso, não duvido que Black Adam faça um bilhão e, se fizer, este filme realmente será o ponto de partida para o novo DCU.

Dwayne Johnson; Black Adam (2022)

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Sobre restrição de conteúdo nas mídias

Estes dias eu estava revendo Demolition Man (1993)¹, uma "distopia pacifista" que mostra um mundo extremamente regulado e politicamente correto, e relembrei algumas mudanças em nossa própria realidade.

É de se esperar que a mídia, com o tempo, se torne mais cautelosa e restrita em seu conteúdo, não apenas por causa do acúmulo de leis (muitas delas absurdas, convenhamos), mas pela pressão da própria sociedade, das pessoas que reagem com boicotes e processos ao que não gostam.


Um exemplo curioso que me recordo é um comercial da Brahma que foi ao ar em 2003 no horário nobre da TV, chamado Sol Louco. Vemos as pessoas na praia, como era costume na maioria dos comerciais de cerveja, e um Sol de CGI ficava pulando no céu e cantando aos gritos "Tava quente pra caraca, mas eu me refresquei".

Era um comercial bem chamativo e bizarro, mas o mais bizarro foi a reação de algumas pessoas moralistas que protestaram contra o uso da palavra "caraca", considerando-a um palavrão. Engraçado que "caraca" já é a suavização de um verdadeiro palavrão, o "caralho". Lembro que a Xuxa, em seu programa infantil, costumava falar "caraca" e se tornou mais uma interjeição do que um palavrão. Mesmo assim, ainda tinha gente que implicava com a palavra. 

A resposta da empresa de cerveja foi interessante. O comercial voltou reformulado, agora com o Sol cantando "tava quente pra cacilda" e com uma voz meio Bob Esponja, claramente debochando da censura que recebeu.


A TV já foi bem mais livre em termos de palavrões. Uma das pérolas da publicidade brasileira é um comercial de raspadinhas com o humorista Costinha falando "se fudeu". E também havia nos anos 80-90 mais semvergonhice na TV aberta. Os programas de auditório tinham dançarinas com bundas à mostra e quem nunca ouviu falar na "banheira do Gugu" que ia ao ar em pleno Domingo à tarde.

Com o tempo este tipo de conteúdo foi se tornando mais e mais restrito e até mesmo se tornou proibida a veiculação de comerciais infantis. O argumento era que a lei deveria proteger as crianças, um excesso de protecionismo do estado, querendo impor o que alega ser mais saudável. Acontece que as crianças adoravam os comerciais de brinquedos, bonecas, carrinhos, etc. 

Este banimento da publicidade infantil também acabou matando os programas infantis, privando as crianças do entretenimento dos desenhos animados. E foi assim que morreu a TV Globinho e no lugar entraram programas insossos para donas de casa.

Hoje a TV aberta é extremamente limpinha. Até o Faustão, que antigamente costumava falar muito "pentelho" e "orra, meu", dando uma amenizada no "porra", ao longo dos anos foi ficando mais e mais contido.

Então veio a era da internet e no começo estava tudo liberado. Tenho umas lembranças de coisas pesadas que por acaso encontrei quando comecei a usar o Youtube há mais de uma década. Lembro de ter visto uma cena de empalamento. Isso mesmo. Era, se não me engano, um estuprador na Índia que foi capturado pelos moradores locais, amarrado e atravessado com uma enorme lança, ficando exposto ao público enquanto agonizava.

Também no Youtube dos velhos tempos era comum haver vídeos denunciando violência animal. Lembro de um que mostrava um certo país onde se comercializava pele de cachorros. O feirante, da maneira mais grotesca possível, batia a cabeça do animal no chão para deixá-lo grogue, então fazia uns cortes e removia todo o couro como se puxasse fora uma roupa, deixando o bicho ainda vivo a agonizar.

Pois é, o Youtube não era para corações frágeis. Hoje em dia este tipo de conteúdo só existe na chamada deep web ou em sites mais obscuros. Não vou dizer que foi errado o site estabelecer uma política banindo material com violência explícita, afinal o Youtube é a nova TV e gente de todo tipo entra no site, inclusive crianças. 

Só que as regulações foram aumentando e aumentando e, assim como deve haver um limite para a liberdade (ora, se não houvesse, o Youtube poderia ficar cheio de conteúdo explicitamente criminoso e grotesco), também deve haver um limite para a restrição. Vejo que hoje em dia o Youtube já extrapolou este limite para a restrição.

No começo, os vídeos eram removidos da plataforma quando alguma pessoa denunciava. O vídeo então era analisado por uma pessoa em algum escritório da empresa. Aí vieram os algoritmos cada vez mais inteligentes e hoje a coisa é quase toda automatizada. O algoritmo reconhece palavras e imagens, ele pode identificar um corpo nu, uma música com direitos autorais e até uma lista de palavras proibidas.

Acontece que este algoritmo ainda não é tão esperto a ponto de entender contextos. Os youtubers agora vivem pisando em ovos quando fazem seus vídeos, eles mesmos censurando palavrões e evitando palavras que possivelmente podem chamar atenção do algoritmo censor. 

Há casos em que a simples menção de palavras como "guerra" e "tortura" já bastam para levar o algoritmo a reduzir a visibilidade do vídeo, mesmo que o cara esteja apenas fazendo um vídeo educativo sobre a história da Segunda Guerra.

Em 2020 a coisa ficou ainda mais maluca, pois as redes sociais empreenderam uma campanha intensa de controle da informação referente à pandemia. Qualquer menção ao assunto despertava o algoritmo que, ou inseria uma tarja informativa na postagem, ou a removia impiedosamente e até causava o banimento de quem postou, sob a alegação de estar promovendo "fake news". Como em muitos casos isto era um processo automático do algoritmo, houve vários banimentos injustos que aconteciam pela má compreensão do contexto das postagens.

Também há os curiosos casos de pessoas com tourette, uma síndrome que faz com que a pessoa não tenha controle sobre tiques, movimentos do corpo e até palavras. As pessoas com tourette são famosas por soltarem palavrões aleatórios e acidentalmente proferir palavras que são um tabu na sociedade, como a famosa "n word". Assim, já houve streamers com tourette que foram banidos por causa de seus xingamentos involuntários, a ponto deste fenômeno chamar atenção e as plataformas abrirem algumas exceções.

O resultado é curioso. Na Twitch, por exemplo, alguns streamers com tourette já conseguiram carta branca para fazer suas lives sem o risco de levar um ban a cada palavra proibida que falam. Isto cria uma pitoresca situação em que, mesmo que existam palavras proibidas, elas são proferidas livremente pelas pessoas com tourette, pois se o site ousar banir tal comportamento corre o risco de levar um processo por discriminação contra pessoas com problemas psicológicos ou neurológicos.

De toda forma, o mundo do streaming hoje ainda é um ambiente bastante livre. Durante as lives, streamers falam palavrões que há décadas não vemos na TV aberta, como um "porra" ou um "caralho", afinal o que as pessoas gostam da espontaneidade dos streamers, de se sentirem "resenhando" com os amigos, como em uma conversa de bar. 

Claro que existe um certo senso de responsabilidade e os streamers em geral procuram não passar dos limites de uma conversa socialmente aceitável. Na verdade, não é preciso nenhum algoritmo ou lei monitorando isto. Basta o bom senso. Em uma live, o streamer sabe que será rejeitado pela maioria do público se ele se tornar extremamente impróprio, mas também soará artificial se for certinho demais.

Antigamente, a pressão popular sobre o conteúdo da mídia era mais comum por parte de parcelas mais religiosas e conservadoras da sociedade. Eram estas pessoas que reclamavam dos palavrões, do "tava quente pra caraca" e de cenas de nudez ou semi-nudez na TV.

Agora parece que quem assumiu essa tocha do moralismo foi a parcela mais progressista, os defensores do politicamente correto. São estes que costumam fazer mais pressão sobre os conteúdos na internet. Na verdade, hoje em dia temos pressões dos dois lados, tanto o moralismo conservador quanto o progressista. E nesta briga entre o mar e a rocha, a internet é o caranguejo.

Tem um streamer de jogos que ocasionalmente assisto e ele tem o hábito de falar "viado". Esta é uma gíria antiga no Brasil e que tem sido usada tanto como insulto quanto como um tratamento informal e amistoso. Dois amigos tranquilamente se saúdam assim: "e aí, viado". É neste sentido que o streamer em questão usa a palavra, como um tratamento amistoso. 

Felizmente ele parece não sofrer nenhuma censura a este respeito, mas fico pensando que a qualquer momento algum puritano pode denunciá-lo alegando homofobia. Na certa ele já deve ter recebido denúncias, mas os moderadores do site tiveram bom senso de entender o contexto.

Contexto. Como isto é importante. Qualquer palavra, absolutamente qualquer palavra, só será de fato uma ofensa de acordo com o contexto em que é usada. Não existe isto de palavras proibidas. Mesmo a chamada "n-word", que nada mais é do que "nigger" ou "nigga", é uma palavra livremente usada entre os negros norte-americanos como um tratamento comum, às vezes até como elogio. 

Existe um contexto em que esta palavra se torna ofensa. Por exemplo, está na regra tácita daquela sociedade que uma pessoa branca não deve chamar um negro de "nigga", pois há um contexto histórico. Se um branco faz isto soa como uma atitude insolente, de desrespeito. E mesmo assim existem também exceções, pois brancos que têm amizade e intimidade com negros podem ganhar o "free pass" para usar amistosamente a palavra com seus amigos.

Enfim, contexto. Sempre contexto. Citar a palavra "nigga" a fim de explicá-la, por exemplo, não pode ser considerado ofensivo, pois não estamos direcionando a palavra a nenhum alvo humano. Não há uma intenção de ofensa. 

Imagine, por exemplo, que loucura seria banir palavras do dicionário por serem consideradas ofensivas. Como então definir uma palavra, como explicar por que ela é ofensiva, se ela sequer pode ser mencionada? 

Não podemos permitir que a internet chegue neste nível de restrição, pois é aí que se extrapola o limite entre um mundo saudável e uma distopia. 

Notas: