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The Sandman, uma adaptação morna e cara do clássico de Neil Gaiman

The Sandman (2022)

Um dos fenômenos dos quadrinhos nos anos 90 foi o selo Vertigo da DC Comics. A proposta era produzir revistas com um teor mais sombrio, mais adulto e profundo. Sandman foi um dos grandes ícones desta safra de quadrinhos diferenciados.

Originalmente, Sandman foi um personagem escrito por Joe Simon e Michael Fleisher e desenhado por Jack Kirby e Ernie Chua lá nos anos 70. Depois de um hiato de duas décadas, ele foi revivido por Neil Gaiman em uma nova revista, com uma nova mitologia toda moldada pela criativa e psicodélica imaginação de Gaiman. De 1989 a 1996, a revista teve 75 edições e se tornou um clássico cult dos quadrinhos, com direito a outras minisséries, graphic novels e encadernados.

Era de se esperar que algum dia uma adaptação live action fosse produzida com base no Rei dos Sonhos e seu universo mítico e místico. Ainda nos anos 90, Roger Avary (que trabalhara com Tarantino em Pulp Fiction), foi cogitado para dirigir um filme do Sandman, mas o projeto não foi pra frente.

Desde o início o Neil Gaiman foi bastante cuidadoso e até ciumento com sua obra, monitorando de perto todos os possíveis projetos envolvendo a produção de um filme. Rejeitou roteiros e disse que "preferia não ver filme algum de Sandman do que ver um filme ruim de Sandman".

Projeto vem, projeto vai e Sandman nunca saiu do papel. Curiosamente, um dos personagens do seu universo, o Lúcifer¹, acabou se adiantando e ganhando uma série própria em 2016, inicialmente produzida pela Fox e que depois passou para as mãos da Netflix. 

Esta série durou bastante e acumulou quase 100 episódios, o que pode ser considerado um sucesso. Na prática, este Lúcifer, embora baseado nos quadrinhos, não tinha muita relação com Sandman e não faz qualquer menção a ele.

The Endless

Eis que agora em 2022, sete anos depois do lançamento de Lúcifer, o Sandman finalmente ganhou sua série, produzida pela Netflix. É uma série cara, diga-se de passagem, com um orçamento de cerca de 15 milhões de dólares por episódio. 

Para se ter uma ideia, a série The Witcher², que conta com Henry Cavill, muito CGI e toda uma ambientação medieval fantástica nos cenários e figurinos, custa em média 10 milhões por episódio. A julgar pela grana investida, The Sandman era pra ser uma série de fantasia triple A, um blockbuster, superprodução. O que vemos, porém, na tela, parece bem aquém do esperado.

Não que a série seja ruim. Em termos de roteiro, ela procura sem bem fiel em recontar as histórias da revista dos anos 90, a começar pela prisão de Sandman, por meio de um ritual desastrado de magia, e sua aventura para se libertar e recuperar suas relíquias, encontrando no caminho seus "parentes", os outros Perpétuos, como a Morte e Desejo.

Ok, está tudo lá. Como só houve uma temporada até agora, pouco foi abordado do vasto universo de Sandman. Ele também já encontrou Lúcifer, que nesta série passou por um gender swap, se tornando fêmea e sendo interpretada pela gigante Gwendoline Christie, a eterna Brienne de Game of Thrones.

Também temos uma breve aparição de Constantine, que também passou por um gender swap. Na verdade, quem aparece na série é uma ancestral dele, Johanna Constantine, pois a Netflix não conseguiu os direitos de produção com o John Constantine em si.

Aliás, este é um dos problemas da série. Sendo um projeto da Netflix, ele acaba esbarrando em limitações legais, pois seria muito melhor que a série fosse produzida em casa, no caso, na Warner/HBO.

Death and Sandman; The Sandman (2022).jpg

Em termos de caracterização, houve de fato muitas mudanças. Além dos casos já citados de Lúcifer e Constantine, a Morte teve um race swap, deixando de ser a garota gótica pálida dos anos 90 e se tornando uma garota negra, com um estilo menos gótico e mais casual. A Desespero, em vez de ser uma idosa acabada e mal encarada, virou uma garota com ar depressivo. 

O próprio Sandman lembra vagamente o personagem dos quadrinhos, mas não tiveram coragem de manter a aparência bizarra, meio grunge, do personagem original, com sua enorme cabeleira assanhada e corpo esquelético. O ator Tom Sturridge ficou apenas parecido com um gótico "padrãozinho".

Talvez o Perpétuo melhor caracterizado foi A Desejo, uma personagem andrógina nos quadrinhos e que foi interpretada pelo ator igualmente andrógeno (segundo ele, não-binário) Mason Alexander Park.

Adaptação, ainda mais em live action, é assim mesmo. Não se pode esperar que os atores sejam idênticos aos personagens. Alguns são parecidos, outros nem tanto e outros são bem diferentes. O que é realmente estranho no caso de The Sandman é que a série não parece ter uma qualidade digna de seu orçamento.

O CGI é pobre. A ambientação do inferno e do mundo do sonho, por exemplo, é bem genérica, pouco imersiva. Me pergunto onde é que gastaram estes 15 milhões por episódio, porque, além do fraco CGI, o elenco também não tem nenhum ator caro, nem mesmo o protagonista.

Enfim, o fato é que a série não conseguiu chegar à altura do Sandman. Tanto que as notícias após a semana de lançamento já deixam em dúvida se haverá uma segunda temporada, pois a Netflix parece hesitar em renovar, considerando a série muito cara. 

Como já falei, realmente o orçamento foi estranhamente caro, levando em conta a qualidade que foi entregue. A série não teve o desempenho e a qualidade dignos do investimento. O próprio Neil Gaiman se manifestou nas redes sociais com ar de preocupação sobre o risco da série não continuar, ao menos não na Netflix.

Neil Gaiman tweet

Notas:



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