Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

O problema da hiper rotulação

Shark pronouns

Recentemente viralizaram uns vídeos de TikTok em que uma moça ensina sobre uns pronomes novos e bem insólitos, como "shark". Isso mesmo, segundo ela, há pessoas que referem a si mesmas usando o pronome "tubarão".

Sabemos que tudo começou com o movimento pela normalização do chamado pronome neutro¹. Por algum motivo, pessoas lá na gringa não se sentiam confortáveis com os pronomes "he" ou "she" e passaram a adotar o "they" ou mesmo o "it". Era de se esperar que a coisa não parasse por aí.

Uma vez que esta caixa de Pandora foi aberta, estava criado o precedente para que se reinventasse ad infinitum o acervo de pronomes, de modo que a lista vem aumentando ao gosto da criatividade das pessoas. Já existem sites dedicados a catalogar estes neologismos que são chamados de "neopronomes".

The trouble with tribbles

Este fenômeno dos pronomes, que estão se multiplicando como os tribbles de Star Trek, revela um problema que tem se tornado comum hoje em dia: a hiper rotulação. 

Em vez de entender que cada ser humano é uma pessoa complexa, um indivíduo idiossincrático, marcado por contradições, por combinações de aspectos variados, a moda da rotulação busca simplificar o complexo atribuindo algum tipo de título, nomenclatura, uma classificação que caiba em uma palavra, como os tais neopronomes. Daí, por exemplo, achar que uma pessoa pode ser resumida ao fato dela gostar de tubarões e, portanto, ser identificada pelo pronome "shark".

Supostamente, o objetivo da moça do TikTok, que fica fazendo vááários vídeos dicionarizando os novos pronomes, é conscientizar sobre tolerância e aceitação, mas é aí que está o problema. Esta hiper rotulação dificulta o processo de tolerância, porque ela impõe sobre a sociedade uma carga muito volumosa de informação e informação que rapidamente fica desatualizada.

Para você aceitar as outras pessoas, será preciso se manter constantemente a par da lista de pronomes que vai aumentando dia a dia, do contrário corre o risco de cometer a gafe de errar um pronome de alguém que, sem você saber, de repente atende pelo pronome "wolf" ou "xey" ou "oak"...

Isto cria uma armadilha que apenas contribui para prejudicar a interação social. A pessoa que resolve adotar um neopronome passa a ficar psicologicamente armada contra qualquer gafe que alguém cometer, interpretando como uma ofensa, e as pessoas que não conseguem acompanhar o ritmo de multiplicação destes pronomes vão simplesmente desistir do esforço e até evitar o contato com os "neopronomistas" por receio de serem julgadas como preconceituosas. Resultado: a galera dos neopronomes vai se isolando em uma bolha e o propósito inicial de promover tolerância e aceitação vira um tiro pela culatra.

Label jars not people

Anyway, por enquanto, este é um problema lá dos Estados Unidos, onde se formam comunidades para cultivar estas questões nas redes sociais e multiplicar os tribbles, criando um verdadeiro trouble. Mesmo lá, isto fica bem restrito a um determinado nicho, como uma tribo urbana, como novos góticos ou emos, porém ainda mais raros. 

Poucas são as pessoas que adotam estes neologismos e, entre estas poucas, algumas só usam na forma escrita, na internet, pois no dia a dia, na vida offline, acabam percebendo que tem palavras que são impossíveis de usar em uma conversação.

Nossos antepassados tinham uma forma universal de lidar com as diferenças, que era simplesmente ensinando o valor do respeito e de "fazer o bem sem olhar a quem" ou "não faça aos outros o que não queres que te façam". 

Não é separando as pessoas em subclasses, em uma infinidade de rótulos, que vamos promover o respeito mútuo. Ao contrário, é importante que se promova a noção de unidade da raça humana, de que todos são parte da mesma aldeia global, a despeito de suas peculiaridades.

Na promoção do respeito, menos é mais. Vale o princípio que atende pelo acrônimo KISS: Keep It Simple, Stupid. 

Notas:


Nenhum comentário:

Postar um comentário