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Cruel, uma tocante história de serial killer

Cruel (2014)

Filmes com serial killers costumam beirar a fantasia, como aqueles do Hannibal, desenhando um personagem com talentos quase sobrenaturais e uma criatividade artística em seus assassinatos; também seguem um tom mais de terror e o serial killer é, naturalmente, apresentado como um monstro a ser temido. Pois bem, em Cruel (2014), um longa francês independente, o terror só está no título mesmo, pois a abordagem é totalmente inesperada e original.

Escrito e dirigido por Eric Cherrière, conta a história de um homem por volta dos 40 anos, Pierre Tardieu, que leva uma vida simples, sempre trabalhando em bicos, quase solitário, vivendo apenas com seu velho pai que está inválido física e mentalmente. Então ao longo do filme vemos que em meio a sua rotina modesta Pierre rapta pessoas e aprisiona em seu porão, sempre uma de cada vez. Ele não as tortura, as trata com certo cuidado até, procura  ter uma conversa, mas após alguns dias termina matando sua vítima.

As conversas que ele tem com as vítimas e alguns flashbacks, além dos diários que ele escreve, vão nos dando uma ideia de seu mundo psicológico, do motivo pelo qual ele se tornou um psicopata. Há claramente um trauma de infância, algo envolvendo a mãe, de modo que, mesmo parecendo ser uma pessoa normal e que não desperta suspeitas, ele tem dificuldade em se encaixar na vida comum das outras pessoas. 

Cruel (2014)

A atuação de Jean-Jacques Leité merece boa parte dos créditos pela forma excelente como esse personagem ganha vida. O ator tem um olhar perdido, solitário, realmente consegue passar isso, de modo que às vezes até esquecemos que se trata de um perigoso assassino. Ele é uma pessoa quebrada e que até tenta sair do seu ciclo de assassinatos, tenta se relacionar com uma garota pela qual se apaixona, mas o brilhante e trágico roteiro cria coincidências que vão levando a vida dele para um único desfecho possível que é a morte do monstro. Mas calma que isso não chega a ser spoiler. Todo serial killer morre no final, mas a forma como este aqui morre é, digamos, redentora.

Cruel (2014)

Mas em termos de atuação quem brilha mesmo é o veterano Maurice Poli, que interpreta o pai enfermo. Ele está quase imobilizado em uma cadeira e não é capaz de falar, o rosto na maioria das vezes está com uma expressão pétrea, semi morta, vazia, porém há certos momentos, momentos cruciais, em que micro expressões se manifestam revelando a existência de profundos sentimentos naquela carcaça sem alma. De fato há uma alma ali, e ele está tomado pela culpa por causa do filho, pela impotência e desespero silencioso, e consegue até manifestar uma alegria e alívio quando seu drama chega ao fim. Só um ator realmente talentoso conseguiria transparecer tudo isto com a expressão facial quase inerte de um homem doente.

Ah, e o filme está disponível no Snagfilms, uma plataforma de streaming de filmes independentes transmitidos legalmente (não é pirataria) de forma gratuita, com o apoio de publicidade. Assista aqui:

http://www.snagfilms.com/videos/filmmovement-cruel-mezzanine.

Update: Infelizmente, o SnagFilms saiu do ar, após uma década de existência, vítima da crise econômica do lockdown global (post aqui).

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