Mais do que drama e comédia, Birdman (2014) é uma sátira. E como toda boa sátira, realiza uma autorreflexão. Nesse filme, o cinema de Hollywood olha para si mesmo. O personagem de Michael Keaton, Riggan, que está constantemente se olhando no espelho do camarim, é como a própria indústria cinematográfica a refletir e fazer uma autocrítica.
Riggan representa o super astro típico de Hollywood: torna-se uma celebridade ao protagonizar filmes consumidos pelo grande público que adora ação, super heróis, helicópteros, explosões, robôs gigantes, meteoros cortando o céu. Em diversas cenas há referências a estes blockbusters como o Batman, obviamente, e também os Transformers, Homem Aranha, Superman, etc.
Assombrado por esse passado de sucesso, Riggan desenvolveu uma personalidade alucinada. Ele constantemente ouve a voz do personagem Birdman em sua consciência e se imagina com poderes telecinéticos, capaz de voar, não sabendo distinguir a realidade daquilo que sua imaginação cria. Um ator que foi dominado pelo personagem. Seu parceiro no teatro, Mike, também é bastante perturbado e chega a confessar que apenas no palco ele se considera verdadeiro, enquanto fora dele está vestindo uma máscara, uma falsa personalidade.
De certa forma, o filme parece indiretamente criticar mais o público do que a indústria, pois Riggan é um ator dedicado, estudioso e zeloso pelos detalhes. Ele quer produzir peças e filmes de qualidade refinada, mas a voz do Birdman tenta convencê-lo a abraçar novamente o cinema de massa. Ele diz: “Dê ao povo o que ele quer. Algum filme pornô apocalíptico à moda antiga... Você salva o povo de suas vidas chatas e miseráveis... É disso que estou falando. Armas pesadas, tanques, mísseis... Eles amam sangue, eles amam ação. Nada dessa conversa depressiva e filosófica...”.
As filmagens nas ruas e teatros de Nova Iorque levaram apenas um mês para serem concluídas e a edição moldou o filme de tal maneira que parece sem cortes, como se a câmera acompanhasse os personagens de cena em cena, numa narrativa dinâmica e simulando uma história contada em tempo real, como no teatro.
Há uma óbvia referência ao Batman interpretado por Michael Keaton na década de 90. No filme, é dito que Riggan não interpreta o Birdman desde 1992, o mesmo ano em que Batman Returns foi lançado. A coincidência é claramente intencional, pois Riggan, como o próprio Michael Keaton, teve um momento glorioso na carreira quando protagonizou um filme de super herói, nos moldes da grande indústria de entretenimento, e depois disso, apesar de ter tido uma produtiva carreira, nunca mais foi protagonista de um blockbuster (filme “arrasa quarteirão”, feito para o grande público).
A coincidência avança também para o personagem do Edward Norton, Mike, que é talentoso, mas bastante problemático e caprichoso, uma paródia do próprio Norton que tem reputação de ser um ator difícil de lidar.
Temos ainda outra coincidência no fato dos três atores principais já terem participado de filmes de super herói: Norton em The Incredible Hulk (2008), Emma Stone em The Amazing Spider-Man (2012) e The Amazing Spider-Man 2 (2014), e o próprio Michael Keaton em Batman (1989) e Batman Returns (1992). Também Riggan conta uma anedota sobre George Clooney, que foi quem assumiu o papel de Batman depois de Michael Keaton, em 1997.
Da mesma forma, quando está em busca de um ator para sua peça, Riggan menciona nomes ligados a produções no estilo super herói, como Woody Jarrelson, que esteve na serie The Hunger Games, Michael Fassbender, que foi o Magneto nos filmes dos X-Men, e Jeremy Renner, que foi o Gavião Arqueiro no Universo Marvel Cinematográfico. Há uma breve cena em que Riggan vê na TV uma notícia sobre o sucesso bilionário de Robert Downey Jr. como Iron Man e, contrariado, desliga a TV.
Ainda há uma semelhança entre Riggan e o personagem de Fight Club (1999), Tyler, que possuía um transtorno dissociativo e misturava ilusão com realidade. Tyler, cuja segunda personalidade foi interpretada por Edward Norton, atira no próprio rosto numa tentativa de suicídio, mesmo gesto repetido por Riggan, que também tem um transtorno dissociativo. Além disso, Riggan e Mike (de cuecas) em certo momento se envolvem numa luta, uma referência cômica ao Clube da Luta.
Há um pequeno detalhe que pode ser uma referência ou uma coincidência profética: quando Riggan é "possuído" pelo alter ego do Birdman, ele estala os dedos e então acontece uma alteração mágica da realidade que se transforma num mundo de super heróis. Quatro anos depois, o estalo mágico de dedos se tornou a grande marca do personagem Thanos em Guerra Infinita.
Talvez Iñárritu tenha realmente previsto este evento, já que nos quadrinhos o Thanos, de posse das jóias do infinito, havia estalado os dedos lá na década de 90. Era de se esperar que esse momento chegaria ao cinema. Se a proto-referência aos Vingadores foi intencional, Iñárritu é realmente um grande nerd.
Há um pequeno detalhe que pode ser uma referência ou uma coincidência profética: quando Riggan é "possuído" pelo alter ego do Birdman, ele estala os dedos e então acontece uma alteração mágica da realidade que se transforma num mundo de super heróis. Quatro anos depois, o estalo mágico de dedos se tornou a grande marca do personagem Thanos em Guerra Infinita.
Talvez Iñárritu tenha realmente previsto este evento, já que nos quadrinhos o Thanos, de posse das jóias do infinito, havia estalado os dedos lá na década de 90. Era de se esperar que esse momento chegaria ao cinema. Se a proto-referência aos Vingadores foi intencional, Iñárritu é realmente um grande nerd.
Todas estas e outras referências fazem de Birdman um filme essencialmente metalinguístico. É o cinema comentando o cinema, uma sátira da indústria cinematográfica e dos próprios atores, como uma piada interna. Não à toa Birdman recebeu tantas indicações ao Oscar: melhor filme, melhor diretor, melhor ator principal, melhor ator e atriz coadjuvantes... Pois aqui o cinema completa a sua jornada metalinguística, premiando um filme que fala sobre ele próprio.
O trio de atores principais, todos indicados ao Oscar, tem uma configuração emblemática, pois representam três gerações. O Michael Keaton, acima dos 60 anos, um ator que viveu o cinema antes da era da internet e dos avançados efeitos especiais que hoje são tão comuns; Edward Norton, ator quarentão e que é o intermediário entre a antiga e a nova geração; e a Emma Stone, na faixa dos 20 anos, cuja personagem não é uma atriz, mas que possui conhecimento sobre o funcionamento da mídia atual, das redes sociais, Youtube, Twitter... Uma representante dos novos tempos marcados pela internet.
Atenção para spoilers!
Interpretações da última cena:
Durante todo o filme há uma atmosfera de fantasia, que pode ser o delírio do próprio Riggan, que conversa com seu amigo Birdman imaginário e acha que pode voar. Na última cena, porém, há um comportamento estranho da filha dele quando ele se joga pela janela e ela, correndo para ver, levanta o olhar para o céu e sorri, como se contemplasse o pai voando de verdade.
Durante todo o filme há uma atmosfera de fantasia, que pode ser o delírio do próprio Riggan, que conversa com seu amigo Birdman imaginário e acha que pode voar. Na última cena, porém, há um comportamento estranho da filha dele quando ele se joga pela janela e ela, correndo para ver, levanta o olhar para o céu e sorri, como se contemplasse o pai voando de verdade.
Bom, uma possível interpretação é que a cena final também é um delírio do protagonista. Em que momento este delírio começou é algo a se especular. Talvez no momento em que pulou da janela, ele, durante a queda, imaginou que não chegou ao chão, mas saiu voando, então o olhar admirado de sua filha faz parte do delírio. Mas na verdade ele atingiu o chão e morreu, segundos depois de imaginar tudo isso.
Outra possibilidade é que o delírio tenha começado quando ele ainda estava na cama do hospital, inconsciente. Então imaginou não apenas a cena em que salta a janela, mas também a notícia de jornal que leu na cama, mostrando que ele foi aclamado pelo público depois que deu um tiro em si mesmo em pleno palco.
Também podemos supor que o delírio aconteceu naquele momento em que ele atirou em si mesmo e foi ali que ele morreu, mas na fração de segundo em que seu cérebro foi atingido, sua mente criou toda uma história em que ele acordaria vivo no hospital, seria aclamado nos jornais e, saltando da janela, voaria de verdade, pois alcançou um estágio de transcendência.
Por fim, pode ser que aquele último momento em que a filha dele ergue os olhos não seja um delírio dele, mas dela. Ele verdadeiramente saltou e morreu, mas ela, vendo o corpo esmagado no chão e tomada pelo choque traumático, entrou num surto e imaginou que seu pai estava voando. Nesse caso, a loucura que antes era só de Riggan, contagiou a filha dele.
É, todas estas são interpretações bem tristes, mas existe ainda outra possibilidade menos realista e mais otimista. Se o filme é ambientado em um mundo surreal, diferente do nosso mundo, então é provável que seja real o fenômeno de Riggan ter adquirido poderes de super-herói.
Naquela ocasião em que ele estalou os dedos, a realidade se transformou em algo fantástico e ele saiu voando porque realmente tinha superpoderes. Essa seria a interpretação mais literal da história. Aconteceu exatamente aquilo que parece ter acontecido.
Naquela ocasião em que ele estalou os dedos, a realidade se transformou em algo fantástico e ele saiu voando porque realmente tinha superpoderes. Essa seria a interpretação mais literal da história. Aconteceu exatamente aquilo que parece ter acontecido.
O fato é que finais deste tipo, que abrem margem para várias interpretações, não têm uma resposta definitiva. Cada pessoa deverá chegar à conclusão que mais lhe agrada.
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