Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

Extremos

Sou feito de várias partes,
umas duras, outras macias.
Um mundo de muitos espaços
ocupados e vazios.

Um quente coração bate,
mas as mãos são sempre frias.
Um corpo de leves traços,
uma alma pesadíssima.

(31,07,2021)

Uma historinha sobre horas de jogo

Na infância eu tinha um programa de fim de semana que era sagrado. Todo sábado eu pegava minhas moedinhas e ia em uma locadora de games. Às vezes chegava antes de abrir e ficava sentado na calçada. Quando chegava o momento, eu ia no atendente, deixava minhas moedas e falava: "Quatro horas".

Com o tempo os outros meninos que frequentavam o lugar, quando me viam chegar, já diziam: "E aí, Quatro horas". Parecia algo impressionante que um garoto estivesse disposto a ficar este tempo jogando. Eu ficava até um pouco envergonhado. Me perguntava se eu estava viciado. Mas era só uma vez por semana, o momento mágico de usufruir do mundo virtual. Na época não tinha isso de internet em casa e tampouco eu tinha um video game. Aquelas quatro horas eram a única oportunidade.

Ficar assim jogando por horas era coisa de nerd. Nerd no sentido antigo da palavra mesmo, no sentido de esquisito e introvertido. Hoje em dia os games se tornaram coisa de nerd, mas nerd no novo sentido, algo pop. Nerd é o novo pop.

Tanto que temos aí plataformas de streaming como a Twitch que estão tornando gamers milionários e tem alguns destes que fazem maratonas de 24 horas. Isto mesmo, vinte e quatro fucking horas! Já soube de casos em que o streamer ficou 37 horas jogando direto para sua audiência. E eu achava muito as minhas quatro horas.

Hoje em dia uma pessoa não muito dada a jogos pode tranquilamente passar uma hora por dia jogando alguma coisa no celular. Para os que têm o jogo como forma de lazer cotidiana, jogar de duas a quatro horas por dia se tornou normal. Os mais hardcore chegam a jogar oito horas e os insanos fazem estas maratonas de um dia inteiro.

Costumo jogar alguma coisa todos os dias, mas de forma casual. Não lembro a última vez que fiquei jogando mais de duas horas direto, o que só acontece quando realmente me empolgo com algum jogo. Na verdade sinto até falta de descobrir alguma coisa nova, algum jogo que me conquistasse a ponto de eu querer ficar umas quatro horas imerso naquele mundo. 

Só sei que, nem por um milhão eu faria uma maratona de 24 horas. Adoro jogos, mas gosto mais ainda de dormir. Dormir pra mim não tem preço.

Ready Player One e o lobby universal de jogos

Ready Player One (2018)

Ready Player One (2018)¹ impressionou pelo spam de efeitos especiais e referências da cultura nerd, mas há um detalhe neste mundo futurista do Spielberg que pode ser profético: uma espécie de lobby universal de jogos.

Muitos jogos multiplayer têm um lobby, que é como uma sala de espera onde os jogadores se reúnem antes das partidas. Em Ready Player One, os jogadores se conectam em uma espécie de mundo virtual habitado pelos vários avatares dos usuários e a partir deste mundo é possível entrar em vários jogos. Logo, é como se fosse um lobby universal que dá acesso a toda a biblioteca de jogos da internet, unificando o mundo dos games.

Hoje o que temos mais próximo disso são as lojas, como Steam, Epic, Microsoft Store, etc. Ao logar em uma loja por meio de sua conta de usuário, que já é uma espécie de avatar, você tem acesso a toda a biblioteca daquele site.

É provável que no futuro tais lojas ganhem um ambiente de VR mais imersivo, de modo que antes mesmo de iniciar algum jogo você já se sente dentro de um mundo virtual. Neste mundo você poderá interagir com seus amigos, formar grupos para entrar em algum jogo, enfim, recursos que já existem em muitas destas lojas, porém serão turbinados com a experiência 3D e quase táctil do VR. 

Aí quem sabe, por meio de parcerias entre as lojas, pode acontecer o merge ou a interligação entre estes lobbys virtuais, de modo que os jogadores vão interagir entre as lojas, que serão como cidades internéticas cheias de portais para acesso aos jogos. 

Talvez alguma empresa venha com um recurso para realizar esta unificação, permitindo que você tenha um avatar universal, usado nas diversas plataformas, acumulando pontos, conquistas, até algum tipo de moeda virtual, como acontece no filme.

A coisa pode ir além dos jogos e também envolver lojas de quaisquer produtos, bem como empresas. Assim surge o cidadão virtual, um avatar por meio do qual você realizará atividade diversas, desde o lazer até o trabalho, estudo e atividade em redes sociais. 

É algo fascinante e ao mesmo tempo assustador, meio Matrix, meio Black Mirror. Levando em conta que os robôs e a inteligência artificial vão substituir os humanos em muitas tarefas no mundo real, é no mundo virtual que as pessoas vão encontrar a sua ocupação, em novas atividades e carreiras que surgirão com o florescimento deste novo mundo. Pensando desta forma, será uma solução para o problema do ócio que será trazido pela automação.

Olhando para o lado sombrio da coisa, a privacidade será ainda mais rara, uma vez que as pessoas passarão boa parte da vida neste mundo internético, jogando, trabalhando, estudando e até se relacionando, e toda esta atividade estará registrada e será usada pelos algoritmos para fins diversos.

Este futuro, previsto por Spielberg, parece certo de acontecer. Só não dá para determinar ainda quando chegaremos a este nível.

Notas:

A teoria da Terra Oca em Viagem ao Centro da Terra

Journey to the Center of the Earth (2008)

A teoria da Terra Plana se tornou bastante conhecida nos últimos anos, tornando-se material para memes e usada pejorativamente para se referir a pessoas adeptas de pseudociências. Chamar alguém de "terraplanista" virou sinônimo de "pseudocientífico". 

É uma teoria bizarra, convenhamos, pois assume que a Terra tenha um formato achatado, como uma enorme pizza, mesmo admitindo que todos os outros corpos celestes, como a lua, os demais planetas e estrelas, sejam esféricos. A Terra é a diferentona.

Anyway, há outra teoria menos conhecida e que é bem mais legal: a Terra Oca. Este conceito já existe há séculos em mitos antigos, mas recebeu uma abordagem de teoria científica no século XVII, por Edmond Halley.

A teoria tem diversas variantes. Alguns afirmam que a Terra é apenas uma casca com um enorme oco em seu interior, ocupado por um núcleo incandescente que funciona como o sol daquele mundo subterrâneo. Na versão de Halley, há várias camadas de rochas separadas por atmosferas. Júlio Verne adota uma versão mais modesta: há uma espécie de bolha no interior da Terra.

Enquanto em A Volta ao Mundo em 80 Dias¹, Júlio Verne elogia o progresso tecnológico e as facilidades da vida pós revolução industrial, com seus trens e navios velozes, em Viagem ao Centro da Terra ele se volta para a pura curiosidade científica e a disposição aventureira de um bom cientista a fim de explorar o desconhecido.

Não sei por que, mas a forma como o autor descreve o velho professor Lidenbrock me faz imaginá-lo parecido com o Torvald, de Paladins². Acompanhado de seu sobrinho e um lacônico e badass guia, o cientista vai se aprofundando em cavernas até encontrar uma espécie de galeria, porém tão enorme que não é possível ver o seu fim no horizonte.

Nesta imensa bolha subterrânea, todo um mundo se formou com um lago tão imenso que pode ser chamado de oceano, uma atmosfera elétrica que possui nuvens e luz própria, florestas, ilhas, criaturas pré-históricas e, a cereja do bolo, eles veem um hominídeo, um ser gigante e primitivo.

Esta história rendeu várias adaptações cinematográficas, como a Journey to the Center of the Earth (2008), da época que o Brendan Fraser ainda era galã de filmes de aventura. O filme em geral foi bem fiel em representar o mundo descrito por Verne, com a diferença que os exploradores são personagens contemporâneos e no lugar do guia brucutu colocaram a bela Anita Briem. 

Também era a época da moda dos filmes 3D, de modo que há várias cenas com objetos sendo lançados na direção da tela, pois quem usava os óculos 3D tinha a impressão de que os objetos estavam vindo em sua direção. Ainda bem que essa breguice acabou.

No livro, a maneira como os exploradores conseguem voltar à superfície é bem Deus ex machina: eles são impulsionados por um esguicho de vapor e lava que transforma a rocha em que estão numa espécie de elevador natural. No filme de 2008 é recriada uma cena parecida.

Journey to the Center of the Earth (2008)

Notas:


Uma historinha sobre mapas

No início dos anos 2000 eu comprei um mapa da cidade. Comprei pela pura curiosidade de um nerd e aquele rolo de um metro quadrado não teve muita utilidade, até certo dia.

Eu voltava da faculdade de ônibus à noite e uma garota que por acaso sentou do meu lado desceu comigo na mesma parada. Ela acabou falando que tinha esquecido o caminho para casa, pois tinha se mudado recentemente. 

Andamos por alguns quarteirões pra ver se ela identificava o caminho e nada. Ela sabia o nome da rua, mas era uma rua que eu desconhecia. No caminho uns conhecidos passaram de carro e nos deram carona, demos umas voltas pelas ruas e nada de encontrar o lugar. Então eu sugeri irmos até minha casa pegar um mapa.

Foi curiosa a reação das pessoas. Pareciam incrédulas que um mapa pudesse ajudar. Falaram pra continuar dando voltas pelo bairro até achar a rua, mas insisti e assim paramos na porta de casa. Entrei, peguei o enorme mapa, saí e o estendi sobre o capô do carro. Em segundos encontrei a rua que a garota tinha mencionado e fomos direto para lá.

Este é um exemplo de como era o mundo antes das facilidades da internet. Uma pessoa perdida tinha que ficar andando a esmo pelas ruas ou ficar parando nas esquinas e perguntando aos transeuntes se por acaso sabiam onde fica a rua tal. E ter um mapa não era algo comum, tanto que causou estranheza quando dei a minha sugestão nerd de consultarmos um mapa.

Hoje em dia basta pegar o celular e fazer uma busca no Google Maps. Ele vai mostrar não só a rua em um plano cartográfico, quanto a fotografia 3D da rua. Mesmo assim, já me deparei com ocasiões recentes em que eu andava na rua e era abordado por algum mototáxi ou entregador me perguntando onde fica a rua tal. Isto é algo que não entendo. Como é possível que ainda existam pessoas que não saibam consultar o Google Maps?

King Kong e Godzilla, das origens até o grande crossover

King Kong vs Godzilla (1962)

Godzilla é o grande ícone do gênero kaiju, a paixão dos japoneses por monstros gigantes. Seu primeiro filme surgiu em 1954 e até 2021 já foram produzidos 36 longas ao todo. 

A sua primeira fase, que ficou conhecida como Era Showa, durou de 1954 a 1975 e todo um godzillaverso foi construído, com inúmeras criaturas antagonistas que se tornaram clássicas, como Ghidorah, Mothra, o robô Mechagodzilla e até o filho (adotado) do Godzilla, Minilla.

Godzilla; 1954-2014
As várias encarnações do Godzilla.

A Era Heisei durou de 1984 a 1995 e fez um reboot na franquia, finalmente estabelecendo uma história de origem para o monstro, relatando que ele era um pequeno dinossauro chamado Godzillasaurus que foi transformado pela radiação nuclear.

A terceira fase é conhecida como Era Millennium, que foi de 1994 a 2004, trazendo de volta os clássicos monstros do godzillaverso.

Godzilla (1998)

Na década de 90, Godzilla foi além do solo japonês e chegou a Hollywood. A TriStar Pictures adquiriu os direitos do studio Toho (dono da franquia) e lançou em 1998 o reboot Godzilla, aquele com o Matthew Broderick. Nesta versão, o bicho ficou parecendo um velociraptor gigante.

Desta vez, ele era originalmente uma iguana que, exposta à radiação de um teste nuclear na Polinésia, se tornou o lagarto gigante. O bicho resolveu atravessar o oceano e atacar New York, a cidade mais catastrófica da história do cinema. Este Godzilla acabou morrendo, mas havia posto ovos, um dos quais eclodiu, nascendo um novo Godzillazinho.

O plano da TriStar era produzir uma trilogia, mas o projeto não foi adiante e em vez disso fizeram uma série animada que durou entre 1998 e 2000. Depois disto, a franquia entrou em outra década de hiato.

Godzilla (2014)

Finalmente, após 60 anos, chegou a fase blockbuster deste personagem que já era parte da cultura pop mundial. A Toho fez uma parceria com a Legendary, um dos melhores studios em termos de efeitos especiais, e lançou o reboot Godzilla em 2014, com um orçamento de 160 milhões de dólares.

Surfando na onda dos Vingadores da Marvel, este Godzilla deixou de ser apenas um monstro destruidor de cidades e se tornou um super herói. Foi desenvolvida toda uma mitologia de que o Godzilla é uma espécie de guardião do planeta, combatendo ameaças ao ecossistema, o que pode incluir os humanos ou outros monstros, mas ele também pode ajudar os humanos quando julga adequado.

A ameaça desta vez é uma criatura nova, chamada MUTO. Com ajuda dos humanos, Godzilla derrota o bicho e, exausto, se recolhe para o mar sob os aplausos da multidão. Estava estabelecido o Godzilla bonzinho.

Em termos de aparência, este é o melhor Godzilla de todos os tempos. Gigante como uma montanha e com um visual reptiliano bem convincente, virou o melhor kaiju já apresentado no cinema.

Godzilla 2 (2019)

O segundo filme veio em 2019, Godzilla: King of the Monsters. Vários dos kaijus clássicos foram trazidos de volta, como Ghidorah, Mothra, Rodan, Scylla, etc. A proposta era criar um novo universo expandido de kaijus, um monsterverse, que culminou no crossover com o King Kong.

Shin Gojira (2016)

Shin Gojira (2016)

Enquanto isto, no Japão também foi lançado um filme bem mais modesto, com orçamento de apenas 15 milhões de dólares, o Shin Gojira (2016). Como era de se esperar, os efeitos especiais são bem mais rudimentares e o Godzilla parece um grande boneco, mas tem seus momentos impressionantes, como quando ele passa a disparar raios da boca, das costas e até da cauda.

Shin Gojira (2016)

O Shin Gojira deu uma nova cara ao "atomic breath", que até então parecia mais com uma baforada dragônica e agora se tornou literalmente um raio, até mesmo no efeito sonoro. Ao longo do filme, a criatura vai evoluindo e esta cena em que ele desenvolve o raio atômico é como o clímax de sua evolução. Primeiro ele solta uma baforada de fogo que então vai evoluindo até se tornar o poderoso raio.

A trama é mais focada na reação do governo japonês do que no monstro em si. Acompanhamos toda a burocracia e o planejamento para encontrar uma forma eficaz de deter o monstro.

King Kong (1933)

King Kong (1933)

King Kong, por sua vez, é mais antigo que Godzilla no cinema. Apesar de mais antigo, ele teve uma filmografia menor que Godzilla e passou por hiatos mais longos. Em 1933 ele teve seus primeiros dois filmes: King Kong e Son of Kong. Em sua origem, era um gorila pré-histórico vivendo na fictícia Ilha da Caveira.

King Kong (1933)

King Kong (1933)

King Kong (1933)

King Kong (1933)

King Kong (1933)

A qualidade deste King Kong de 1933 surpreende, pois tem várias cenas mostrando o gorilão, bem como dinossauros da ilha, todos animados com stop motion. Era o que tinha pra época, décadas antes do surgimento do CGI, e este tipo de animação feita com bonecos até hoje impressiona. 

Kong enfrenta vários monstros pré-históricos e cada cena de luta é bastante caprichada. A luta contra um dinossauro, em que ele termina quebrando a mandíbula do bicho, é tão legal que foi até homenageada décadas depois no Skull Island de 2017.

King Kong vs. Godzilla (1962)

O macacão só retornaria em 1962 em nada menos do que um crossover histórico: King Kong vs. Godzilla. Outros filmes viriam em 1976, 1986 e 1998. Em 2005 ele ganha seu primeiro grande blockbuster dirigido por Peter Jackson, que há pouco tinha feito grande sucesso na trilogia Senhor dos Anéis. 

King Kong (2005)

A história clássica foi revivida: o exótico gorila é descoberto por exploradores, levado para a civilização e toca o terror na cidade, mas encanta-se por uma humana. No clímax da história, ele sobe no alto do Empire State levando a moça em uma das mãos e estapeando aviões no céu.

Kong: Skull Island (2017)

Kong: Skull Island (2017)

Kong: Skull Island (2017) faz um reboot da franquia, integrando-o no novo monsterverso para mais uma  vez levá-lo a um crossover com o Godzilla. A Ilha da Caveira ganha bastante atenção, apresentando uma ecossistema povoado de criaturas gigantescas, além d euma primitiva tribo humana. Kong age como o rei desta ilha, mantendo a ordem, salvando animais de perigos e matando animais hostis.

Uma expedição militar é enviada à Ilha da Caveira e é surpreendida pela presença deste gigantesco símio. O tenente coronel Preston, interpretado por Samuel L. Jackson, desenvolve uma antipatia imediata pelo monstro, intensificada depois que ele ataca sua equipe. Preston passa a perseguir Kong como a uma Moby Dick, se envolvendo em vários perigos e perdendo homem após homem, até ele próprio ser morto pelo lagarto Skullcrawler.

Na cena pós-crédito, bem ao estilo Marvel, vemos que a organização secreta governamental chamada Monarch está investigando a existência destes monstros e descobre outros além do Kong, em outros ecossistemas, incluindo o Godzilla. Está preparado o terreno para o crossover.

A criação do monsterverse é claramente inspirada no sucesso da Marvel com seu MCU, com um universo de filmes interligando personagens e culminando em crossovers. Coincidência ou não, em Skull Island temos no elenco principal três atores frequentes nos filmes da Marvel: Samuel L. Jackson (o Nick Fury), Tom Hiddleston (o Loki) e Brie Larson (a Capitã Marvel).

Godzilla vs Kong (2021)

Chegamos enfim ao grande crossover, Godzilla vs Kong (2021), concluindo a quadrilogia do monsterverse produzida pelo studio Legendary.

É o mais julesverniano dos quatro filmes, já que envolve literalmente uma viagem ao centro da Terra. Sim, além de todo o lore já criado acerca do mundo dos monstros, também foi inserida a curiosa teoria da Terra Oca, segundo a qual existe um enorme ecossistema no interior do planeta. Guiado pelos humanos da Monarch, Kong mergulha na profundeza da Terra e descobre uma espécie de antigo reino de seus ancestrais, achando um machado gigante feito com uma rocha especial capaz de absorver radiação.

Godzilla vs Kong (2021)
A teoria da Terra Oca, bem mais legal que a da Terra Plana.

Godzilla vs Kong (2021)

Godzilla vs Kong (2021)

Enquanto isto, na superfície, Godzilla emerge do oceano para atacar as instalações da mega empresa de tecnologia Apex Cybernetics. A intuição do lagartão para ameaças ao planeta o fez identificar a Apex como um vilão. E o bicho estava certo. A empresa estava desenvolvendo nada menos do que um Mechagodzilla.

O objetivo da Apex era dar fim ao Godzilla e colocar o Mechagodzilla como o novo rei dos monstros, agora sob o controle humano, já que se trata de um robô. É a antiga ambição humana de tomar o controle absoluto das forças da natureza, algo que, convenhamos, nunca deu certo.

O Mechagodzilla é pilotado por um humano usando uma mistura de cibernética e da rede neural presente no crânio do falecido monstro Ghidorah. Acontece que os instintos predatórios do Ghidorah ainda estão vivos naquela rede neural e ele se apodera do robô gigante.

Godzilla vs Kong (2021)
Mechagodzilla.

Godzilla vs Kong (2021)

O paradisíaco mundo da Terra Oca é belamente apresentado com muito CGI. Júlio Verne ficaria encantado em ver tal descrição de um ecossistema que ele imaginara no século XIX. Depois de sua jornada de descoberta e armado com seu machado, Kong volta à superfície para ajudar os humanos a deter o furioso Godzilla. Finalmente começa o tão esperado quebra-pau.

Entre as críticas feitas ao longa, costuma-se falar em como os personagens humanos são rasos e desinteressantes, não há drama nem desenvolvimento. Mas, convenhamos, este tipo de filme não precisa mesmo de nada disto. A única coisa que interessa é o combate entre os dois gigantes e foi um belo de um combate.

Desde que foi anunciada a luta, muito se especulou sobre como seria possível o Kong, um gorila gigante, enfrentar um dinossauro gigante que é praticamente um reator nuclear ambulante. Pois bem, o machado foi a elegante solução.

Godzilla é a força bruta com pouca inteligência. Kong não é tão forte quanto o lagarto, mas é bem mais inteligente, mais humano, de modo que ele luta com estratégia e aprende rápido. Rapidamente ele entendeu que o machado poderia ser usado pra absorver os raios do Godzilla, equilibrando a luta.

Godzilla vs Kong (2021)
A cara de exaustão do Kong depois de tomar uma surra épica do Godzilla.

À medida em que a luta prossegue, porém, fica clara a diferença de poder. Godzilla não apenas é mais forte como tem mais estamina. Kong vai se cansando, enquanto Godzilla é imparável, um juggernaut. Chega um momento em que Kong está caído exausto e o lagarto pisa em seu peito, sufocando-o. A forma como o CGI conseguiu passar esta sensação de que o gorila estava sem ar, com uma expressão sofrida e cansada no rosto, foi perfeita. Kong parecia um Rocky após levar uma longa surra de Apollo.

Godzilla vs Kong (2021)
"Eu que mando aqui, porra!"

Também foi legal o "diálogo" que se travou entre Kong e Godzilla durante a luta. Ficava claro que eram dois animais alfas disputando dominância. Godzilla deu a palavra final, como que dizendo "Eu que mando aqui, porra!" e Kong acabou cedendo.

Godzilla vs Kong (2021)

Então veio o pretexto para unir os dois gigantes, o inimigo comum Mechagodzilla. Finda a batalha, Godzilla reconhece a parceria de Kong, mas mantém seu olhar ameaçador e se recolhe para o mar.

Naturalmente, os produtores do monsterverse não vão querer parar por aí, mas ainda nada há definido sobre possíveis próximos filmes. Seria sonhar demais um crossover com Pacific Rim?

Após este resumão de monstros e feras, fiquem com a bela Fay Wray, do filme de 1933.

Fay Wray; King Kong (1933)

Fay Wray; King Kong (1933)

Uma palavra sobre pronomes neutros no português

Sou um usuário dedicado da língua portuguesa. Como autor de livros, ela é minha ferramenta de trabalho, como leitor, ela é o meu meio de instrução e entretenimento, e como blogueiro viciado e portador da mania da hipergrafia¹, ela é meu hobby.

Logo, é natural que questões envolvendo mudanças na língua chamem minha atenção. Tenho observado recentemente o desenrolar de uma discussão envolvendo o chamado "pronome neutro". Basicamente, consiste em uma proposta para inserir um pronome ou pronomes que não sejam classificados nem como masculinos nem como femininos, de modo a serem usados para identificação de pessoas ditas "não binárias". Como exemplos deste novo tipo de pronome, são citados "elu" e "elx²", entre outros.

Está evidente que a discussão a este respeito tem ocorrido mais no âmbito da política, da religião, dos costumes e ideologia do que propriamente da gramática. Não pretendo entrar nestes departamentos e aqui devo me ater à visão gramatical da coisa.

Devo salientar que, em termos de moral e costumes e de preferências individuais, não me oponho de forma alguma ao uso destes tratamentos, caso uma pessoa assim prefira ser tratada. E o termo "tratamento" é o X da questão quando se trata de analisar esta novidade de forma gramatical.

Gramaticalmente, a tentativa de criar pronomes neutros é bastante problemática, ou melhor, é mecanicamente impossível. São peças que não se encaixam na engrenagem da língua, de modo que seria necessário recriar toda a estrutura da língua para se adequar a esta novidade. Isto SE a proposta for a criação de pronomes pessoais neutros que se enquadrem na mesma categoria de ele e ela, a chamada "terceira pessoa".

Criar tais pronomes é mecanicamente (ou seja, morfológica e sintaticamente) impossível porque nossos vocábulos são feitos de tal forma que se baseiam na distinção masculino e feminino e é extremamente importante notar que tal distinção, na maioria dos casos, não tem a ver com sexo, sexualidade, gênero sexual ou preferência sexual. Masculino e feminino na língua portuguesa são categorias morfológicas, têm a ver com a forma das palavras.

Por exemplo, uma cadeira é um substantivo feminino e isto não significa de forma alguma que estamos identificando algum tipo de gênero ou sexualidade na cadeira, assim como um banco é masculino e não quer dizer que ele seja uma "cadeira macho". Reduzir os termos "masculino" e "feminino" ao campo da sexualidade gera tais equívocos. 

De certa forma, parece uma visão excessivamente antropocentrizada e narcisista da língua, reduzindo-a a ser sempre um reflexo do ser humano, quando na verdade uma língua surge e se desenvolve com uma visão global, uma cosmovisão. A língua de qualquer povo descreve tanto o ser humano quanto o mundo à sua volta. Mas aqui já estou entrando em digressões filosóficas. Voltemos...

A criação dos tais pronomes neutros quebraria a gramática, criando uma série de inconsistências entre o uso do pronome e dos nomes a que ele se refere. Por exemplo, ao falar que uma pessoa é bonita, podemos dizer "ele é bonito" ou "ela é bonita". O nome tem o seu sufixo modificado para se adequar ao gênero antes apontado pelo pronome. Isto é uma herança das declinações do latim. 

A uniformidade entre o gênero do pronome e do nome a que se refere é uma regra importante para a manutenção da coerência textual. Ora, sabemos que um estrangeiro, novato no idioma, erra ao falar que "comeu um maçã" ou "comprou uma livro". A inserção de um terceiro pronome em uma língua cujas palavras não possuem naturalmente o sufixo para se uniformizar ao mesmo geraria uma Torre de Babel gramatical.

Também é importante notar um princípio importantíssimo na evolução da gramática: por mais que as pessoas, no senso comum, pensem que uma gramática é criada por gramáticos e eruditos e o povo é obrigado a adotá-la, na verdade quem faz a língua é o povo e os gramáticos apenas a estudam e classificam, identificando suas regras intrínsecas e o estado atual de seu vocabulário.

Ou seja, não existe isto de se criar arbitrariamente um pronome e inserir via decreto em uma língua. Quem determina os neologismos, as mudanças morfológicas e até sintáticas de uma língua é o uso prático que as pessoas em massa fazem dela. Logo, é uma questão de costume. Não costume no sentido moral, mas no sentido de hábito. É isto que faz uma língua funcionar, pois as pessoas estão habituadas a ela.

Quando uma gíria nova surge, por exemplo, ninguém é obrigado a usá-la ou reconhecê-la. Pode ser uma invenção de um grupinho bem específico, uma tribo urbana, de modo que a princípio a gíria é uma linguagem cifrada. Com o uso, a palavra vai se espalhando e se tornando aceita pela compreensão geral das pessoas. 

Recentemente é possível coletar muitos exemplos disto por meio do "internetês". Na internet, devido ao contato constante com a língua inglesa e com termos técnicos relativos ao uso da internet e de computadores, se tornou comum surgirem gírias anglicizadas como "printar", palavra que vem do inglês "print", que equivale ao nosso "imprimir". Hoje já é relativamente comum as pessoas usarem o termo: "me manda um print", "vou printar a conversa que tive pra você ver".

A princípio, termos assim são corpos estranhos na língua e só se normalizam mesmo com o uso, de forma espontânea. É assim que agora palavras como "internet" já são tão normalizadas que se encontram nos dicionários, pois os dicionaristas reconheceram que o uso popular integrou definitivamente o termo ao nosso léxico. 

Já uma palavra como "lootear", usada pelos gamers, ainda não chegou ao ponto de entrar nos nossos dicionários, porque ainda é um jargão de um grupo específico de pessoas, mas como os games estão cada vez mais integrados à vida cotidiana da maioria da população, não duvido que em alguns anos "lootear" se torne de uso tão comum que entre para os dicionários.  

Tais exemplos mostram que a língua muda sim, e está sempre mudando, mas a mudança é espontânea, orgânica, feita pelo cidadão comum³. O mesmo deve valer para os chamados pronomes neutros. No momento, ainda são elementos estranhos, jargões de grupos específicos, e não podem ser forçados na população, muito menos obrigados a se ensinar nas escolas, uma vez que é uma novidade não integrada pelo uso comum.

Adianto, porém, que, como já disse antes, não há espaço para a inserção de pronomes neutros na morfossintaxe portuguesa, não sem o custo de quebrar todo o funcionamento da língua. E tenho uma solução extremamente simples para isto: que se encaixem tais pronomes na categoria de tratamento.

Pronomes de tratamento, como o termo já diz, se referem a vocábulos usados para distinguir pessoas conforme qualidades específicas ou status social. É um instrumento de hierarquia social, de demonstração de respeito e reconhecimento de títulos, funções, etc. Usar um pronome de tratamento é uma atitude de etiqueta social e o debate sobre os pronomes neutros tem ocorrido justamente no âmbito da etiqueta social mais do que no da gramática em si.

Ao lidar com um juiz, você o chama de Vossa Excelência para demonstrar respeito à sua autoridade. Sacerdotes são tratados com diversas distinções como Reverendíssimo ou Sua Santidade. Aos reis nos dirigimos como Vossa Majestade. Aos idosos ou adultos em geral tratamos como Senhor ou Senhora. Também há tratamentos mais informais e que se pretendem ser amistosos, como Dona, Moço, Tia, Mano...

A categoria dos pronomes de tratamento é maleável e pode receber termos novos a qualquer momento, bastando que haja adoção popular do novo termo. Isto não afetará a morfossintaxe e a língua seguirá seu curso sem traumas. 

Imagine-se que a língua seja um castelo de cartas. Os pronomes pessoais como "ele" e "ela" são cartas localizadas na base e centro do castelo, de modo que seria praticamente impossível inserir cartas novas ao lado destas sem abalar a estrutura do castelo. Os pronomes de tratamento são cartas postas no topo e podem-se inserir e remover a gosto, sem risco de desmoronar o castelo da língua.

Enfim, se uma pessoa quer ser tratada como "elu" ou "elx", é um direito dela, e tal termo, gramaticalmente falando, pode muito bem ser classificado como um pronome de tratamento, um termo adotado em respeito à identidade com que a pessoa se apresenta. 

Haverá, porém, situações práticas no uso da língua em que os pronomes pessoais ignoram os pronomes de tratamento, principalmente ao tratar pessoas de forma generalizada. Por exemplo, imagine que haja em um estádio dois times de futebol, um masculino e um feminino. Alguém pergunta quando os times vão jogar e outro responde: "eles vão jogar às sete e elas às nove". Ora, é possível que dentro do grupo masculino exista um jogador que se identifique como "elu", todavia, em termos gerais, será incluído no grupo do "eles", pois o pronome facilita a identificação do grupo, independente de como cada membro deste grupo especificamente prefira se identificar.

Logo, neste debate e negociação entre os contra e os a favor da adoção destes novos termos, será necessário que ambos façam concessões. O sujeito identificado como "elu" precisará entender que em determinadas situações será chamado de "ele" ou "ela", principalmente nas situações práticas do cotidiano em que as outras pessoas não o conhecem e não têm como saber de que forma se identifica em termos de tratamento. 

O pronome de tratamento existe justamente para o contato mais íntimo, para quando a pessoa que se dirige a você tem conhecimento de seu status social. Se a proposta do pronome neutro se direcionar a esta categoria, sua inserção no idioma será bem mais fácil e pacífica. 

Notas:


2: Além do chamado pronome neutro trazer um problema morfossintático, conforme explicado neste artigo, o termo "elx" traz ainda outro problema que é o fonético. É simplesmente impossível, para a fonética portuguesa, se pronunciar a junção de "l" e "x", uma vez que a fonética é intrinsecamente dependente de vogais para mediar a pronúncia das consoantes. 

3: Existem, de fato, casos em que novidades são inseridas na língua por grupos e pessoas específicas, como poetas e romancistas que criam neologismos, acadêmicos que cunham termos técnicos. Assim nascem as palavras eruditas e são reconhecidas não pelo uso massivo da população, mas pelo mérito intelectual, acadêmico ou artístico de quem as cunhou. Não é o caso, porém, da proposta do pronome neutro, que se pretende ser um termo de uso popular e, portanto, deve submeter-se à aprovação popular por meio do costume.  

Nolan volta a brincar com o tempo em Tenet

Tenet (2020)
Entre as assinaturas de Nolan, também está a fotografia com tons azulados.

Christopher Nolan se destacou pela primeira vez como diretor no filme Memento (2000). Ali ele já dava indícios de que o tempo seria seu tema favorito, pois o personagem lida com lapsos de memória, de modo que para ele o tempo acontece de forma fragmentada.

O diretor virou estrela na trilogia Batman (2005-2012). Nolan, portanto, inaugurou a nova era de filmes de super-heróis que está rolando até agora. Foi a DC que trouxe de volta este gênero para os blockbusters (claro que a Marvel também fez isso num ciclo anterior, no início dos anos 2000 com X-Men e Homem-Aranha). 

A Marvel fez a sua jogada e a partir do primeiro Iron Man (2008)¹ passou a protagonizar a produção industrial e bilionária de novos filmes de super-heróis. A DC esfriou depois do Batman, mas ainda tentou criar um universo que adotasse o estilo criado por Nolan. O chamado snyderverso a princípio seria um nolanverso.

Pois é, o tal estilo "sombrio e realista" dos filmes recentes da DC não teve início com o Zack Snyder, mas um pouco antes com o Batman do Nolan. Nolan foi encarregado depois de escrever o roteiro de Man of Steel (2013)², portanto, dando o seu DNA para outro personagem tão importante quanto o Batman. Só que ele passou o bastão da direção para Zack Snyder, que então deveria a partir daí desenvolver o chamado DCU, o novo universo da DC no cinema.

Dito isto, é curioso constatar que Nolan é um diretor/roteirista de histórias de super-heróis. Ele é um diretor bem autoral e cult, no sentido em que possui fãs do seu estilo e produz "filmes cabeça" que conseguem ao mesmo tempo ter elementos cult, mas uma publicidade pop e industrial.

Inception (2010)³ é a obra-prima do diretor e neste filme ficou consagrado o seu interesse pelo tempo, pois a trama explora o tempo de uma forma fantástica (correndo cada vez mais devagar à medida em que os personagens mergulham no mundo do sonho).

Pensando bem, Inception é um filme de super heróis. São personagens com a capacidade de trafegar no mundo onírico e criar objetos com o poder da imaginação. Não só Nolan impregnou o Batman e mesmo o DCU com seu estilo, como inversamente o Batman integrou o Nolan no mundo dos autores deste gênero de fantasia.

Depois de Inception, a outra grande obra sci-fi fantástica foi Interstellar (2014) que também é um filme de super heróis, agora espacial, cósmico. O protagonista consegue se aventurar no mundo surreal e quântico do tecido do espaço-tempo, como uma espécie de Homem-Formiga versão Nolan (curiosamente, um ano depois viria o filme do Homem-Formiga).

John David Washington and Robert Pattinson; Tenet (2020)

Agora em Tenet (2020), o tempo novamente é brilhantemente explorado, desta vez na forma de palíndromo.

Sou um amante de palíndromos e reconheci logo a referência no título do filme assim que saiu o primeiro trailer. Tenet, embora também seja uma palavra em inglês ("princípio"), é parte de um dos mais clássicos palíndromos da antiguidade, um texto em latim que dizia: "SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS". Esta combinação pode ser lida não apenas de trás pra frente, como verticalmente, pois as cinco palavras são postas na forma de um quadrado mágico.

Sator square

Tenet trata de uma conspiração envolvendo pessoas do futuro e do presente que se comunicam por uma tecnologia capaz de inverter a entropia. Ou seja, por este método da inversão, é possível fazer uma bala voltar para dentro da arma ou uma pessoa andar de costas e um carro capotado desvirar como se nada tivesse acontecido. Na prática, portanto, se torna possível voltar no tempo.

Nolan aproveita esta ideia para criar um filme de ação que, se não fosse por tal conceito surreal, seria apenas mais um filme de ação com perseguições de carro, tiroteios e bombas. Acontece que, em Tenet, vemos prédios demolidos voltando a se reconstruir, balas disparadas ao contrário e uma bizarra luta de corredor entre personagens com tempos invertidos.

No Inception também teve uma cena de luta em corredor que brincava com a mecânica do tempo desacelerado. Agora em Tenet novamente temos uma luta de corredor, só que ainda mais estranha, já que um dos personagens está indo para a frente no tempo e o outro para trás. Uma luta em forma de palíndromo.

John David Washington, Robert Pattinson, and Elizabeth Debicki; Tenet (2020)

Desta forma, Tenet é sim outro filme de super heróis do Nolan. Agora os heróis e vilões são viajantes do tempo, ou melhor, manipuladores do tempo, time benders, algo parecido com os poderes da Max no jogo Life is Strange (2015), só que, em vez de serem poderes psíquicos ou sobrenaturais, são mediados pela tecnologia, por um algoritmo criado no futuro.

Tenet, enfim, tem uma grande ideia, uma trama épica de risco global e cenas de ação com este toque especial da manipulação do tempo, mas no geral o filme não se equipara a um Inception, que uniu a ação, a fantasia e também o drama de uma forma inesquecível. 

Também em termos de trilha sonora, não foi tão grandioso quanto Inception e Interstellar, que contaram com o trabalho de Hans Zimmer. A trilha de Tenet foi composta por Ludwig Göransson, não é tão épica, mas faz uma interessante brincadeira com a inversão, em alguns momentos parecendo um disco tocado ao contrário.

É curioso também o fato de que um dos protagonistas é interpretado por Robert Pattinson, que será o novo Batman em 2022. Mais uma vez Nolan dirige um filme com o Batman.

Elizabeth Debicki
A musa de um metro e noventa, Elizabeth Debicki.

Notas:






Palavras-chave:

Stargirl e sua Liga da Justiça teen

Stargirl (2020-)

Geoff Johns é a grande mente por trás das produções da DC na última década. Já entre 2009 e 2011 ele escrevera alguns episódios de Smallville e desde 2010 ele ocupa o alto cargo de Chief Creative Officer na DC. Foi roteirista de várias séries animadas e, vindo o arrowverso, também roterizou diversos episódios de Arrow, The Flash e Titans. Enquanto nestas séries ele participou como um entre vários roteiristas, em Stargirl (2020-) ele assumiu completamente o show.

A personagem Stargirl e seu parceiro S.T.R.I.P.E. (um cara dentro de uma enorme armadura robótica) surgiu lá em 1999, criada nos quadrinhos pelo próprio Geoff Johns. A propósito, ele a nomeou Courtney em homenagem à própria irmã.

Nesta série da CW, ela teve origem na saga Crise nas Infinitas Terras, do arrowverso, ganhando enfim seu próprio spin-off.

O teor da série é bem mais adolescente, mais leve e menos violenta, se comparada, por exemplo, à série dos Titans, e bem poderia se chamar Sociedade da Justiça da América (JSA), já que a garota protagonista monta uma equipe de adolescentes, adotando o nome da extinta e clássica equipe de super-heróis surgida lááá em 1940.

O foco da história é mais a relação familiar entre Courtney e seu padrasto, bem como a amizade com a turminha da JSA, logo, não é de se esperar muitos efeitos especiais e criaturas fantásticas, como vemos em um show do Flash ou Supergirl. É tudo bem mais simples e o grupo é bem noob. É uma espécie de Liga da Justiça teen.

Quanto ao CGI, ele existe em todo episódio, de forma moderada, e as cenas de ação contam mais com a coreografia dos atores, coisa que a Brec Bassinger faz muito bem com seus talentos de ginasta. No último episódio da primeira temporada dão uma caprichada no CGI, principalmente no combate entre o gigante Grundy e o Stripe.

Stargirl (2020-)

Diferenças

Eu valorizo a variedade,
um mundo múltiplo, plural,
onde cada um tenha espaço
para ser outro e desigual.

Que as pessoas pois variem
em suas idiossincrasias.
Plurais estilos de vida,
da santidade à putaria.

É sagrado o direito de discordar,
de duvidar, de debater, de discernir.
Na política, na ciência, em tudo o mais
não há dogmas, só busca infinita.

Dizer "não" é direito universal,
de ser não conformado, não igual.

(26,07,2021)

Nanatsu no Taizai

Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Nanatsu no Taizai (2014-) começou como muitos animes shonen: conhecemos personagens com poderes peculiares que vão se enfrentando e até mesmo há momentos em que acontece algum torneio que serve simplesmente para vermos os poderes em ação.

Em termos de ação e cenas de luta, o anime já cumpre os requisitos pra ser um bom shonen, além disso, o estilo do traço é agradável, a ambientação medieval cria um lore que mistura tramas políticas, magia e chega até um nível transcendente, literalmente envolvendo o Céu, o Inferno e o Purgatório.

É curiosa a antítese feita entre os do bem e os do mal, pois os mocinhos são chamados de Sete Pecados (um título que faria mais sentido se aplicado aos vilões), enquanto os vilões, demônios de fato, são os Dez Mandamentos.

Na aparência, poderes e personalidade, os Sete Pecados são bem diferentes, de modo que há estilos para todo gosto. Meliodas e Ban são os mais típicos de shonen, dois caras sempre prontos para uma briga; Diane é uma gigante muito fofa e simpática; King é um garoto fada que a princípio tem uma personalidade bem insegura, o que obviamente vai mudando com sua evolução; Gowther já foge bastante dos estereótipos shonen, pois tem uma aparência andrógina e uma personalidade mais introvertida e meio robótica (depois é revelado que ele é literalmente um boneco).

Gowther; Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Gowther; Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Gowther; Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Gowther; Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Mais à frente somos apresentados a outros membros outrora ausentes: o casal Merlin e Escanor, claramente os mais poderosos do grupo. Eles formam uma combinação de opostos. Merlin é bastante feminina e seus poderes são mágicos, enquanto Escanor é a pura brutalidade física, um "homão". Ele é o Superman do grupo, sempre impressionando nas lutas. 

Escanor; Nanatsu no Taizai (2014-2021)
Six pack? O Escanor tem um eight pack.

Também é interessante a relação dos dois. Escanor é orgulhoso, imponente, simbolizado pelo signo de Leão. Já houve momentos em que ele recebeu a ordem de um arcanjo e se negou a cumprir por puro orgulho. Ninguém dá ordens ao poderoso Escanor... com exceção da Merlin. Com Merlin o seu comportamento muda totalmente. Ele a trata com subserviência e humildade. São um casal sub e dom.

Um dos melhores, ou talvez o melhor momento da quinta temporada é a morte do Escanor. Num gesto de sacrifício, ele consome a própria energia vital para alcançar o máximo de seu poder. Enquanto é consumido pelas próprias chamas, ele se despede de Merlin e ela, pela primeira e única vez no anime, tasca-lhe um beijo na boca, de modo que ela acabou queimando o próprio rosto.

Temos então o momento mais poético e romântico de todo o anime. Escanor era conhecido por compor poemas. Agora, na sua despedida, é Merlin quem lhe dedica um poema:

"Não pude corresponder aos seus sentimentos.
Eu vou queimar no meu corpo
a prova de que você esteve vivo.
Eu vou queimar no meu corpo
a marca do seu amor."

Ao que Escanor responde com outro poema:

"O seu amor é solitário.
Um vinho explêndido que embriaga o coração.
Porém, não posso ser o recipiente que o contém.
Eu imploro aos deuses:
façam que um dia surja um recipiente que contenha este amor."

Merlin and Escanor; Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Desde o início achei Merlin uma personagem interessante. Inteligente, sagaz, madura e confiante, a mais poderosa em termos de magia. A incomum relação dela com Escanor e o desfecho poético só aumentaram o desenvolvimento desta personagem. Aí estragaram no final da quinta temporada com um flashback de seu passado.

Quando criança, Merlin demonstrou ser superdotada e virou estudante de magia, mas o que a marcou realmente foi ter conhecido o Meliodas, por quem teve uma paixonite infantil. Eis que a grande motivação da Merlin a partir daí foi preencher o vazio que sentia por causa desta paixão não correspondida. E foi por isso que ela se dedicou aos estudos e até tramou um plano apocalíptico para o mundo.

Ou seja, mais uma vez tudo gira em torno do Meliodas. É assim com todos os outros personagens. Todos são impactados pela convivência com o Meliodas, como se ele fosse uma figura messiânica. 

Bom, não há problema nisso. Com o Naruto também é assim. Só que, no caso específico da Merlin, o Meliodas a influenciou de uma forma bem bobinha, uma paixonite, e esta não parece um bom pretexto para ser a raison d'être, a grande motivação da vida dela. Isto desfaz toda a maturidade e independência que antes ela aparentava ter.

Elizabeth; Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Elizabeth; Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Elizabeth; Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Para completar o grupo, tem a Elizabeth, que a princípio está na série pelo fan service, ou melhor, pelo ecchi, algo que não pode faltar em um shonen. Muito bela e com roupas sensuais, Elizabeth é constantemente assediada pelo Meliodas. É, todos sabemos que isto é problemático, mas só se levarmos a sério demais algo que acontece no anime apenas pelo humor controverso e pelo ecchi.

Hawk; Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Hawk and Gowther; Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Hawk; Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Hawk; Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Hawk; Nanatsu no Taizai (2014-2021)

Também, como não podia faltar, há um mascote muito fofo, o porquinho Hawk, que tem um jeito engraçado de falar (e quando corre fica falando "cotocotocoto") e na verdade é um membro bem útil do grupo, desenvolvendo até um curioso poder de mudar de forma ao comer pedaços de outras criaturas.

Nanatsu no Taizai é um anime com personalidade. Ou pelo menos era no começo. Os personagens são estilosos e tem pra todo gosto. Seu estilo debochado, especialmente o ecchi, divide opiniões. Há quem curta ecchi por diversos motivos (desde a mera apreciação estética até a tara mesmo) e há quem o considere apelativo e problemático. Para quem não curte, o anime de fato não é recomendável.

Com o tempo, a história vai escalando em um nível tal que os antagonistas do começo acabam parecendo meros minions. Foi o caso do Githunder, que no começo parecia bem poderoso e ameaçador, enfrentando Meliodas de igual pra igual. Depois vieram os Dez Mandamentos e outros seres cósmicos e os Sete Pecados também cresceram bastante em poder, mas o Githunder ficou pra trás.

Com o avanço da trama, o clima do anime muda. Toda aquela comédia e ecchi do começo se perdeu depois da quarta temporada, aquele mundo medieval, com tavernas e vilarejos deu lugar a um cenário desértico e a trama se resumiu a lutas com criaturas cada vez mais poderosas. 

Também o traço perdeu a beleza inicial, a animação ficou bem mais preguiçosa, com muitas cenas estáticas em que os personagens simplesmente não se mexem, uma maneira de economizar frames no trabalho de animação. Enfim, o anime perdeu o charme inicial, sinal que já estava na hora de terminar.

Nanatsu no Taizai (2014-2021)
Curiosa referência a van Gogh.