Godzilla é o grande ícone do gênero kaiju, a paixão dos japoneses por monstros gigantes. Seu primeiro filme surgiu em 1954 e até 2021 já foram produzidos 36 longas ao todo.
A sua primeira fase, que ficou conhecida como Era Showa, durou de 1954 a 1975 e todo um godzillaverso foi construído, com inúmeras criaturas antagonistas que se tornaram clássicas, como Ghidorah, Mothra, o robô Mechagodzilla e até o filho (adotado) do Godzilla, Minilla.
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As várias encarnações do Godzilla. |
A Era Heisei durou de 1984 a 1995 e fez um reboot na franquia, finalmente estabelecendo uma história de origem para o monstro, relatando que ele era um pequeno dinossauro chamado Godzillasaurus que foi transformado pela radiação nuclear.
A terceira fase é conhecida como Era Millennium, que foi de 1994 a 2004, trazendo de volta os clássicos monstros do godzillaverso.
Na década de 90, Godzilla foi além do solo japonês e chegou a Hollywood. A TriStar Pictures adquiriu os direitos do studio Toho (dono da franquia) e lançou em 1998 o reboot Godzilla, aquele com o Matthew Broderick. Nesta versão, o bicho ficou parecendo um velociraptor gigante.
Desta vez, ele era originalmente uma iguana que, exposta à radiação de um teste nuclear na Polinésia, se tornou o lagarto gigante. O bicho resolveu atravessar o oceano e atacar New York, a cidade mais catastrófica da história do cinema. Este Godzilla acabou morrendo, mas havia posto ovos, um dos quais eclodiu, nascendo um novo Godzillazinho.
O plano da TriStar era produzir uma trilogia, mas o projeto não foi adiante e em vez disso fizeram uma série animada que durou entre 1998 e 2000. Depois disto, a franquia entrou em outra década de hiato.
Finalmente, após 60 anos, chegou a fase blockbuster deste personagem que já era parte da cultura pop mundial. A Toho fez uma parceria com a Legendary, um dos melhores studios em termos de efeitos especiais, e lançou o reboot Godzilla em 2014, com um orçamento de 160 milhões de dólares.
Surfando na onda dos Vingadores da Marvel, este Godzilla deixou de ser apenas um monstro destruidor de cidades e se tornou um super herói. Foi desenvolvida toda uma mitologia de que o Godzilla é uma espécie de guardião do planeta, combatendo ameaças ao ecossistema, o que pode incluir os humanos ou outros monstros, mas ele também pode ajudar os humanos quando julga adequado.
A ameaça desta vez é uma criatura nova, chamada MUTO. Com ajuda dos humanos, Godzilla derrota o bicho e, exausto, se recolhe para o mar sob os aplausos da multidão. Estava estabelecido o Godzilla bonzinho.
Em termos de aparência, este é o melhor Godzilla de todos os tempos. Gigante como uma montanha e com um visual reptiliano bem convincente, virou o melhor kaiju já apresentado no cinema.
O segundo filme veio em 2019, Godzilla: King of the Monsters. Vários dos kaijus clássicos foram trazidos de volta, como Ghidorah, Mothra, Rodan, Scylla, etc. A proposta era criar um novo universo expandido de kaijus, um monsterverse, que culminou no crossover com o King Kong.
Enquanto isto, no Japão também foi lançado um filme bem mais modesto, com orçamento de apenas 15 milhões de dólares, o Shin Gojira (2016). Como era de se esperar, os efeitos especiais são bem mais rudimentares e o Godzilla parece um grande boneco, mas tem seus momentos impressionantes, como quando ele passa a disparar raios da boca, das costas e até da cauda.
O Shin Gojira deu uma nova cara ao "atomic breath", que até então parecia mais com uma baforada dragônica e agora se tornou literalmente um raio, até mesmo no efeito sonoro. Ao longo do filme, a criatura vai evoluindo e esta cena em que ele desenvolve o raio atômico é como o clímax de sua evolução. Primeiro ele solta uma baforada de fogo que então vai evoluindo até se tornar o poderoso raio.
A trama é mais focada na reação do governo japonês do que no monstro em si. Acompanhamos toda a burocracia e o planejamento para encontrar uma forma eficaz de deter o monstro.
King Kong, por sua vez, é mais antigo que Godzilla no cinema. Apesar de mais antigo, ele teve uma filmografia menor que Godzilla e passou por hiatos mais longos. Em 1933 ele teve seus primeiros dois filmes: King Kong e Son of Kong. Em sua origem, era um gorila pré-histórico vivendo na fictícia Ilha da Caveira.
A qualidade deste King Kong de 1933 surpreende, pois tem várias cenas mostrando o gorilão, bem como dinossauros da ilha, todos animados com stop motion. Era o que tinha pra época, décadas antes do surgimento do CGI, e este tipo de animação feita com bonecos até hoje impressiona.
Kong enfrenta vários monstros pré-históricos e cada cena de luta é bastante caprichada. A luta contra um dinossauro, em que ele termina quebrando a mandíbula do bicho, é tão legal que foi até homenageada décadas depois no Skull Island de 2017.
O macacão só retornaria em 1962 em nada menos do que um crossover histórico: King Kong vs. Godzilla. Outros filmes viriam em 1976, 1986 e 1998. Em 2005 ele ganha seu primeiro grande blockbuster dirigido por Peter Jackson, que há pouco tinha feito grande sucesso na trilogia Senhor dos Anéis.
A história clássica foi revivida: o exótico gorila é descoberto por exploradores, levado para a civilização e toca o terror na cidade, mas encanta-se por uma humana. No clímax da história, ele sobe no alto do Empire State levando a moça em uma das mãos e estapeando aviões no céu.
Kong: Skull Island (2017) faz um reboot da franquia, integrando-o no novo monsterverso para mais uma vez levá-lo a um crossover com o Godzilla. A Ilha da Caveira ganha bastante atenção, apresentando uma ecossistema povoado de criaturas gigantescas, além d euma primitiva tribo humana. Kong age como o rei desta ilha, mantendo a ordem, salvando animais de perigos e matando animais hostis.
Uma expedição militar é enviada à Ilha da Caveira e é surpreendida pela presença deste gigantesco símio. O tenente coronel Preston, interpretado por Samuel L. Jackson, desenvolve uma antipatia imediata pelo monstro, intensificada depois que ele ataca sua equipe. Preston passa a perseguir Kong como a uma Moby Dick, se envolvendo em vários perigos e perdendo homem após homem, até ele próprio ser morto pelo lagarto Skullcrawler.
Na cena pós-crédito, bem ao estilo Marvel, vemos que a organização secreta governamental chamada Monarch está investigando a existência destes monstros e descobre outros além do Kong, em outros ecossistemas, incluindo o Godzilla. Está preparado o terreno para o crossover.
A criação do monsterverse é claramente inspirada no sucesso da Marvel com seu MCU, com um universo de filmes interligando personagens e culminando em crossovers. Coincidência ou não, em Skull Island temos no elenco principal três atores frequentes nos filmes da Marvel: Samuel L. Jackson (o Nick Fury), Tom Hiddleston (o Loki) e Brie Larson (a Capitã Marvel).
Chegamos enfim ao grande crossover, Godzilla vs Kong (2021), concluindo a quadrilogia do monsterverse produzida pelo studio Legendary.
É o mais julesverniano dos quatro filmes, já que envolve literalmente uma viagem ao centro da Terra. Sim, além de todo o lore já criado acerca do mundo dos monstros, também foi inserida a curiosa teoria da Terra Oca, segundo a qual existe um enorme ecossistema no interior do planeta. Guiado pelos humanos da Monarch, Kong mergulha na profundeza da Terra e descobre uma espécie de antigo reino de seus ancestrais, achando um machado gigante feito com uma rocha especial capaz de absorver radiação.
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A teoria da Terra Oca, bem mais legal que a da Terra Plana. |
Enquanto isto, na superfície, Godzilla emerge do oceano para atacar as instalações da mega empresa de tecnologia Apex Cybernetics. A intuição do lagartão para ameaças ao planeta o fez identificar a Apex como um vilão. E o bicho estava certo. A empresa estava desenvolvendo nada menos do que um Mechagodzilla.
O objetivo da Apex era dar fim ao Godzilla e colocar o Mechagodzilla como o novo rei dos monstros, agora sob o controle humano, já que se trata de um robô. É a antiga ambição humana de tomar o controle absoluto das forças da natureza, algo que, convenhamos, nunca deu certo.
O Mechagodzilla é pilotado por um humano usando uma mistura de cibernética e da rede neural presente no crânio do falecido monstro Ghidorah. Acontece que os instintos predatórios do Ghidorah ainda estão vivos naquela rede neural e ele se apodera do robô gigante.
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Mechagodzilla. |
O paradisíaco mundo da Terra Oca é belamente apresentado com muito CGI. Júlio Verne ficaria encantado em ver tal descrição de um ecossistema que ele imaginara no século XIX. Depois de sua jornada de descoberta e armado com seu machado, Kong volta à superfície para ajudar os humanos a deter o furioso Godzilla. Finalmente começa o tão esperado quebra-pau.
Entre as críticas feitas ao longa, costuma-se falar em como os personagens humanos são rasos e desinteressantes, não há drama nem desenvolvimento. Mas, convenhamos, este tipo de filme não precisa mesmo de nada disto. A única coisa que interessa é o combate entre os dois gigantes e foi um belo de um combate.
Desde que foi anunciada a luta, muito se especulou sobre como seria possível o Kong, um gorila gigante, enfrentar um dinossauro gigante que é praticamente um reator nuclear ambulante. Pois bem, o machado foi a elegante solução.
Godzilla é a força bruta com pouca inteligência. Kong não é tão forte quanto o lagarto, mas é bem mais inteligente, mais humano, de modo que ele luta com estratégia e aprende rápido. Rapidamente ele entendeu que o machado poderia ser usado pra absorver os raios do Godzilla, equilibrando a luta.
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A cara de exaustão do Kong depois de tomar uma surra épica do Godzilla. |
À medida em que a luta prossegue, porém, fica clara a diferença de poder. Godzilla não apenas é mais forte como tem mais estamina. Kong vai se cansando, enquanto Godzilla é imparável, um juggernaut. Chega um momento em que Kong está caído exausto e o lagarto pisa em seu peito, sufocando-o. A forma como o CGI conseguiu passar esta sensação de que o gorila estava sem ar, com uma expressão sofrida e cansada no rosto, foi perfeita. Kong parecia um Rocky após levar uma longa surra de Apollo.
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"Eu que mando aqui, porra!" |
Também foi legal o "diálogo" que se travou entre Kong e Godzilla durante a luta. Ficava claro que eram dois animais alfas disputando dominância. Godzilla deu a palavra final, como que dizendo "Eu que mando aqui, porra!" e Kong acabou cedendo.
Então veio o pretexto para unir os dois gigantes, o inimigo comum Mechagodzilla. Finda a batalha, Godzilla reconhece a parceria de Kong, mas mantém seu olhar ameaçador e se recolhe para o mar.
Naturalmente, os produtores do monsterverse não vão querer parar por aí, mas ainda nada há definido sobre possíveis próximos filmes. Seria sonhar demais um crossover com Pacific Rim?
Após este resumão de monstros e feras, fiquem com a bela Fay Wray, do filme de 1933.