Bem cedo na infância conheci o mundo dos quadrinhos com a Turma da Mônica, a Disney e o Recruta Zero, mas só me apaixonei mesmo aos 12 anos quando comprei minha primeira revistinha de super-herói.
É curioso que eu já desenhava minhas próprias revistas de super-herói desde os 8-9 anos, inspirado apenas pelos desenhos animados que via na TV, mas tinha a noção básica da narração em quadrinhos por causa das revistas infantis que conhecia. Quando conheci as revistas da Marvel e DC, tive uma grande evolução na técnica de quadrinização, porque agora tinha em mãos um material para me inspirar e ensinar.
O fato é que desde a primeira revista eu fiquei viciado (inclusive a li e reli várias vezes) e precisava alimentar o vício. Foi assim que eu aprendi a poupar (calma, que não vou dar um sermão sobre finanças).
Toda semana eu ganhava uns trocadinhos para dois fins: comprar um lanche na escola e ir pra escola e voltar pra casa de ônibus, pois eu morava a uns seis quilômetros da escola. Pois bem, desde os doze anos até o fim do ensino médio, nunca tive o hábito de lanchar e com frequência eu fazia meu trajeto a pé.
Às vezes só ia a pé e voltava de ônibus, às vezes o contrário e às vezes ia e voltava a pé (aliás, bons tempos aqueles em que uma criança podia andar sozinha nas ruas e chegar segura em casa). Acabei me tornando um magrinho bem atlético com tantas caminhadas, o que foi um bônus deste hábito que criei com o objetivo de juntar os trocados para comprar minhas revistinhas.
Minha coleção de HQs era meu tesouro, conquistado literalmente com suor. Eu era bem zeloso e guardava carinhosamente cada revista em um saquinho. Ao longo dos anos elas permaneceram muito bem preservadas. Não lembro quantas revistas cheguei a acumular. Umas 300 talvez.
Eis que na vida adulta eu passei por várias fases de minimalismo. Hoje em dia esse negócio de minimalismo virou moda, virou até uma espécie de luxo, e eu já fui e já voltei neste caminho por motivos subjetivos, mas em alguns momentos também por causa da depressão.
Na depressão eu sentia que tudo me pesava, tudo era um fardo, e queria me desvencilhar das coisas. Foi nestas fases que cheguei a doar várias de minhas revistinhas para a biblioteca de uma escola. Depois até soube de como os alunos rapidamente estragaram aquelas revistas pelo uso, revistas que eu corservei com tanto cuidado por décadas e foram destruídas em semanas pela meninada.
Também cheguei a vender algumas em sebos e, enfim, ao longo dos anos fui desmontando esta coleção que guardava as memórias de minha infância, coleção que construí com muitas horas e quilômetros de caminhadas.
Mas eis que agora estamos na era da internet. Depois de adulto descobri aí nos sites da vida centenas, ou melhor, milhares de revistas disponíveis pra download. Fiquei encantado com esta facilidade. Encontrei tanta coisa que eu sonhava ler na infância, tantas sagas, edições especiais que meus trocadinhos não bastavam pra comprar...
É curioso que eu tive tanto trabalho pra comprar minhas revistinhas ao longo de cinco ou seis anos, amealhando as moedas, poupando com as muitas caminhadas, e, se existisse naquela época a facilidade da internet de hoje, eu baixaria o equivalente a toda esta coleção de cinco anos em uma hora.
É um clichê de véios falar isto, mas é inevitável pensar a respeito: hoje a facilidade de acesso às coisas é realmente muito superior em relação ao mundo de 10-20 anos atrás. Hoje então eu tenho uma coleção virtual de revistas que vou precisar de uma vida inteira para ler.
E sempre será assim. Daqui a 10-20 anos as coisas ainda serão mais fáceis e acessíveis (a não ser que aconteça uma virada muito brusca e sinistra no curso da história, como a implantação de uma tirania) e a geração atual vai falar para os mais novos do futuro como as coisas eram mais difíceis no seu tempo.
O fato é que não lamento o trabalho que tive pra conseguir minhas revistas. Teria sido legal, sim, se na época eu pudesse matar minha vontade de ler simplesmente buscando na internet, mas talvez eu não teria desenvolvido o saudável hábito da caminhada.
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