Qaligrafia
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A Sombra de cada um

Shadow self

No início do ensino médio, tive uma redação premiada na escola que foi lida em uma cerimônia de entrega de diplomas. Foi gratificante ter um texto assim reconhecido em público, já que eu nutria a paixão pela escrita desde a infância.

A redação era um breve conto intitulado "A Sombra Viva". Com o tempo acabei perdendo o texto original e hoje só lembro vagamente do que escrevi. Era sobre um dia em que acordei e percebi que minha sombra havia adquirido vontade própria, se movendo diferente do meu corpo. Uma experiência surreal de realismo mágico, um termo que na época eu nem conhecia.

Outro conceito que eu não conhecia naquela ingênua adolescência era a "sombra junguiana" e hoje vejo como eu teria compreendido tão melhor a mim mesmo e aos outros se tivera contato com esta ideia. Ela explica muito do que nós somos e porque parecemos tão contraditórios.

A Sombra, segundo Jung, é um aspecto inconsciente de nossa personalidade que age muitas vezes em contradição à nossa vontade consciente. Ela pode nos sabotar, ela nos faz cometer atos falhos e até leva pessoas que normalmente são legais e pacíficas a cometerem deslizes que magoem e prejudiquem as outras.

Entender a Sombra nos torna mais tolerantes, mais compreensivos com os erros dos outros e também mais auto-indulgentes. Às vezes sofremos demais o peso de culpas e remorsos, nos cobramos por erros que cometemos até mesmo acidentalmente. Em alguns casos, foi fruto de uma sabotagem da Sombra, esta rival interna, esta criatura peralta que às vezes parece que quer apenas brincar conosco, como um deus da trapaça.

Muitas vezes criticamos nos outros características que nós mesmos temos, porque, sem saber, vemos na outra pessoa algo parecido conosco, parecido com aquilo que temos reprimido e que negamos. A negação é um grande alimento para a Sombra. Quanto mais você evita admitir certas características suas, mais elas se tornam escondidas e parte deste "governo paralelo" da Sombra.

Também dizia Jung: "Quando você abre uma porta, é a luz que entra e não a escuridão que sai". Assim funciona o autoconhecimento. Você se apropria da Sombra, faz as pazes com ela, na medida do possível. E esta aceitação se reflete na forma como enxerga os demais, abandonando o vício da projeção.

A Sombra sempre existirá. Ela faz parte da complexa natureza humana. O casamento do Céu e do Inferno, para usar um termo de William Blake, é alcançado quando se faz esta aliança com a sua Sombra, quando ela é aceita como uma parte do ser. Você não se tornará uma pessoa superior ou transcendente ou santa ao fazer isso, porém terá mais paz interior. Ou uma trégua.

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