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Oxigênio: plot twist em cima de plot twist numa história confusa

Oxygen (2021)

Em 2020 a produção cinematográfica foi consideravelmente reduzida (bem como tudo o mais no mundo) e quem tentou fazer filmes teve que se virar com a escassez. Oxigênio (Oxygène, 2021) parece um bom exemplo de filme feito com poucos recursos, não só em termos de dinheiro, mas de locação e elenco. Basicamente, é o filme de uma só atriz.

A história se passa toda dentro de uma cápsula criogênica, com a única protagonista interpretada pela musa tarantinesca Mélanie Laurent. Desta forma, não existe cenário. A câmera está sempre ali dentro daquele claustrofóbico espaço. Com isso o filme já poupou um bocado de tempo, dinheiro e esforços com sua produção. O foco acaba se tornando exclusivamente o roteiro e a atuação soliloquista da atriz.

O plot é algo tipo: o que você faria se acordasse dentro de um caixão, com falta de memória e acesso à internet? Pois é, embora desmemoriada, a moça consegue conversar com uma IA que controla a cápsula e por meio dela faz ligações, acessa a internet, e assim aos poucos vai recordando a memória e desvendando o mistério sobre como ela foi parar ali. O suspense fica por conta do fato do oxigênio da cápsula estar acabando, dando à moça pouco tempo para encontrar uma solução.

Nesse aspecto, o filme é comparável a Gravidade (resenha aqui), mas sem a mesma grandeza. É uma versão modesta, um cospobre de Gravidade. Surfando neste clima de medo de doenças respiratórias, Oxigênio apela para o terror do sufocamento, com a protagonista presa em um caixão sufocante e na agonia de ver seu oxigênio acabar aos poucos.

O que provavelmente mais encantou o público foram os plot twits, sim, no plural, pois são vários. E aqui vem o spoiler. Primeiro a moça tem que se lembrar de quem é e ela consegue. Descobre que era uma cientista, casada e tal, e a grande surpresa vem quando ela descobre que está viajando no espaço numa missão de colonização interplanetária. Uau, ninguém esperava por essa!

Mas não para por aí. Ela descobre que sua cápsula é uma entre milhares numa enorme nave e que seu marido está ali em uma delas. Logo depois, porém, ela descobre algo ainda mais surpreendente: ela não é a cientista Liz e o cara na cápsula não é Leo, o marido de Liz. Ela, o cara e todos ali nas cápsulas são clones que receberam as memórias de suas matrizes e, como ratos de laboratório, foram enviados neste experimento bizarro de colonização. 

O mais bizarro ainda é que estes clones foram feitos por meio da introdução de material genético humano em ratos, de modo que os ratos, mantidos em estado de dormência nessas câmaras por uma década, foram se modificando até assumir a forma de humanos adultos. Logo, a moça é, literalmente, um rato que virou humano.

O plot twist da resolução do problema é um Deus ex machina em que a moça descobre que a IA pode transferir o oxigênio de outras cápsulas (onde já haviam clones mortos) para a cápsula dela. Por que ela não perguntou isso logo no começo hein? Não tinha passado por todo esse perrengue.

Na cena final, vemos brevemente a clone de Liz e o clone de Leo juntinhos e felizes contemplando o novo mundo que colonizaram. A missão deu certo.

Esse troço desperta uma confusa questão ética. Para o senso comum, fazer experimentos com ratos é considerado válido, afinal são ratos né, seres que a maioria das pessoas mataria com chineladas sem pensar duas vezes. Todavia, estes ratos são transformados em humanos. Aí a coisa complica.

O clone humano é um ser humano? Ora, sim. A sua gestação pode ser heterodoxa, não foi gerado pelo processo típico de fecundação, mas uma vez que seu corpo, sistema nervoso e, principalmente, código genético, é idêntico ao de um humano, então é humano e naturalmente merecedor dos mesmos direitos que a civilização reconhece nos demais humanos.

Ao receber implantes de memórias de outras pessoas, estes clones ganharam sem consentimento uma "vida" que não era delas; foram enviados em uma missão que os donos originais das memórias pretendiam ir, mas os clones não tiveram escolha.

Há tempos a ficção possui este conceito ingênuo de que uma pessoa pode se perpetuar simplesmente trocando de corpo com um clone, implantando nele suas memórias. Acontece que o clone será outra pessoa, assim como qualquer pessoa em que você implante as suas memórias não será você. O fato de ser um clone não muda o fato de ser outro indivíduo, outro organismo, como um irmão gêmeo.

Enfim, Oxigênio é uma mistura de sci-fi e suspense bem confusa e que foi superestimado pelo impacto que os plots twists causam, mas duvido que a longo prazo seja um filme memorável. A verdade é que só assisti mesmo pra ver a Mélanie Laurent.

Mélanie Laurent; Oxygene (2021)

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