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Censura, hermetismo, Genghis Khan e Feira da Fruta

Genghis Khan

O Regime militar no Brasil, especialmente depois do AI-5, se tornou bastante vigilante em termos de moralismo. Músicas, peças de teatro, livros e roteiros eram analisados por censores e muitas vezes os autores tinham que alterar o conteúdo pra não ofender a moral ou o governo (até hoje tem certos países aí mundo afora que ainda fazem isso).

Para burlar a burra censura, nossos compositores tiveram que desenvolver uma malemolência semântica e estilística. Esta foi de fato uma marca da música brasileira a partir dos anos 70: o uso de trocadilhos, de duplo sentido, de metáforas e outros artifícios para esconder a mensagem. A música se tornou críptica o que, convenhamos, acabou sendo um ganho artístico, pois nosso acervo musical foi enriquecido com letras bem criativas.

Um bom exemplo é o Cálice, de Chico Buarque, em que ele canta o "Pai, afasta de mim esse cálice", de modo que soa como uma singela recitação bíblica, mas era no fundo um grito de protesto contra o "cale-se" da censura. Foi genial.

O hermetismo sempre surgiu como resposta a perseguições e censuras. Os cristãos das catacumbas de Roma escreviam símbolos nas paredes, como o peixe (ichtus), como uma maneira de preservar suas crenças escondidas em imagens misteriosas. Os magos medievais desenvolveram o tarô para esconder naquelas cartas todo um acervo de simbologia mística que podia ser considerado heresia pela igreja. Temos aí dois exemplos curiosos de linguagem criptica: uma criada pelos cristãos quando eram perseguidos pelos pagãos, outra pelos pagãos quando os cristãos eram perseguidores.

Aleister Crowley

Na Inglaterra do século XIX, o puritanismo protestante impôs uma série de tabus e supervalorizou o recato e o bom comportamento. O homem ideal era de poucas palavras, nunca falava palavrões, muito menos obscenidades. Creio que, se não fosse esse o zeitgeist da época, não teria surgido um Aleister Crowley. Ele foi fruto de seu tempo, a reação hermética à censura moralista. O puritanismo faz surgir o satanismo como resposta.

Nos dias de hoje, mesmo com toda a liberdade de expressão que conquistamos, parece que mais uma vez é necessário ser críptico para não ser condenado pela turba do politicamente correto e do cancelamento, que são os novos inquisidores, os novos crentes moralistas, só que trajados de secularismo.

A verdade é que isso é um ciclo sem fim e, do ponto de vista cultural, o mundo só ganha com essa luta entre censores e crípticos, pois é assim que nasce a sátira, a alegoria e outras formas de linguagem cifrada. 

Lembremos do Gregório de Matos, o primeiro grande poeta zueiro do Brasil, avacalhando tudo e todos por meio de criativos trocadilhos. O moralismo hipócrita da sociedade fez com que ele reagisse com um estilo satírico.

Outro exemplo curioso das pérolas que o moralismo dos anos 70-80 produziu: a música Comer Comer, da banda Genghis Khan.

Tá, trata-se de uma inocente canção infantil falando de comida. Há, porém, essa "teoria conspiratória" de que a banda faz uma brincadeira de duplo sentido. Até hoje não sei se a teoria procede, mas até parece que as peças se encaixam.

Genghis Khan sempre foi conhecido por ser um dos maiores garanhões reprodutores da humanidade. Há dados científicos sobre a presença do DNA mongol em várias partes do mundo, pois Genghis Khan e sua galera fazia filhos e mais filhos onde quer que chegasse. Não era só safadeza, era um método de conquistar território.

Não é curioso, então, que uma banda chamada Genghis Khan, cante o refrão "comer comer é o melhor para poder crescer"? Pois é, essa é a bizarra, mas crível teoria. Talvez para fugir à censura nos anos 80, a banda insinuou de forma bem críptica uma letra sobre um cara que transou muito. Mas também pode ser mera coincidência e forçação de barra.

Cezar Romero as Joker

Por fim, um último exemplo, e este é bem peculiar, bem do DNA brasileiro que já existe desde Gregório de Matos: o vídeo caseiro chamado Feira da Fruta. Esse video usa imagens da série do Batman dos anos 80, mas é redublado com um monte de palavrões e esculhambação pelo único motivo da zueira.

O termo "feira da fruta" é uma linguagem críptica, uma forma de falar "filho da puta" ou "fela da puta" sem cair na caneta dos censores. Hoje este curta amador é uma das pérolas de nosso cinema.

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