Baseado no livro First Blood, de 1972, o primeiro filme de Rambo conta de forma dramática a saga de um veterano do Vietnã. A história começa com o soldado John Rambo chegando em uma cidadezinha, a música tema do personagem, composta por Jerry Goldsmith, começa suave. Parece um início sereno, o soldado está de volta ao seu país e vai visitar um amigo, colega de guerra. Ele até esboça um rosto sorridente.
A única cena em que Rambo sorri no primeiro filme, logo no começo. Depois é só raiva e tristeza. Rambo é antes de tudo um personagem trágico. |
Eis então que acompanhamos ao longo da narrativa o rosto de Rambo se tornando cada vez mais triste e selvagem. Ele tem sua primeira frustração quando descobre que o último amigo está morto. Agora ele está totalmente sozinho e estranho naquela cidade e é assediado por um xerife ciumento que não gosta de forasteiros.
O martírio de Rambo. |
Uma das cenas memoráveis de Rambo I: o banho de mangueira na prisão, como um "batismo" sádico. |
Como Rambo insiste em permanecer na cidade, é preso por vadiagem e, a despeito de ser um veterano de guerra, é tratado como lixo. Aí se nota a crítica que o autor fez ao descaso que muitos veteranos do Vietnã sofreram e ao fenômeno de soldados que voltaram para casa com o stress pós-traumático, com lembranças macabras. Vemos flashes de memórias de Rambo, mostrando as torturas que sofreu nas mãos de vietcongues.
No segundo filme, este tema é aprofundado, quando Rambo comenta que ele é considerado "dispensável" (expendable). Políticos usam e descartam os soldados conforme convém. Estes são os grandes vilões nos filmes de Rambo: os políticos. Futuramente, Stallone faria uma brincadeira com a palavra expendable, na sua franquia de filmes The Expendables, que parodia o gênero de ação.
Quando tentam barbeá-lo na prisão, Rambo finalmente surta ao ver a lâmina, espanca todo mundo na delegacia, rouba uma moto e foge. É nesse exato momento que a música-tema (composta por Jerry Goldsmith) muda para algo mais épico, a famosa melodia do Rambo em ação. É aí também que começa a fórmula que guiará o cinema de ação dos anos 80 em diante.
Rambo é o primeiro brucutu. Ele é o cara que sozinho dá uma surra em um bando de marmanjos, o exército de um homem só. A cena de fuga em uma moto, perseguido por uma viatura, será bem comum em diversos outros filmes de ação.
Rambo falava pouco, mas quando falava soltava umas frases badasses inesquecíveis como essas. |
Escondido na floresta, ele se torna o survivalista, se virando com o que acha no cenário. Fabrica de improviso uma manta de frio com uma lona, usa o cenário da floresta para criar armadilhas contra seus perseguidores.
Preso em um túnel, ele improvisa uma tocha e faz uma jornada de renascimento pelas entranhas úmidas da caverna. Quando consegue sair, rouba um caminhão militar e agora ele se transforma no guerreiro armado até os dentes.
O obcecado xerife Teasle continua sua caçada, como se Rambo fosse a sua baleia Moby Dick. E Rambo leva a guerra até o xerife. Explode um posto de gasolina e uma loja de armas, destrói os transformadores da cidadezinha, causando um blackout, enfim vai ao encontro do xerife e o deixa ferido, mas antes que dê o golpe final é interrompido pelo Coronel Trautman.
O momento mais dramático de toda a franquia Rambo. |
Trautman foi o comandante de Rambo e claramente se tornou uma figura paterna, a última pessoa em quem Rambo podia confiar plenamente. Ele aparece para mediar a rendição e acaba despertando no seu pupilo o momento mais catártico de sua vida, quando o soldado desaba em choro, lembrando dos amigos mortos, da solidão em que se encontra. Neste momento ele se desarma de uma forma jamais repetida nos outros filmes. Encolhido quase em posição fetal, ele recebe um abraço de Trautman.
No fim das contas, era só isso que aquele soldado de elite precisava. Não exatamente o abraço. O abraço foi o símbolo. Ele precisava ser acolhido de volta na sociedade, ser reconhecido como humano, como uma pessoa, não uma arma descartável ou um inimigo público. Trautman foi o único que lhe deu esse reconhecimento, que o humanizou.
Após este momento catártico, Rambo se rende e vai preso. No começo do segundo filme, ele está quebrando pedras, bem ao estilo das antigas prisões, e é recrutado por Trautman. Aceitando a missão, ele receberá um perdão presidencial. É o clichê do guerreiro aposentado que volta para uma nova batalha.
Um detalhe curioso que poucos costumam lembrar é que a missão de Rambo era apenas se infiltrar no campo de concentração vietcongue e tirar fotos. Seu papel era ser um espião, não um guerreiro. Obviamente, Rambo toma a iniciativa de resgatar um prisioneiro, mas é traído pelo Marechal Murdock que aborta a missão e o abandona.
Rambo é capturado e torturado tanto pelos vietcongues quanto pelos russos, então acontece a reviravolta quando ele fala a famosa frase "Murdock, I,m coming to get you!" e simplesmente joga pro ar o realismo e vira um super soldado, metendo a porrada nos seus torturadores e abrindo caminho em meio a uma multidão de inimigos.
No primeiro filme, Rambo não matou ninguém. Ele apenas feriu e incapacitou os caras que o perseguiam, e houve uma morte acidental do cara que caiu do helicóptero. No segundo filme, a contagem de mortos dá um salto, quando Rambo se transforma num personagem clichê de ação, praticamente com superpoderes. Ele taca fogo no matagal, dispara flechas explosivas, toca o terror como uma força imparável.
Outro clichêzinho do segundo filme é que arranjaram pra ele um par romântico. Seu contato no Vietnã é uma espiã asiática e rapidamente se desenvolve um lance entre eles. Ela do nada vira também uma badass e o ajuda a fugir do cativeiro, rola então um diálogo romântico e eles se beijam, pois o mocinho em filmes de ação sempre é premiado com um beijo.
Mas como o destino de Rambo é ser um personagem trágico, logo após o beijo a garota é subitamente morta, dando motivo para Rambo ativar seu modo full pistola e terminar de matar seus perseguidores.
Em Rambo II, pela primeira vez ocorre a icônica cena dele se preparando para a batalha, quando vemos ele de costas amarrando a faixa na testa. Esta cena será repetida em outros filmes e bastante na série animada. Também pela primeira vez ele usa uma arma que se tornará outra marca do personagem, repetida em filmes, animações e games: a famigerada flecha explosiva.
No final, quando ele volta putaço com o Murdock, acontece uma curiosa cena. Como uma espécie de antigo anarquista ludista, ele destrói toda a sala de computadores da inteligência militar. Qual o significado disso? Diferente dos ludistas, ele não estava protestando contra a mecanização do trabalho, mas talvez contra a desumanização da atividade militar.
Agora tudo era planejado por computadores, sem alma, sem coração, fazendo com que soldados humanos se tornem ainda mais apenas um objeto a ser enviado ao campo por designação das máquinas. De certa forma, esta cena dialoga com outra franquia de brucutu, Terminator, que alerta sobre o perigo da Inteligência Artificial.
Uma nota sobre as traduções. O título original do primeiro Rambo era First Blood. Essa expressão significa algo como "quem atirou primeiro". Rambo estava de boa voltando para seu país, querendo levar uma vida tranquila, mas foi provocado pelo xerife. Depois que a treta está rolando, Rambo se justifica dizendo que foram eles que provocaram: "They drew first blood, not me".
Em português, o título ficou mais Sessão da Tarde e perdeu essa sutileza: Rambo: Programado para Matar. O segundo filme em inglês é simplesmente First Blood part II. Em português ficou Rambo II: A Missão.
Este filme passou tantas vezes na TV que essa expressão "Alguma coisa II: A Missão" virou um verdadeiro meme dos anos 80-90. Era comum as pessoas fazerem essa brincadeira quando falavam de algo com 2 no título. Robocop 2: A Missão, Toy Story 2: A Missão, etc.
Em Rambo III, temos um início que foi bastante imitado em outros filmes de ação: o guerreiro aposentado está vivendo discretamente em uma cidadezinha da Ásia e faz uns bicos em torneios de luta clandestina.
Rambo parece tranquilamente aposentado, acolhido em um templo budista, parece ter encontrado a paz. Até que recebe a visita de Trautman que mais uma vez quer recrutá-lo, agora para a guerra do Afeganistão. Obviamente Rambo se recusa e Trautman vai embora.
Aí inventaram um motivo nada realista para convencer Rambo: Trautman vai pessoalmente a uma missão de campo no Afeganistão e é capturado pelos russos. Convenhamos, não faz sentido um coronel idoso participar deste tipo de missão, mas era preciso um bom pretexto pro Rambo deixar a aposentadoria, não é mesmo?
O nível de ação obviamente escala em relação aos filmes anteriores, com muito mais pirotecnia, afinal a franquia a essa altura já tinha grana sobrando pra gastar com explosões, tanques e helicópteros. Mais uma vez ele usa sua famosa flecha explosiva para derrubar um helicóptero, mas na batalha final contra o "chefão" ele literalmente atropela um helicóptero com um tanque.
Rambo III tem diversas cenas memoráveis em termos de ação e pra mostrar a virilidade do personagem. A briga de rua no começo, o momento em que ele participa do rústico jogo de polo dos afegãos (onde a bola é uma ovelha morta), no final ele, ao lado de Trautman, enfrenta um exército inteiro só na base do lança granadas, mas a cena mais badass e inesquecível é quando ele inventa de tirar um estilhaço de bomba da cintura e sela a ferida tacando fogo com pólvora. Que homão de porra hein!
Dois pequenos detalhes que mostram a atenção dada à identidade do personagem ao longo dos filmes. No primeiro Rambo, ele corta o braço quando cai em cima de umas árvores e ele próprio costura o ferimento. A cicatriz será vista nos filmes seguintes, um cuidado da equipe de maquiagem que manteve a consistência na história do personagem.
No Rambo II ele ganha um amuleto da sua amada Co, pouco antes dela morrer. Ele seguirá com este amuletinho no pescoço até mesmo na série animada e no Rambo III o objeto terá seu ciclo encerrado, quando ele o dá para uma criança afegã.
A trilogia fechou direitinho o ciclo do personagem e podia ter parado por aí, mas é claro que cedo ou tarde alguém teria a ideia de continuar fazendo dinheiro com novos filmes.
Rambo IV, intitulado John Rambo, veio 20 anos depois, o que se nota na mudança da aparência de Stallone, agora literalmente idoso, com o rosto envelhecido, mas também com o corpo bem mais volumoso e "monstrão" que faz o Rambo dos anos 80 parecer um cara apenas esbelto.
Rambo IV chama atenção pelo gore constante. Já começa com imagens de massacre de civis na Birmânia e as cenas de ação não poupam nos efeitos sanguinolentos. Uma das cenas mais curiosas é quando ele arranca a laringe de um cara com a mão só pra evitar que ele grite, alertando os companheiros. Furtividade nível 20.
Isto foi uma moda no cinema da primeira década do século XXI, a década da franquia Jogos Mortais, quando o gore de certa forma se tornou mainstream nas salas de cinema.
Tem gore até com criança nesse filme. |
Enquanto no Rambo II a sua motivação para voltar à guerra foi pagar a própria dívida penal e no Rambo III ele foi resgatar seu pai espiritual, no IV ele tem uma motivação, digamos, "gado demais". Um grupo de missionários pretende contratá-lo para transportá-los até a Birmânia e ele só aceita depois que a mulher do grupo, uma loirinha encantadora, fala com ele.
Assim do nada ele cria uma empatia por este grupo e, quando eles são feitos reféns, lá vai Rambo forjar sua própria faca, botar o arco nas costas e partir de novo para a pancadaria.
A cena mais badass e também mais absurda: Rambo arranca uma laringe com a mão. |
A verdade é que a grande estrela de Rambo IV é a metralhadora ponto 50 que ele ele usa pra limpar o cenário, literalmente liquefazendo os caras e explodindo cabeças numa longa cena de tiroteio em que ele gasta duas caixas cheias de balas só nessa brincadeira.
Rambo V (2019) é o encerramento da série, o que fica bem claro no próprio título: Last Blood. É uma referência direta ao primeiro longa, First Blood, e de fato este é o filme mais parecido com o primeiro.
Os Rambos II-IV são basicamente filmes de ação e guerra, o que foi um desvio da obra original a fim de criar uma franquia lucrativa, explorando o mercado deste gênero que bombou nos anos 90. Acontece que First Blood se identifica mais como um drama, sem contar que John Rambo é um personagem bastante trágico. Este elemento trágico o acompanha em todos os filmes. Rambo tem uma espécie de maldição, pois ele tenta proteger as pessoas, mas está fadado a ver aqueles com quem se importa morrerem, a despeito de seus esforços.
Eis que Last Blood traz de volta o peso dramático ao personagem e mais ainda sua carga de tragédia, quando ele perde a afilhada para uma máfia de tráfico humano. Vemos o lado sombrio da humanidade e como a barbárie ainda está presente no mundo, bem exemplificada em uma das piores práticas criminosas que é o tráfico humano para escravidão sexual.
No começo da trama, Rambo é um pacato velhinho, levando uma vida de pai de família. Seus tempos de soldado ficaram no passado, mas ele ainda carrega as marcas daquele tempo, como no estranho hobby de construir túneis embaixo de seu sítio. Agora ele se apresenta como John, não mais como Rambo.
Quando sua afilhada é raptada, ele vai ao encontro dos traficantes, mas ainda como John, pois tem a ingenuidade de entrar no covil da máfia, entregar as armas e perguntar por sua filha. O resultado não poderia ser outro: ele leva uma boa surra e é deixado desfalecido no chão. Só escapou da morte porque o chefão, Hugo, fez questão de deixá-lo vivo por puro sadismo, para que ele vivesse sabendo que sua filha estava condenada ao sofrimento e humilhação.
O vilão cometeu o erro clássico de subestimar o herói. Ele conheceu apenas o velho John, um senhor que, embora parrudo, não parecia representar uma ameaça. Ao destruir a vida de John, ele trouxe de volta o Rambo, a fera que estava adormecida.
E aí começa a parte divertida do filme, quando se torna uma brutal história de vingança, com direito a uma trilha sonora nostálgica que está sempre nos transmitindo esta mensagem: Rambo está de volta e será uma força imparável contra seus inimigos.
O que vemos a partir daí é um velho badass que está mais poderoso do que nunca. Este é o Rambo mais brutal de todos, armado com anos de experiência. Ele transforma o próprio sítio em um campo de batalha, com minas, armadilhas, túneis onde ele ganha vantagem sobre dezenas de capangas armados.
Fatality! |
Ele faz um massacre, abatendo os caras um a um e deixando o chefão pro final, finalizando-o em um nível Mortal Kombat, literalmente arrancando o coração do cara com a mão. Só que esta cena consegue ser verossímil, é bem montada, não parece surreal demais para a história e é na verdade bem satisfatória.
O prazer de assistir Rambo V está justamente na catarse da vingança. É óbvio que a vingança não trará sua filha de volta, mas ela realiza a sublimação de seu sofrimento diante de uma cruel injustiça. Nada mais lhe resta a não ser a tristeza, então que esta tristeza se converta em fúria e vingança.
De certa forma, Rambo V é um neo-western. Rambo, como o típico herói western, é um cavaleiro solitário levando nas costas o peso da tragédia. Ele cumpre sua saga de vingança e termina sozinho, acompanhado apenas com a memória dos que se foram.
Uma nota sobre os diretores. O primeiro Rambo fora dirigido por Ted Kotcheff, que já trabalhava em filmes e séries desde a década de 50. O pico de sua carreira foi de fato First Blood e nas décadas seguintes ele reduziu consideravelmente sua atividade.
Rambo II foi dirigido por George P. Cosmatos, um italiano que teve uma curta filmografia. Entre seus trabalhos para Hollywood temos Cobra (1986), também um filme com o Stallone, e Tombstone (1993), com um grande elenco (Val Kilmer, Bill Paxton, Sam Elliott e Kurt Russel).
O filho de George, Panos Cosmatos, também seguiu na carreira de diretor, mas com uma filmografia ainda menor. Em 2010 dirigiu seu primeiro filme (Beyond the Black Rainbow) e em 2018 o fantástico Mandy, com Nicolas Cage¹.
Rambo III foi dirigido por Peter MacDonald que trabalhou como cameraman desde a década de 60 e seu último trabalho nesta área foi o filme do Batman em 1989. Rambo III foi sua estreia como diretor e depois disto ele só dirigiu alguns filmes ou episódios de séries de pouca relevância.
Rambo IV foi dirigido pelo próprio Stallone, que, apesar de ser mais conhecido como ator, também assumiu a direção de uns poucos filmes, sendo o primeiro Paradise Alley, em 1978, e até a continuação de Os Embalos de Sábado à Noite, Staying Alive (no Brasil: Os Embalos de Sábado Continuam), em 1983. Pois é, o brucutu Stallone dirigiu um filme de dança. Além destes, ele tomou a liderança da franquia Rocky, dirigindo do segundo ao sexto filme, bem como o primeiro The Expendables (2010).
Por fim, Rambo V foi dirigido por Adrian Grunberg, que foi assistente de diretor de um mooonte de filmes, mas só dirigiu diretamente o indie Get the Gringo (2012) e Rambo V.
Nota-se então que a franquia Rambo nunca contou com diretores de renome e foi até uma oportunidade para alguns iniciantes de carreira, o que de certa forma faz de Rambo uma franquia indie, e de bastante sucesso.
Notas:
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