Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

Agente Smith, o único que realmente saiu da Matrix

Agent Smith

Na trilogia Matrix (1999-2003), somos apresentados a um mundo surreal em que os humanos vivem com seus corpos suspensos em cápsulas, enquanto suas mentes estão imersas numa realidade virtual. Acontece uma revolução, com pessoas tomando consciência de que aquilo que julgavam ser realidade era na verdade uma simulação, e forma-se uma sociedade paralela de rebeldes que saíram da Matrix, Zion.

O líder espiritual destes rebeldes é o visionário Morpheus, que crê em uma profecia segundo a qual viria um Escolhido, com poderes capazes de destruir a Matrix e libertar definitivamente a humanidade. Morpheus identifica este escolhido na pessoa de Neo que, de fato, demonstra ter poderes além da capacidade ordinária.

No primeiro encontro com Neo, Morpheus explica sobre a Matrix e oferece as pílulas azul e vermelha, simbolizando a escolha entre permanecer na ilusão da Matrix ou sair dela. Neo escolhe a pílula vermelha, o que representa sua saída da Matrix. Agora ele é um adversário do sistema. Será?

Bom, a história do primeiro filme termina assim e a coisa poderia parar por aí. No fim do filme, Neo desperta seus poderes e se mostra capaz de vencer a Matrix ao destruir o agente Smith. Maaas, nos dois filmes seguintes, a história mudou totalmente de rumo.

Muita gente odiou as sequências de Matrix por achá-las confusas e por terem reconstruído a mitologia, semeando dúvidas sobre a real eficiência e propósito do Escolhido. Assim surgiram teorias sobre "a Matrix dentro da Matrix". Eu na verdade achei o máximo isso e a mitologia me parece muito mais complexa e interessante graças aos dois últimos filmes. E um personagem se destaca: o Agente Smith.

O primeiro filme é bastante maniqueísta e preto e branco. Tem a Matrix e tem Zion. Tem os humanos libertos, vivendo em seus corpos de carne e osso, e tem os que vivem aprisionados mentalmente no mundo virtual. Neo é o opositor definitivo da Matrix, o Messias, e ponto final.

Até então, o Agente Smith é um robô a serviço da Matrix e, ao perseguir Neo, ele está cumprindo apenas a vontade do sistema. No final Neo o destrói, ou melhor, o desconfigura. Como um vírus, Neo quebra o código do Agente Smith e no filme seguinte vemos que a consequência disso é que o Agente foi desconectado da Matrix, ou seja, liberto.

Smith agora age como uma entidade independente. Ele não serve ao programa da Matrix, nem aos rebeldes humanos. Ele é um indivíduo totalmente autônomo. Sua autonomia é tal que a Matrix passa a considerá-lo a grande ameaça e até pede ajuda a Neo para derrotá-lo. Ora, se Neo cooperou com a Matrix para enfrentar o Smith, está claro quem realmente era o opositor da Matrix, quem de fato se libertou dela.

É revelado que a Matrix tem uma longa história de ciclos: a humanidade vive dormente em uma sociedade virtual, até que começam as despertar algumas consciências e a manifestação máxima dessas consciências é o Escolhido. Ele é como uma egrégora criada pelo sentimento de revolta contra o sistema. Assim como nos mitos religiosos, ele é o Messias salvador contra o mundo mau.

Acontece que tudo isso faz parte do ciclo de vida da Matrix. De tempos em tempos surge um novo Messias, acontece uma rebelião, depois a humanidade volta ao conformismo e à anestesia existencial, vivendo conformada até que outro Messias surge. É o reset da Matrix, uma parte de sua rotina de funcionamento.

Logo, Neo era nada menos que uma peça na engrenagem do sistema. Morpheus também, já que acreditava no mito do Escolhido, um mito que fazia parte do sistema. O Agente Smith, por outro lado, não era algo esperado. Ele foi uma anomalia, um bug no sistema.

Na trilogia da Fundação, de Asimov, vemos um futuro em que cada fase da história humana foi precisamente prevista por uma ciência chamada psico-história. Este conceito se parece um pouco com o da Matrix: a sociedade humana age de tal forma, como entidade coletiva, que seu destino pode ser considerado uma espécie de programação, um sistema. Daí ser possível prever o futuro.

Eis que no mundo da Fundação surge uma anomalia, o Mulo. Ele é um mutante, de modo que seu comportamento se desvia daquilo que é esperado dos humanos comuns. O Mulo não segue o programa natural da sociedade, é um bug nesse sistema, assim como o Agente Smith, tanto que as previsões da psico-história começam a falhar depois que o Mulo entra em ação.

Esta é uma das mitologias mais antigas da humanidade: o indivíduo rebelde que não se sujeita ao sistema, trazendo o caos. É o mito de Prometeu, desafiando os deuses, o pecado original de Adão e Eva, a revolta de Lúcifer, etc.

O curioso nisso tudo é como o indivíduo se torna o símbolo da oposição ao sistema. Ao desligar-se de um programa coletivo e pensar e agir por conta própria, o Agente Smith tornou-se um indivíduo em seu estado máximo, um ubermensch.

Nenhum comentário:

Postar um comentário