Eu estava jogando Jedi Fallen Order esses dias e me vi pensando em um aspecto da narrativa dos games que é cada vez mais comum: o andamento não-linear dos eventos.
Isto é algo que já existe há muuuito tempo, mas está ficando cada vez mais rico em detalhes e mesmo no lore da história. Desde os primeiros RPGs que existem as falas aleatórias dos NPCs. Ou seja, se você abordar os transeuntes do cenário, eles podem soltar umas breves frases, desde um simples "Olá" até uma pequena contação de história.
Estas falas dos "figurantes" do jogo geralmente pouco acrescentam à história e você pode simplesmente seguir focado em sua missão principal sem ter qualquer interação com o cenário. Falando em cenário, ele também contribui para o enriquecimento das nuances daquele mundo.
Se você é um jogador que gosta de explorar, acaba se deparando com detalhes reveladores. Já no primeiro Deus Ex, lançado nos anos 2000, havia esse elemento de enriquecimento da história de uma maneira mais sandbox, a saber, são informações que você não é obrigado nem é levado pelo curso do jogo a obter. Não é como avançar em uma fase e obrigatoriamente se deparar com uma cutscene que vai te contar uma história.
Em Deus Ex você podia ler jornais que traziam uma série de notícias sobre aquele mundo, sobre epidemias, política, eventos diversos. Só jogadores mais dados à exploração é que adquirem estas informações, enquanto os que seguem o curso linear da missão principal vão terminar a história sem isso. É como ler um livro ignorando os apêndices e notas de rodapé.
Voltando a Fallen Order, tomo ele como um bom exemplo atual de como essa narrativa paralela tem se desenvolvido. Seu protagonista tem a companhia de outros personagens que são bastante dados ao diálogo. Ao chegar perto deles, eles podem automaticamente começar uma conversa e existe também a opção de puxar assunto a qualquer momento.
Você pode simplesmente ignorar estas conversas, pode jamais puxar assunto com eles e seguir focado em realizar as missões e matar stormtroopers, mas se você prestar atenção às conversas dos personagens, vai conhecer detalhes sobre a história deles e daquela era no lore de Star Wars. Não é um papo à toa, do ponto de vista de construção de história.
Tá, e daí? Daí que esse é um grande diferencial da narrativa dos games em relação aos livros, filmes e outras mídias. Quando um grupo de pessoas lê o mesmo livro até o fim, todas elas vão terminar com a mesma quantidade de informação, já que a história segue linear, página por página, e se todos leram todas as páginas, todos adquirem o mesmo conhecimento da história. Em um filme acontece a mesma coisa se as mesmas pessoas o assistem do começo ao fim.
Já nos games, um grupo de pessoas pode zerar o mesmo jogo, mas no final cada uma terá volumes diferentes de informação, pois uma delas seguiu apenas a narrativa principal, outra realizou algumas missões opcionais, outra realizou todas e outra se deu ao trabalho de vasculhar tudo o que podia naquele universo, explorando o cenário, conversando com NPCs, descobrindo easter eggs.
Os games, portanto, oferecem uma forma de contação de história mais próxima da maneira como funciona a realidade. No mundo real, as pessoas têm níveis diferentes de conhecimento de um evento, bem como perspectivas diferentes. A história real é não-linear, é feita de fragmentos caóticos e dispersos em diversas fontes.
O Cyberpunk 2077 prometia evoluir ainda mais essa característica. A promessa era que cada NPC, cada habitante de Night City, cada uma daquelas pessoas andando nas ruas, teria suas rotinas, suas falas peculiares. Você podia abordar qualquer um na rua e ter acesso a uma informação nova sobre a vida de um mero figurante.
Na prática a coisa não foi tão rica assim, mas a proposta foi lançada e jogos futuramente vão cada vez mais se dedicar a isso, dando "respiração" às cidades virtuais, com pessoas que não são meros enfeites do cenário, mas verdadeiros personagens, com personalidade, trejeitos e até uma história.
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