Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

Soneto ao sono

Oh universo onírico!
Tão bom de viver lá.
Agradável matrix.
É onde quero estar.

A melatonina,
o sair do corpo,
viver várias vidas,
o nascer de novo.

Disse Michelangelo:
"Bem vindo o sono.
Mais ainda quero
o sono de pedra".

Um prazer enorme.
Até deuses dormem.

(29, 05, 2021)

Remendos

Nós vivemos
acumulando remendos.
Somos feitos de retalhos,
rasgos grandes e pequenos.
Nosso tempo
é feito de fragmentos.
Rota cheia de atalhos,
acumulando momentos.

(28,05,2021)

Meme magic is real

Meme é zeitgeist, é egrégora.
Meme é reflexo do momento,
mas também pode moldá-lo

(02,11,2020)

Ouro de tolo

Aqueles que estão no controle,
levando o mundo à ruína,
ou são sádicos e malignos,
ou são idiotas e tolos.

Suspeito que é o mais provável,
pois eles não sabem o que fazem.
Trocam um futuro formidável
por umas mesquinhas migalhas.

Imagine a velocidade
do progresso da humanidade
se houvesse mais liberdade.

Preferem, porém, marcha lenta
da massa atada em correntes;
dois passos pra trás, um pra frente.

(20,10,2020)

Break the spell

In front of a mirror,
Look at yourself,
Snap your fingers.
Break the spell!

(20,10,2020)

O baque da bactéria

Que baque teria a bactéria
se o micróbio no mictório
visse o vacilo do bacilo.

(14,10,2020)

Forró do mucuim

Eu tinha uma criação de galinha
e as bixinha botava ovo pra mim,
mas aí aconteceu que teve um dia
que as coitada das galinha
ficaro com mucuim.

O mucuim o mucuim o mucuim.
O mucuim o mucuim o mucuim.
O mucuim o mucuim o mucuim.

Mas era tanta coceira por causa do mucuim.

O mucuim o mucuim o mucuim.
O mucuim o mucuim o mucuim.
O mucuim o mucuim o mucuim.

Então dei um banho nelas pra matar o mucuim.

(03,07,2020)

Rocky, um fenômeno cultural

Rocky (1976)

Assim como o primeiro Rambo (1985)¹ foi o precursor do cinema de ação dos anos 90, o primeiro Rocky (1976) foi o precursor dos filmes de luta dos anos 90. Só que o primeiro Rocky não se trata só de luta. A luta e a carreira de pugilista do personagem são apenas o plano de fundo de uma história focada em pessoas.

Rocky é um drama bastante humano, com personagens verossímeis e humanizados, com defeitos, quebrados, incoerentes. O principal deles, o próprio Rocky, não é um herói nos moldes clássicos. Não é um cara nobre e abençoado pelo sucesso. 

No começo do filme ele já é um lutador veterano que nunca alcançou a glória e parece mesmo que vai se aposentar sem nunca ter um sucesso significativo. Gênios se destacam logo na juventude, se tornam uma revelação na carreira. Rocky nunca se destacou, sempre viveu à margem no mundo do pugilismo. O treinador de sua academia, Mickey, dá-lhe pouca importância, ou melhor, o despreza como um caso perdido. 

O próprio Rocky diz que a luta para ele é apenas um hobby e ele ganha a vida fazendo bicos como capanga da máfia, cobrando devedores. Ele é um homem bruto, de pouca inteligência, até mesmo a maneira como ele insiste em cortejar a tímida Adrian não parece a atitude de um herói, mas de um cara rude. O filme não está interessado em desenhá-lo como um modelo de virtude (sem contar que Stallone não era considerado um galã e estava longe do padrão necessário para protagonizar o mocinho de um filme).

Igualmente o treinador não é o melhor exemplo de mestre. Não é um sábio iluminado que pretende aprimorar seu discípulo motivado pelo puro amor socrático. Mickey desprezou Rocky como um lutador medíocre e só se interessou por ele quando, por pura sorte, foi escolhido pelo famoso Apolo Creed para ser seu adversário. Aí o velho viu uma oportunidade de fazer uma grana numa luta contra uma celebridade do boxe.

O colega de Rocky, Paulie, é ainda mais rude, um bebum grosseiro que está sempre humilhando a irmã, Adrian. Adrian parece ser a personagem mais pura, sem maldades, sem escrotices. No começo ela hesita bastante diante das cantadas do Rocky, mas acaba cedendo e se tornando uma gentil companheira.

Quanto ao grande adversário, Creed, nem mesmo se parece com um vilão ou antagonista típico. Não é um cara malvado ou odiável. Ele se apresenta no ringue com um jeito meio palhaço, é um showman, quer gerar audiência, encantar o público.

Mas Creed é um grande lutador, com um histórico de vitórias rápidas. Diferente de Rocky, ele é de fato um gênio da luta. É o rei do nocaute. Rocky vai para a luta convicto de que não tem chance contra este poderoso adversário e sua esperança é apenas permanecer em pé até o último round, o que pra ele já será o maior feito de sua carreira.

E é o que acontece. Rocky se torna um saco de pancadas e é neste momento que ele se transforma em herói. Sua virtude heroica é a resistência. Ele não tem a força nem a técnica de Creed. Tudo o que ele tem é a disposição de continuar apanhando sem desistir. Assim, Rocky se torna uma metáfora para uma lição de vida: o importante na vida não é ganhar ou ser o melhor, mas insistir e não desistir, suportando as pancadas que a vida dá.

Não à toa, décadas depois, o mangá Naruto trouxe um personagem chamado Rocky Lee que é claramente inspirado em Rocky, não só no nome, mas na mensagem que ele passa: ele não é um gênio, não é naturalmente talentoso, mas se superou pelo esforço, pela força de vontade.

Sylvester Stallone and Carl Weathers; Rocky (1976)

O filme tem quase duas horas, sendo que a maior parte disso se passa de maneira lenta, morosa, desenvolvendo o relacionamento dos personagens. A grande luta só ocorre durante os últimos 15 minutos e muda totalmente o ritmo da história. A música vai se tornando mais épica e a cada round Rock se engrandece, à medida em que seu corpo fica cada vez mais machucado, seu rosto desfigurado, e ele não para de lutar.

No 15° e último round, acontece a virada do underdog. Como um personagem de anime, Rocky, que apanhou como um condenado, agora finalmente dá uma surra no adversário e surpreende a todos. Os juízes acabam dando vitória técnica para Creed, merecida, já que ele dominou em todos os rounds menos o último. 

Rocky, porém, foi vitorioso em sua saga pessoal, alcançou a sua meta de permanecer em pé até o final e, quando soou o sino pela última vez, ele nem se importava com as câmeras e microfones, só queria o abraço de Adrian e voltar para casa com ela.

Rocky 2 (1979)

Rocky 2 (1979) começa recapitulando a épica luta do filme anterior. De repente ele se torna rico e famoso, compra carro, apartamento, pede Adrian em casamento. Parece ir tudo bem. Logo, porém, ele entra em decadência. 

Rocky pretende se aposentar do ringue, procura outro emprego, vira carregador de carne em um açougue, até ser demitido. Agora sua esposa está grávida e ele tem que dar um jeito de ganhar a vida. Para ela é simples: ela quer voltar a trabalhar no pet shop e ele pode arranjar algum emprego comum. O problema, porém, não é esse. Rocky sabe que pode se virar, conseguir se sustentar, mas ele já não está mais satisfeito com isso. Quer dar o melhor para a família. Sua única opção é voltar a lutar.

Acompanhamos então várias cenas de treinamento de Rocky e Apollo Creed. Creed conta com todo um aparato profissional de alto nível, enquanto Balboa faz um treinamento rústico, correndo atrás de galinha, levantando tora, um precursor do crossfit. No primeiro filme, aliás, ele começou esmurrando carcaças de vaca num açougue.

Sylvester Stallone and Carl Weathers; Rocky 2 (1979)

Diferente da primeira vez em que foi desafiado por Creed, Rocky agora não parece tão motivado a treinar. Sua vontade de se aposentar e levar uma vida de pai de família esfria o seu interesse pela luta. Ele já não está mais na forma da juventude, tem a visão de um olho prejudicada e, pra piorar ainda mais, Adrian entra em coma após o parto.

O martírio termina quando Adrian desperta e, com confiança, olha para Rocky e diz: "Vença a luta". Era o que ele precisava ouvir. Finalmente ele conta com o apoio moral dela nessa saga e agora ele se dedica intensamente aos treinos. 

Na noite do duelo, há uma cena curiosa: Rocky já está bastante atrasado, mas ele para na igreja no meio do caminho e acorda o padre para pedir uma bênção, enquanto isso Creed está se aquecendo e totalmente focado. Ao chegar no estádio, Rocky já vai direto pra luta sem nem mesmo fazer o aquecimento.

Diferente da luta anterior, em que Rocky apanhou como um condenado, desta vez o combate é claramente de igual pra igual. Os dois parecem estar no mesmo nível e isto se mostra no momento final em que ambos são nocauteados ao mesmo tempo (o que me lembra a luta do Superman contra Doomsday que termina em nocaute duplo).

Sylvester Stallone and Carl Weathers; Rocky 2 (1979)

The Death of Superman (1992)

Agora vemos um inesperado desfecho da luta. Não ganhará aquele que bateu mais ou que nocauteou o adversário, mas o que conseguir se levantar do chão. Apollo e Rocky rastejam e se agarram nas cordas tentando levantar e só o Rocky consegue essa proeza, finalmente vencendo a luta.

No final, toda hostilidade que havia entre eles, principalmente por parte do orgulhoso Creed, foi transformada em respeito mútuo. Rocky agradeceu a seu adversário e Apollo aceitou com respeito a derrota. Um final digno.

Rocky 3 (1982)

Rocky 3 (1982), assim como Rocky 2, começa recapitulando o filme anterior e não para por aí. Rocky finalmente alcançou a glória e permanece nela, de modo que vemos ele vencendo diversas lutas para manter o título. Ao mesmo tempo, vemos também um lutador misterioso vencendo luta após luta para subir no ranking. Ele está seguindo rumo ao topo para desafiar Rocky. Seu nome começa a aparecer nos jornais: Clubber Lang (interpretado pelo icônico Mr. T.).

A grande música-tema de Rocky é a épica Gonna Fly Now, de Bill Conti. É um verdadeiro clássico, uma das músicas mais marcantes do cinema e até hoje usada em treinamentos como tema motivacional. Em Rocky 3 surge uma nova música que será a segunda mais importante da franquia: Eye of the Tiger, da banda Survivor.

Rocky agora ocupa o lugar de Apollo. Seu rosto está em toda parte, nas capas de revistas, em brinquedos, até erigiram uma estátua em sua homenagem. Ele rapidamente pega gosto por essa nova vida, gosta de tirar fotos e interagir com os fãs. 

Sylvester Stallone and Hulk Hogan; Rocky 3 (1982)

Ele até participa de uma luta "amistosa" contra um lutador de luta livre, Thunderlips (interpretado pelo icônico Hulk Hogan). O cara é um gigante e vira full berserk durante a luta, literalmente jogando Rocky para um lado e para outro como se fosse um boneco. Rocky enfim sobrevive a esse show bizarro.

Então ele resolve anunciar sua aposentadoria, algo que ele tenta desde o primeiro filme, mas mais uma vez alguém aparece para impedi-lo. Clubber Lang o desafia em público, o insulta, até dá uma cantada grosseira em Adrian, e aí Rocky fica puto e resolve defender o título mais uma vez.

Mickey revela que as dez lutas em que Rocky defendeu o título até então foram facilitadas. Não que fossem combinadas, mas os adversários foram escolhidos, foram lutadores que não estavam à altura dele. Clubber, por outro lado, era um monstro que esmagava todos no caminho. Claramente Rocky não teria uma luta fácil.

Então vemos algo que já é tradição na franquia: as cenas de treinamento. De um lado Rocky treina num salão que ele transformou em parque de diversão, cheio de gente tirando foto e pedindo autógrafo, de outro Clubber treina sozinho e focado.

Sylvester Stallone and Mr. T.; Rocky 3 (1982)

A luta é extremamente rápida. Clubber atropela Rocky já no primeiro round. Mickey estava no vestiário passando mal, pois sofria do coração e tinha levado um empurrão de Clubber antes da luta. Rocky estava sozinho no ringue, sem seu coach, desnorteado. No começo do segundo round ele perde a luta em um rápido nocaute.

Ele encontra Mickey convalescente e que termina morrendo em seus braços. Esse é Rocky, um personagem trágico. Quando estava tudo bem, eis que apareceu um nêmesis que lhe tirou a paz e foi até o causador indireto da morte de Mickey. 

Rocky entra em crise, mas desta vez aparece uma ajuda inesperada: Apollo Creed se oferece para treiná-lo. Ele chega com um papo de ter o "olho do tigre" (óbvia referência à nova música-tema) e temos mais cenas de treinamento, agora com a dupla Rocky e Creed, que desenvolve um verdadeiro bromance. Os dois são como personagens de anime que começam rivais e se tornam amigos. Creed se tornou o maior amigo da vida de Rocky.

A ajuda de Creed não é suficiente, pois Rocky continua desanimado, e aí entra a Adrian, que sempre funcionou como a grande motivadora dele. Adrian dá um sermão no marido e ele acorda pra vida. Então temos mais cenas de treinamento ao som Gonna Fly Now. Tá saindo da jaula o monstro!

Destaque para a atuação do Mr. T. que, mesmo sendo um ator muito carismático e que era querido pelas crianças, conseguiu passar uma verdadeira aura de cara revoltado e cheio de ódio. Ele tem um olhar ameaçador convincente e não respeita ninguém.

Quando acontece a luta, vemos que Rocky, ou melhor, Stallone, está na forma mais esbelta da sua carreira. Trincado e musculoso, porém leve, veloz. O ator realmente se dedicou a treinar boxe e se move como um ágil boxeador. 

Dessa vez ele resolve vencer pela inteligência, pois sabe que Clubber é um animal no ringue, então o provoca, fazendo com que ele perca a precisão. Clubber começa a errar os golpes e é a vez de Rocky dar uma saraivada de socos numa luta realmente empolgante.

O filme termina com Rocky e Creed sozinhos em um ringue de treinamento, brincando numa luta amistosa. E assim se conclui essa trilogia de maneira satisfatória. Começou com a rivalidade se formando entre os dois e terminou com eles brincando como velhos amigos. Décadas depois, no filme Creed, seria revelado que Apollo venceu esta luta secreta.

Nos anos 80 e 90, os filmes de luta se tornaram bastante comuns, mas a maioria deles ficava datada. Você olha para um filme do Van Damme, por exemplo, e reconhece que ele tem a cara de Sessão da Tarde. Não que seja ruim, mas ele passa essa impressão de que não parece tão bom quanto era originalmente, no auge da hype por esse gênero.

A trilogia Rocky, por outro lado, é atemporal. Ainda hoje é uma série formidável e com lutas empolgantes. Até que veio Rocky 4 (1985), totalmente contaminado pela fórmula passageira dos anos 80.

Rocky 4 (1985)

Rocky 4 (1985) é avacalhado. Já começa com uma das manias dos anos 80: robôs. A década de 80 foi a década dos Transformers, dos Comandos em Ação, do Robocop, do Short Circuit. Naquele tempo, um computador comum tinha um HD de apena 20 MB, os disquetes armazenavam 1,44 MB, a computação, a robótica e, principalmente, a Inteligência Artificial apenas engatinhavam, mas havia essa fantasia ingênua de que em breve as pessoas poderiam comprar robôs inteligentes.

Então no começo vemos Rocky dando de presente para Paulie um robô doméstico que parece ter uma IA mais viva que a Alexa dos dias de hoje. Também o antagonista, Drago, é um russo que treina orientado por tecnologia avançada, computadores monitorando seu corpo, etc. Pra completar esse clima futurista, temos a trilha sonora que inclui uma música synthpop genérica.

Drago é o oponente mais forte que já apareceu na franquia Rocky. Ele é surreal e literalmente sobre-humano. Há suspeitas de que ele seja produto de alguma espécie de engenharia genética ou um soro de super soldado ao estilo Capitão América. Seus socos têm uma força superior ao de qualquer humano.

O background da história é a Guerra Fria, em seus dias finais na década de 80. Rocky sempre foi uma franquia patriótica, mas de uma maneira discreta, orgânica. Rocky ilustrava o imigrante ou descendente de imigrantes que com trabalho duro alcança sucesso na América, a Terra das Oportunidades. Na luta contra Clubber, ele usa um calção com as listras da bandeira dos EUA, um presente de Creed. É o gesto emblemático para mostrar que Balboa é o símbolo do americano trabalhador.

Em Rocky 4, então, a franquia foi vendida explicitamente à propaganda política, o que era bastante comum no cinema até os anos 90 (depois disso a propaganda continuou presente no cinema, tanto para o lado da direita quanto da esquerda, geralmente de forma mais discreta, mas ocasionalmente também explícita). 

Dolph Lundgren; Rocky 4 (1985)
O personagem de Dolph Lundgren falava pouco, mas soltou algumas pérolas inesquecíveis como esta.

Drago (interpretado pelo gigante de 1,96 m Dolph Lundgren) chega aos EUA para mostrar a força da Rússia comunista. Ele é frio, lacônico, seus agentes são arrogantes e críticos da América. A América responde da sua maneira festiva, quando Creed resolve lutar contra Drago e faz uma apresentação com ares circenses, com dançarinas, James Brown e muita festa. A reação de Drago é a sua perpétua expressão pétrea e ameaçadora.

A luta é rápida, pois Drago esmaga Creed com seus socos superpotentes. Por orgulho, Apollo não deixa que joguem a toalha. Ele quer continuar apanhando, quer ter um fim de carreira no ringue, sentindo a adrenalina de uma grande disputa. Bom, ele tem o que deseja e toma um nocaute que o leva à morte.

Rocky é antes de tudo um personagem trágico. Ele começou na desgraça e escalou até o topo, mas sempre tem a sua tranquilidade interrompida por tragédias. Anteriormente perdeu seu treinador, Mickey, sua esposa já ficou em coma e agora ele perde seu grande amigo Creed.

Para vingar-se, ele topa viajar para a Rússia a fim de enfrentar Drago. Agora vemos a típica cena de treinamento dos dois oponentes. Drago treina aparentemente sem um coach, orientado só pelos computadores, usando aparelhos futuristas. Balboa se hospeda num casebre no meio da neve e faz um treinamento rudimentar, auxiliado pelo coach de Creed. 

Sylvester Stallone and Dolph Lundgren; Rocky 4 (1985)
Davi e Golias.

Dessa vez, em vez de usarem a clássica música de Bill Conti, colocaram o synthpop genérico, mais uma vez mostrando como esse filme fugia do estilo da primeira trilogia, tentando se modernizar e, por isso, ficando datado.

Existe uma segunda camada de luta simbólica. Não se trata apenas de Rússia contra Estados Unidos ou ocidente capitalista contra oriente comunista. Rocky representa o ser humano, com sua força de vontade e coração; Drago é a máquina, fria e cruel. Drago lembra o Terminator, cujo filme fora lançado um ano antes.

Ironicamente, após os primeiros rounds, quando Balboa vai aos poucos se adaptando e resistindo à força de Drago, é Drago quem comenta que Rocky não parece humano, que parece uma máquina, enquanto o coach de Rocky diz o contrário sobre Drago: "ele não é uma máquina", ou seja, ele pode ser ferido. 

A grande ironia acontece quando, após a vitória, Rocky faz um discurso diante da plateia e dos políticos russos, um discurso com certas indiretas à história comunista, pois ele diz: "É melhor que 2 morram aqui lutando do que 20 milhões", referência ao número de russos mortos durante o governo Stalin. Para tornar esse cenário ainda mais surreal, os políticos e a plateia se levantam e aplaudem, convencidos pela mensagem unificadora de um americano.

Brigitte Nielsen; Rocky 4 (1985)

Uma curiosidade. A esposa de Drago, Ludmilla, que aparenta ser tão ou mais fria que ele, foi interpretada por Brigitte Nielsen, que naquele mesmo ano foi a protagonista de Red Sonja (1985), um spin-off da franquia Conan, e também acabou casando com Stallone. O casamento, porém, só durou 19 meses. A atriz retornou à franquia em 2018, em Creed 2.

A séria e fria Ludmilla surpreende com uma das melhores cenas cômicas deste filme, quando em uma coletiva ela é questionada sobre a força absurda de Drago e responde que ele come espinafre todo dia:

"Ludmilla : Ivan is naturally trained.
Jornalista: Then how do you account for his freakish strength?
Ludmilla : Like your Popeye, he ate his spinach every day."

Rocky 5 (1990)

Em Rocky 5 (1990) vemos a consequência da luta contra Drago. Balboa sofreu danos cerebrais e dessa vez terá mesmo que se aposentar. Para piorar a situação, ele foi vítima de um golpe de seu contador e foi à falência. 

Eis que ele conhece e jovem e promissor Tommy Gunn (interpretado por Tommy Morrison, que de fato era pugilista na vida real). Empolgado com a dedicação de Tommy, Rocky resolve ser o seu treinador e rapidamente desenvolve uma relação paternal, a ponto de deixar um pouco de lado o próprio filho, que está passando pela adolescência.

Tommy vence luta após luta, graças à zelosa orientação de Rocky, até que é recrutado pelo ambicioso e ardiloso promoter George Washington Duke, que envenena o garoto contra seu treinador. Tommy segue carreira distante de Rocky e se mostra bastante ingrato e insensível, partindo o coração do velho Balboa que acreditou que o sentimento dele por Tommy era recíproco.

O desrespeito de Tommy chega ao auge quando ele, mais uma vez incitado por Duke, procura Balboa em um bar e o chama para uma briga de rua. Balboa só topa depois que Tommy agride Paulie. O resultado é previsível: mesmo apanhando um pouco e prejudicado pelo dano cerebral, Rocky dá uma surra humilhante no garoto arrogante.

Rocky 5, portanto, foge da fórmula dos quatro filmes anteriores, pois agora Balboa está realmente aposentado e não sobe mais no ringue. A única luta em que se envolve é essa briga informal no meio da rua, com as mãos nuas, onde ele mostra que não é só bom de boxe, mas também é badass na briga de rua.

Esse filme na verdade focou mais na relação entre Rocky e seu filho. Rocky Jr. apareceu pela primeira vez no quarto filme, sendo interpretado por Angelo Bruno Krakoff, que ficou tão associado ao papel que até adotou o nome artístico de Rocky Krakoff (mas não teve uma carreira muito promissora depois disso).

Em Rocky 5, é o próprio filho de Stallone, Sage Moonblood Stallone, quem assumiu o papel do garoto, agora adolescente, com brinquinho na orelha, problemas com bullying na escola e ciúmes de Tommy, quando este se tornou o pupilo querido do pai. Assim acompanhamos a crise e reconciliação de Rocky com seu filho. Adrian desta vez é uma personagem apenas de fundo, com poucas cenas de diálogo.

Sylvester Stallone and Michael B. Jordan; Creed 2 (2018)

Ao longo de sua vida, Stallone teve 5 filhos e seus nomes revelam uma curiosa preferência dele pela letra S: Sage, Sistine, Seargeoh, Scarlet e Sophia. Sage faleceu em 2012 por problemas cardíacos. Aliás, a mania de Stallone com nomes não é apenas pela letra S, mas pela aliteração, algo que lembra a famosa fórmula de Stan Lee para nomear seus personagens. Em Creed 2, Rocky até brinca com Adonis, sugerindo que nomeie sua filha como Cate Creed, de modo a seguir essa fórmula das letras repetidas. Foi uma piada interna se referindo ao próprio Stallone e seus filhos.

Rocky Balboa (2006)

Rocky 6 (2006), cujo título na verdade é Rocky Balboa, só vem 16 anos depois e obviamente com um ar mais nostálgico. Rocky finalmente é um idoso (Stallone estava com 60 anos) e financeiramente estabilizado, pois possui um restaurante (que leva o nome de Adrian) e diverte-se relembrando suas lutas para os clientes.

A grande derrota de sua vida, porém, foi a morte de Adrian, que ele tem dificuldade em superar. Este evento catalisou nele o desejo de voltar a lutar. Enquanto isto, o mundo do boxe é bem diferente daquele dos tempos dourados de Rocky. O campeão do momento é o jovem Mason Dixon, que não tem o mesmo carisma de Balboa. 

Eis que o empresário de Dixon resolve promover uma luta entre o jovem campeão e o velho Rocky, uma luta amistosa, só pelo show. Dixon a princípio não vê Balboa como um desafio e promete pegar leve, afinal está lutando contra um ancião. Rocky, por outro lado, sempre levou a sério todas as suas lutas e desta vez não seria diferente. Ele entra no ringue disposto a lutar pra valer.

Sylvester Stallone; Rocky Balboa (2006)

A princípio rola um draminha de pai e filho, quando Rocky faz o discurso que se tornou mais famoso em toda a sua história, quando ele compara a vida ao boxe e diz que o importante é você suportar os golpes da vida, já que nada vai bater mais forte que ela. Stallone motivacional.

Seguindo a clássica fórmula da franquia, temos as cenas de treinamento do lutador. Curioso que dessa vez nem mostram o treinamento dos dois adversários, mas só de Rocky. Agora ele é um coroa, mas um coroa do tamanho de um armário, maior do que nunca. Já não tem a velocidade e flexibilidade da juventude, então seu treinamento irá focar só numa coisa: a força. Tá saindo da jaula o monstro!

Enfim acontece a luta e Rocky obviamente conta com a massiva torcida do público. Ele mais uma vez em sua carreira é o underdog, pois agora tem a velhice como desvantagem, mas ele mostra a que veio e oferece a Dixon a luta mais difícil de sua carreira.

Sylvester Stallone and Antonio Tarver in Rocky Balboa (2006)

No final, ambos terminam em pé. Não há nocaute, mas a luta foi pau a pau e Dixon vence na pontuação, mas é claramente Rocky quem ficou com a vitória honorária, sendo aplaudido pelo público e, mais importante, ele sente que finalmente pôs pra fora o que ele chama de "beast", as suas mágoas e frustrações, o luto pela perda de Adrian está completo.

Durante os créditos são exibidas imagens de pessoas comuns subindo a escadaria do Museu de Arte de Filadélfia, um lugar hoje conhecido como os Degraus de Rocky. Esta cena se tornou um fenômeno cultural. Rocky é um fenômeno cultural.

Creed (2015)

A franquia Rocky definitivamente encerrou no sexto filme, mas eis que, uma década depois, teve início o filho dela, o spin-off Creed (2015), que expande o rockyverso e sua mitologia. Adonis Creed é o filho de Apollo Creed, aquele que foi o mais memorável e honorável adversário (e melhor amigo) de Rocky.

Em Creed o ciclo recomeça. Mesmo sendo filho do mítico Apollo, ele agora é o underdog, como Rocky era no início de carreira. Essa nova série homenageia a franquia Rocy de uma forma poética, por meio de rimas. Rocky, que foi adversário de Creed, se torna treinador de seu filho. No segundo filme (2018), Adonis Creed enfrenta Viktor, o filho de Drago, que foi quem matou Apollo no ringue.

Creed 2 (2018)

Esta luta de Adonis contra Viktor Drago não é simplesmente vingança, é a pura justiça poética. Durante a luta contra Drago, em Rocky 4, Apollo foi massacrado, mas ele insistiu que não jogassem a toalha. Ele queria ir até o fim. Acabou tendo a morte dos guerreiros, em plena luta.

A justiça poética se dá em Creed 2, quando Adonis está dando uma bela de uma surra no filho e pupilo de Drago. Dolph Lundgren, que não é lá um ator supimpa, conseguiu muito bem transmitir em seu rosto a angústia de um pai vendo seu filho ser massacrado. Drago, que na juventude era uma máquina sem sentimentos, agora é redimido enquanto vilão ao demonstrar humanidade. Não suportando ver o filho nesse estado, ele joga a toalha, a primeira vez que isto acontece em uma luta do rockyverso.

Dolph Lundgren; Creed 2 (2018)
"Parem de bater no meu filhote, eu imploro".

Apollo morreu nas mãos de Drago porque não jogaram a toalha e agora, na luta entre os filhos de Apollo e Drago, é Drago quem joga a toalha. Não tem como eu deixar isso mais enfático. Foi uma bela justiça poética.

Os finais das lutas no rockyverso têm essa peculiaridade. Diferente de filmes de luta genéricos que sempre terminam no óbvio nocaute, em Rocky e Creed o resultado é variado, como na vida real: tem nocautes, empates, vitórias por pontos e até o jogar da toalha. Desta forma, o fim das lutas se torna sempre imprevisível. 

Outro detalhe importante é que a vitória oficial é o menos importante. No rockyverso, o que importa é a vitória subjetiva do personagem, seja a superação de seus medos, o respeito que ele ganha do público ou a catarse de sentimentos diversos, como quando Rocky lutou já idoso só para enfrentar o luto pela sua esposa. Ele perdeu aquela luta, mas venceu a sua jornada íntima.

Apollo perdeu para Drago, não só a luta, mas a vida, mas saiu vitorioso em um sentido heroico. Lá no primeiro filme, Rocky perdeu para Apollo, mas foi vitorioso em seu objetivo de suportar a surra até o fim. Essa lição é desde o início repetida, é a grande lição de Stallone: a sua luta não é contra os outros, mas contra si mesmo. E sua vitória idem.

Em Creed, Rocky passa o bastão para a nova geração, um novo lutador, fazer sua própria história, mas essa nova franquia continua a desenvolver o longo arco da vida e carreira de Balboa. Ao longo de todas estas décadas e filmes, Rocky foi de lutador iniciante a campeão e de campeão a aposentado e empresário, casou-se, teve filho e conheceu o luto.

Em Creed, Rocky já está bastante idoso e sua luta é contra um câncer. Quanto à sua carreira no boxe, ele chega à fase final, tornando-se treinador, e um treinador de sucesso, com um bom discípulo (diferente do ingrato e problemático Tommy, de Rocky 5). Na vida pessoal, agora ele é avô.

O carinho pela história do personagem é tal que se nota em detalhes. Desde o primeiro filme, lá na década de 70, Rocky tem o hábito de andar com uma bolinha. Eis que em Creed 2, quando ele visita o filho e conhece o neto, a criança vê a bolinha e chama o avô pra brincar com ela.

Todos os seis filmes da série Rocky tiveram roteiro do próprio Stallone, que não só atuou e escreveu como também dirigiu quatro dos seis, com exceção de Rocky 1 e 5, dirigidos por John G. Avildsen, também diretor de outra franquia de luta famosa dos anos 80, Karate Kid. É a grande obra da vida de Stallone, para a qual ele se dedicou de corpo e alma.

Creed 3 (2023), por sua vez, nada tem a ver com a franquia. É como se fosse mesmo um filme à parte. Dirigido pelo próprio Michael B. Jordan, não teve a presença do Stallone nem mesmo em flashback e também ele não participou do roteiro. A única homenagem a Rocky é uma referência aqui e ali à música clássica da franquia. Creed 3 simplesmente se desligou de Rocky, como um filho desgarrado.

Rocky é agora um fenômeno cultural, um ícone da cultura pop. Ele é uma inspiração para atletas, pugilistas ou pessoas comuns que se inspiram nas músicas de cenas de treinamento para malhar na academia. A mensagem de vida que ele passa vai além do esporte e da malhação. Ele é um exemplo de resiliência, de sobrevivência diante das tragédias da vida. Um dos melhores personagens trágicos já feitos no cinema.

Notas:

A longa e lucrativa franquia Velozes e Furiosos

The Fast and the Furious (2001)

Fast & Furious é uma das franquias de ação mais bem sucedidas e de vida longa no cinema. Ao longo de duas décadas, rendeu 10 filmes (sendo um spin-off e o nono virá em 2021) e cerca de 6 bilhões de dólares em bilheteria. Já é parte da cultura pop e o maior ícone do gênero de filmes voltados à paixão por carros e velocidade. 

Vin Diesel and Paul Walker; The Fast and the Furious (2001)
O início de um longo bromance.

Os primeiros três filmes se limitam à temática dos rachas de carro, explorando essa subcultura de aficionados por máquinas tunadas e estilosas. É tudo sobre ser descolado e habilidoso para ganhar o respeito da comunidade e faturar uma grana nas corridas. A polícia aparece como um estraga prazeres ocasional, já que as corridas são ilegais. 

O primeiro filme (2001) desenvolve uma dupla de rivais, protagonizada por Vin Diesel (Dom) e Paul Walker (Brian, conhecido em um meme como "É o Braia"), que têm uma interessante relação complicada que começa como antipatia, se transforma num bromance e entra em crise quando Dom descobre que Brian é um infiltrado da polícia. Termina, porém, com a redenção da relação, quando Brian deixa Dom fugir. 

Eva Mendes; 2 Fast 2 Furious (2003)

Eva Mendes; 2 Fast 2 Furious (2003)

No segundo filme (2003) não tem Vin Diesel e agora a dupla de protagonistas (Paul Walker e Tyrese Gibson) tem uma relação amistosa estilo "dois caras tendo aventuras", como um Bill e Ted ou os Bad Boys. 

Enquanto o filme original se tornou um respeitável clássico do gênero de ação e corrida, o segundo teve duas indicações ao Framboesa de Ouro como Pior Refilmagem ou Sequência e Pior Desculpa para Fazer um Filme. Pelo menos teve a Eva Mendes para encantar os olhos. 

The Fast and the Furious: Tokyo Drift (2006)

O terceiro filme (2006), com o subtítulo Tokyo Drift, inseriu um elemento diferente. Agora em vez das corridas se basearem puramente em velocidade e nos explosivos motores de nitro, o negócio é dominar a arte do drift, a manobra em pistas estreitas e com muitas curvas. 

Esta sequência nem mesmo teve Paul Walker ou Vin Diesel, mas um ator genérico que nem lembro o nome. Parece mais um spin-off do que uma continuação da série. 

Vin Diesel and Paul Walker; Fast & Furious (2009)
The brothers are back.

No quarto filme (2009) a franquia finalmente retorna aos trilhos (ou melhor, à pista) e pode ser considerado a verdadeira continuação do primeiro (pode fingir que os outros dois não existiram). Temos de volta a dupla original de atores, além da Michelle Rodriguez (Letty) e Jordana Brewster (Mia). 

Uma importante modificação foi feita no estilo da história: em vez de se tratar apenas de competições de carros, agora a coisa escalou para crime e perseguição. O filme já começa com Dom e sua equipe assaltando um caminhão de combustível em pleno movimento, bem estilo Mad Max. Agora eles usam a velocidade para o crime e enfrentam situações surreais. 

A reação do público foi boa e essa nova maneira de abordar corridas de carros foi adotada e explorada cada vez mais absurdamente nos filmes seguintes. Fast & Furious deixou de ser uma série sobre rachas nas ruas do subúrbio e virou uma espécie de Missão Impossível ou gênero de super-heróis do volante, fazendo manobras absurdas em situações extremas. Um show de ação nonsense, do jeito que todo mundo gosta. 

Ah sim, e no quarto filme temos a estreia da deusa maravilha Gal Gadot (que não é lá muito boa na atuação, convenhamos, mas é ótima na ação). 

This is Brazil; Fast Five (2011)

The Rock and Vin Diesel; Fast Five (2011)

Fast Five (2011)

No quinto filme (2011) tem o Dwayne Johnson como sempre roubando a cena com sua presença de dois metros de largura. A história se passa no Rio de Janeiro, o que rendeu o famoso meme do "This is Brazil". 

Gal Gadot; Fast Five (2011)
Gal Gadot, para nossa alegria.

Gal Gadot; Fast Five (2011)

Também tem algumas cenas memoráveis: a Gal Gadot desfilando de biquini, a luta entre Vin Diesel e o The Rock (afinal, quando brucutus se encontram em um filme, tem que rolar uma pancadaria) e a insana cena de perseguição final em que o Dom sai arrastando um enorme cofre nas estradas brasileiras, esmagando carros como uma maça de demolição. 

Fast & Furious 6 (2013)

O sexto filme (2013) começa exatamente onde o anterior terminou, com Dom e Brian disputando uma corrida. O clipe de abertura faz uma retrospectiva com cenas dos filmes anteriores, deixando claro uma coisa: agora essa franquia é de fato uma série. Não é trilogia, não é tetra ou pentalogia, é uma série de filmes que potencialmente nunca terá fim, como Missão Impossível ou 007. 

De fato nesta sequência eles se aproximam ainda mais de Missão Impossível. Agora Dom e seus amigos se reúnem com o Hobbs (Dwayne Johnson) para caçar um grupo de mercenários. As cenas de perseguição não se resumem mais a velocidade, manobras e batidas de carro, mas também tecnologia avançada, gadgets que hackeiam veículos e até um fucking tanque correndo em meio aos carros e esmagando tudo no caminho. 

Nesse momento o Dom vira super-herói e salta do carro em movimento pra agarrar a Letty em pleno ar, enquanto o tanque capota. Mas calma que tem mais. No fim os carros perseguem um avião, rola um quebra pau dos brucutus dentro do avião, o avião explode e depois de um momentinho de suspense clichê o Vin Diesel aparece vivo em meio às chamas e destroços do avião. 

Final feliz, a "família Toretto" tem tooodos os crimes perdoados e vão morar numa casinha onde o filme termina com a turma fazendo uma oração à mesa, numa pacata vida de família. Parece um fim definitivo para a franquia, certo? A aposentadoria dos guerreiros. A conclusão do ciclo de aventura dos heróis.

Furious 7 (2015)

Só que não. No sétimo filme (2015) a turma está de volta e mais ainda com cara de grupo de super-heróis. Recrutados pelo Hobss, Dom, Brian, Letty e toda a equipe vão encarar o Jason Stathan. Os dois momentos mais insanos são o Dom saltando com um carro através das vidraças de três arranha-céus (sim, três arranha-céus) em Abu Dhabi. 

Depois eles saltam de paraquedas de um avião. Tá e daí? E daí que eles saltam com os carros. Imagina meia dúzia de carros tunados descendo de paraquedas na pista. Tudo é possível nessa franquia. 

Furious 7 (2015)

Aí no finalzinho é claro que rola um quebra pau entre o Vin Diesel e o Jason Statham, pois o Dom agora não é só um piloto habilidoso, mas um lutador de briga de rua. E para aumentar ainda mais o nível de brucutuzice do filme, temos o Hobbs ajudando o Toretto com uma torreta (pun intended). 

The Rock; Furious 7 (2015)

Mas pera que ainda tem mais. Pra terminar esse show de brucutus, carros e explosões, o Dom salta com o carro de um prédio e acerta raspando um helicóptero em pleno ar, mas quem finaliza é o Hobbs que atira no helicóptero com uma pistola e obviamente o troço inteiro explode porque filme de ação bom é assim: você atira num veículo com uma pistola e ele explode. 

The Fate of the Furious (2017)

Vin Diesel and Charlize Theron; The Fate of the Furious (2017)

O oitavo filme é intitulado The Fate of the Furious (2017). É, a organização dos títulos dessa série é uma bagunça. Alguns trazem a numeração (2 Fast 2 Furious, Fast Five, Fast & Furious 6, Furious 7, F9), outros não (The Fast and the Furious, The Fast and the Furious: Tokyo Drift, Fast & Furious, The Fate of the Furious). A novidade é a presença da Charlize Theron. 

A triste "novidade" é a ausência do Paul Walker. Numa das ironias da vida, o ator morreu em um acidente de carro em 2013, logo após o lançamento do sexto filme. Na sequência de 2015 ele ainda estava presente, tanto que no final é feita uma homenagem póstuma ao ator, numa cena de despedida que marcou o fim da parceria Vin Diesel e Paul Walker para sempre. 

Vin Diesel and Paul Walker; The Fate of the Furious (2017)

Apesar da tragédia, a série tenta continuar. Além do oitavo filme, veio um spin-off intitulado Fast & Furious Presents: Hobbs & Shaw (2019), focando na dupla interpretada por Dwayne Johnson e Jason Statham. 

Fast & Furious Presents Hobbs & Shaw (2019)
Uma sequência muito legal no início de Hobbs & Shaw, mostrando o contraste entre os dois personagens.

Dwayne Johnson and Vanessa Kirby; Fast & Furious Presents Hobbs & Shaw (2019)

Vanessa Kirby; Fast & Furious Presents Hobbs & Shaw (2019)

Vanessa Kirby; Fast & Furious Presents Hobbs & Shaw (2019)

Hobbs & Shaw é bom demais para ser apenas um spin-off. Possui uma combinação perfeita de ação, pancadaria, acrobacias absurdas com carros e humor. Não fica em nada atrás dos melhores filmes da série Fast & Furious e deixa umas pontas para uma merecida continuação. The Rock e Stathan têm uma boa sinergia, complementada pela bela e badass Vanessa Kirby. 

Fast & Furious Presents Hobbs & Shaw (2019)
Uma das boas piadas do filme. Para zoar o Hobbs, Shaw coloca o nome dele como Mike Oxmaul, que em inglês se pronuncia como "my cock is small". O tradutor brasileiro muito adequadamente encaixou a famigerada piada do Tomas Turbando.

Em 2019, a Netflix lançou uma série animada, Fast & Furious Spy Racers. Quanto à continuação dos filmes, intitulada simplesmente F9, está programada para 2021. 

Fast & Furious 9 (2021)

Edição em fevereiro de 2024

Bom, é hora de atualizar este post que escrevi em 2021. Agora temos o nono filme intitulado F9: The Fast Saga (2021) que adiciona uma prequela à franquia, mostrando a juventude de Dom, com seu irmão Jakob e seu pai Jack. Após a morte de Jack durante uma corrida, Dom e Jakob se desentendem e cada um segue seu caminho. Décadas depois, acontece o acerto de contas e as pazes. Jakob é interpretado pelo John Cena.

Charlize Theron; Dumb Rick

A Charlize Theron está de volta como vilã e por algum motivo resolveram fazer um corte de cabelo muito estranho nela, ao estilo Dumb Rick. Acho que ela devia estar pagando alguma prenda com os colegas pra aceitar esse corte.

Fast X (2023)

Chegamos ao décimo filme, Fast X (2023). A franquia se mostra ainda viva e com energia para continuar indefinidamente. Todo o elenco dos filmes anteriores (com exceção do Paul Walker, obviamente) está de volta, numa grande homenagem à franquia. Até a Gal Gadot apareceu em uma breve pontinha pra deixar seu sorriso e o The Rock ficou para uma cena pós créditos.

A novidade no elenco é o brucutu Alan Ritchson (que ultimamente tem se destacado na série Reacher) e o Jason Momoa que encarna o antagonista Dante, um vilão extremamente caricato, cheio de trejeitos tão pitorescos que só tornam o personagem ainda mais memorável e carismático. Momoa roubou a cena neste filme.

Jason Momoa; Fast X (2023)

A atuação de Momoa rendeu algumas críticas por parte do público, pois eu digo que estas pessoas realmente não entendem a natureza da franquia Fast & Furious. É preciso ligar a suspensão de descrença e desligar a seriedade. Com exceção do primeiro filme, que tinha um tom bem diferente, os demais foram abraçando a galhofa, o exagero, a caricatura de filme de ação dos anos 90 e esta foi a fórmula do sucesso.

A quantidade de absurdos e coisas inexplicáveis neste filme parece bem maior que nos anteriores e parece intencional. Em certa cena, por exemplo, a turma do Dom precisa de muito dinheiro pra conseguir uns equipamentos e eis que do nada o Roman abre a camisa e tem um monte de notas amarradas no corpo. Por que ele anda com todo esse dinheiro? Explicações são desnecessárias.

Em outra cena, eles visitam o Shaw, que está esmurrando um saco de pancadas. O saco cai no chão e de dentro dele sai um cara seminu, que simplesmente sai correndo e nenhuma explicação é feita sobre isto. Explicações são desnecessárias.

Também desnecessário é falar como as cenas de corrida são absurdas, afinal, nesta franquia não só os pilotos têm habilidades sobre-humanas, como os próprios carros têm uma resistência e um poder de dobrar as leis da física. Fast & Furious é uma franquia de super heróis.

Fast X termina com um cliffhanger, deixando uma ponta aberta para a continuação no próximo filme.

Fast & Furious se tornou uma das franquias mais lucrativas de todos os tempos. O primeiro filme teve um modesto (para os padrões de Hollywood) orçamento de 38 milhões de dólares e rendeu bilheteria de 207 milhões. Ao todo temos: 

The Fast and the Furious: 38/207
2 Fast 2 Furious: 76/236 milhões 
The Fast and the Furious: Tokyo Drift: 85/158 milhões 
Fast & Furious: 85/363 milhões 
Fast Five: 125/626 milhões 
Fast & Furious 6: 160/788 milhões 
Furious 7: 190/1,5 bilhão 
The Fate of the Furious: 250/1,2 bilhão 
Fast & Furious Presents: Hobbs & Shaw: 200/759 milhões 
F9: The Fast Saga: 225/726 milhões
Fast X: 340/714 milhões

Somente o desastrado terceiro filme, que nem contou com Vin Diesel ou Paul Walker, chegou perto do fracasso, com uma baixa margem de lucro, já que custou 85 milhões e rendeu apenas 158 milhões no mundo todo. A partir do quarto filme, porém, o sucesso foi escalando, chegando no auge em um bilhão e meio no sétimo filme, o último que contou com a presença de Paul Walker. No oitavo ainda continuou na casa do bilhão e até o spin-off rendeu mais do que os três primeiros filmes somados. O custo total de produção de toda a obra ficou em torno de 1,7 bilhão de dólares e arrecadou mais de 7 bilhões! 

Além de tudo isso, também foram lançados vários jogos de video game, bem como alguns brinquedos e dois curtas: The Turbo Charged Prelude for 2 Fast 2 Furious (2003) e Los Bandoleros (2009).

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