Assim como o primeiro Rambo (1985)¹ foi o precursor do cinema de ação dos anos 90, o primeiro Rocky (1976) foi o precursor dos filmes de luta dos anos 90. Só que o primeiro Rocky não se trata só de luta. A luta e a carreira de pugilista do personagem são apenas o plano de fundo de uma história focada em pessoas.
Rocky é um drama bastante humano, com personagens verossímeis e humanizados, com defeitos, quebrados, incoerentes. O principal deles, o próprio Rocky, não é um herói nos moldes clássicos. Não é um cara nobre e abençoado pelo sucesso.
No começo do filme ele já é um lutador veterano que nunca alcançou a glória e parece mesmo que vai se aposentar sem nunca ter um sucesso significativo. Gênios se destacam logo na juventude, se tornam uma revelação na carreira. Rocky nunca se destacou, sempre viveu à margem no mundo do pugilismo. O treinador de sua academia, Mickey, dá-lhe pouca importância, ou melhor, o despreza como um caso perdido.
O próprio Rocky diz que a luta para ele é apenas um hobby e ele ganha a vida fazendo bicos como capanga da máfia, cobrando devedores. Ele é um homem bruto, de pouca inteligência, até mesmo a maneira como ele insiste em cortejar a tímida Adrian não parece a atitude de um herói, mas de um cara rude. O filme não está interessado em desenhá-lo como um modelo de virtude (sem contar que Stallone não era considerado um galã e estava longe do padrão necessário para protagonizar o mocinho de um filme).
Igualmente o treinador não é o melhor exemplo de mestre. Não é um sábio iluminado que pretende aprimorar seu discípulo motivado pelo puro amor socrático. Mickey desprezou Rocky como um lutador medíocre e só se interessou por ele quando, por pura sorte, foi escolhido pelo famoso Apolo Creed para ser seu adversário. Aí o velho viu uma oportunidade de fazer uma grana numa luta contra uma celebridade do boxe.
O colega de Rocky, Paulie, é ainda mais rude, um bebum grosseiro que está sempre humilhando a irmã, Adrian. Adrian parece ser a personagem mais pura, sem maldades, sem escrotices. No começo ela hesita bastante diante das cantadas do Rocky, mas acaba cedendo e se tornando uma gentil companheira.
Quanto ao grande adversário, Creed, nem mesmo se parece com um vilão ou antagonista típico. Não é um cara malvado ou odiável. Ele se apresenta no ringue com um jeito meio palhaço, é um showman, quer gerar audiência, encantar o público.
Mas Creed é um grande lutador, com um histórico de vitórias rápidas. Diferente de Rocky, ele é de fato um gênio da luta. É o rei do nocaute. Rocky vai para a luta convicto de que não tem chance contra este poderoso adversário e sua esperança é apenas permanecer em pé até o último round, o que pra ele já será o maior feito de sua carreira.
E é o que acontece. Rocky se torna um saco de pancadas e é neste momento que ele se transforma em herói. Sua virtude heroica é a resistência. Ele não tem a força nem a técnica de Creed. Tudo o que ele tem é a disposição de continuar apanhando sem desistir. Assim, Rocky se torna uma metáfora para uma lição de vida: o importante na vida não é ganhar ou ser o melhor, mas insistir e não desistir, suportando as pancadas que a vida dá.
Não à toa, décadas depois, o mangá Naruto trouxe um personagem chamado Rocky Lee que é claramente inspirado em Rocky, não só no nome, mas na mensagem que ele passa: ele não é um gênio, não é naturalmente talentoso, mas se superou pelo esforço, pela força de vontade.
O filme tem quase duas horas, sendo que a maior parte disso se passa de maneira lenta, morosa, desenvolvendo o relacionamento dos personagens. A grande luta só ocorre durante os últimos 15 minutos e muda totalmente o ritmo da história. A música vai se tornando mais épica e a cada round Rock se engrandece, à medida em que seu corpo fica cada vez mais machucado, seu rosto desfigurado, e ele não para de lutar.
No 15° e último round, acontece a virada do underdog. Como um personagem de anime, Rocky, que apanhou como um condenado, agora finalmente dá uma surra no adversário e surpreende a todos. Os juízes acabam dando vitória técnica para Creed, merecida, já que ele dominou em todos os rounds menos o último.
Rocky, porém, foi vitorioso em sua saga pessoal, alcançou a sua meta de permanecer em pé até o final e, quando soou o sino pela última vez, ele nem se importava com as câmeras e microfones, só queria o abraço de Adrian e voltar para casa com ela.
Rocky 2 (1979) começa recapitulando a épica luta do filme anterior. De repente ele se torna rico e famoso, compra carro, apartamento, pede Adrian em casamento. Parece ir tudo bem. Logo, porém, ele entra em decadência.
Rocky pretende se aposentar do ringue, procura outro emprego, vira carregador de carne em um açougue, até ser demitido. Agora sua esposa está grávida e ele tem que dar um jeito de ganhar a vida. Para ela é simples: ela quer voltar a trabalhar no pet shop e ele pode arranjar algum emprego comum. O problema, porém, não é esse. Rocky sabe que pode se virar, conseguir se sustentar, mas ele já não está mais satisfeito com isso. Quer dar o melhor para a família. Sua única opção é voltar a lutar.
Acompanhamos então várias cenas de treinamento de Rocky e Apollo Creed. Creed conta com todo um aparato profissional de alto nível, enquanto Balboa faz um treinamento rústico, correndo atrás de galinha, levantando tora, um precursor do crossfit. No primeiro filme, aliás, ele começou esmurrando carcaças de vaca num açougue.
Diferente da primeira vez em que foi desafiado por Creed, Rocky agora não parece tão motivado a treinar. Sua vontade de se aposentar e levar uma vida de pai de família esfria o seu interesse pela luta. Ele já não está mais na forma da juventude, tem a visão de um olho prejudicada e, pra piorar ainda mais, Adrian entra em coma após o parto.
O martírio termina quando Adrian desperta e, com confiança, olha para Rocky e diz: "Vença a luta". Era o que ele precisava ouvir. Finalmente ele conta com o apoio moral dela nessa saga e agora ele se dedica intensamente aos treinos.
Na noite do duelo, há uma cena curiosa: Rocky já está bastante atrasado, mas ele para na igreja no meio do caminho e acorda o padre para pedir uma bênção, enquanto isso Creed está se aquecendo e totalmente focado. Ao chegar no estádio, Rocky já vai direto pra luta sem nem mesmo fazer o aquecimento.
Diferente da luta anterior, em que Rocky apanhou como um condenado, desta vez o combate é claramente de igual pra igual. Os dois parecem estar no mesmo nível e isto se mostra no momento final em que ambos são nocauteados ao mesmo tempo (o que me lembra a luta do Superman contra Doomsday que termina em nocaute duplo).
Agora vemos um inesperado desfecho da luta. Não ganhará aquele que bateu mais ou que nocauteou o adversário, mas o que conseguir se levantar do chão. Apollo e Rocky rastejam e se agarram nas cordas tentando levantar e só o Rocky consegue essa proeza, finalmente vencendo a luta.
No final, toda hostilidade que havia entre eles, principalmente por parte do orgulhoso Creed, foi transformada em respeito mútuo. Rocky agradeceu a seu adversário e Apollo aceitou com respeito a derrota. Um final digno.
Rocky 3 (1982), assim como Rocky 2, começa recapitulando o filme anterior e não para por aí. Rocky finalmente alcançou a glória e permanece nela, de modo que vemos ele vencendo diversas lutas para manter o título. Ao mesmo tempo, vemos também um lutador misterioso vencendo luta após luta para subir no ranking. Ele está seguindo rumo ao topo para desafiar Rocky. Seu nome começa a aparecer nos jornais: Clubber Lang (interpretado pelo icônico Mr. T.).
A grande música-tema de Rocky é a épica Gonna Fly Now, de Bill Conti. É um verdadeiro clássico, uma das músicas mais marcantes do cinema e até hoje usada em treinamentos como tema motivacional. Em Rocky 3 surge uma nova música que será a segunda mais importante da franquia: Eye of the Tiger, da banda Survivor.
Rocky agora ocupa o lugar de Apollo. Seu rosto está em toda parte, nas capas de revistas, em brinquedos, até erigiram uma estátua em sua homenagem. Ele rapidamente pega gosto por essa nova vida, gosta de tirar fotos e interagir com os fãs.
Ele até participa de uma luta "amistosa" contra um lutador de luta livre, Thunderlips (interpretado pelo icônico Hulk Hogan). O cara é um gigante e vira full berserk durante a luta, literalmente jogando Rocky para um lado e para outro como se fosse um boneco. Rocky enfim sobrevive a esse show bizarro.
Então ele resolve anunciar sua aposentadoria, algo que ele tenta desde o primeiro filme, mas mais uma vez alguém aparece para impedi-lo. Clubber Lang o desafia em público, o insulta, até dá uma cantada grosseira em Adrian, e aí Rocky fica puto e resolve defender o título mais uma vez.
Mickey revela que as dez lutas em que Rocky defendeu o título até então foram facilitadas. Não que fossem combinadas, mas os adversários foram escolhidos, foram lutadores que não estavam à altura dele. Clubber, por outro lado, era um monstro que esmagava todos no caminho. Claramente Rocky não teria uma luta fácil.
Então vemos algo que já é tradição na franquia: as cenas de treinamento. De um lado Rocky treina num salão que ele transformou em parque de diversão, cheio de gente tirando foto e pedindo autógrafo, de outro Clubber treina sozinho e focado.
A luta é extremamente rápida. Clubber atropela Rocky já no primeiro round. Mickey estava no vestiário passando mal, pois sofria do coração e tinha levado um empurrão de Clubber antes da luta. Rocky estava sozinho no ringue, sem seu coach, desnorteado. No começo do segundo round ele perde a luta em um rápido nocaute.
Ele encontra Mickey convalescente e que termina morrendo em seus braços. Esse é Rocky, um personagem trágico. Quando estava tudo bem, eis que apareceu um nêmesis que lhe tirou a paz e foi até o causador indireto da morte de Mickey.
Rocky entra em crise, mas desta vez aparece uma ajuda inesperada: Apollo Creed se oferece para treiná-lo. Ele chega com um papo de ter o "olho do tigre" (óbvia referência à nova música-tema) e temos mais cenas de treinamento, agora com a dupla Rocky e Creed, que desenvolve um verdadeiro bromance. Os dois são como personagens de anime que começam rivais e se tornam amigos. Creed se tornou o maior amigo da vida de Rocky.
A ajuda de Creed não é suficiente, pois Rocky continua desanimado, e aí entra a Adrian, que sempre funcionou como a grande motivadora dele. Adrian dá um sermão no marido e ele acorda pra vida. Então temos mais cenas de treinamento ao som Gonna Fly Now. Tá saindo da jaula o monstro!
Destaque para a atuação do Mr. T. que, mesmo sendo um ator muito carismático e que era querido pelas crianças, conseguiu passar uma verdadeira aura de cara revoltado e cheio de ódio. Ele tem um olhar ameaçador convincente e não respeita ninguém.
Quando acontece a luta, vemos que Rocky, ou melhor, Stallone, está na forma mais esbelta da sua carreira. Trincado e musculoso, porém leve, veloz. O ator realmente se dedicou a treinar boxe e se move como um ágil boxeador.
Dessa vez ele resolve vencer pela inteligência, pois sabe que Clubber é um animal no ringue, então o provoca, fazendo com que ele perca a precisão. Clubber começa a errar os golpes e é a vez de Rocky dar uma saraivada de socos numa luta realmente empolgante.
O filme termina com Rocky e Creed sozinhos em um ringue de treinamento, brincando numa luta amistosa. E assim se conclui essa trilogia de maneira satisfatória. Começou com a rivalidade se formando entre os dois e terminou com eles brincando como velhos amigos. Décadas depois, no filme Creed, seria revelado que Apollo venceu esta luta secreta.
Nos anos 80 e 90, os filmes de luta se tornaram bastante comuns, mas a maioria deles ficava datada. Você olha para um filme do Van Damme, por exemplo, e reconhece que ele tem a cara de Sessão da Tarde. Não que seja ruim, mas ele passa essa impressão de que não parece tão bom quanto era originalmente, no auge da hype por esse gênero.
A trilogia Rocky, por outro lado, é atemporal. Ainda hoje é uma série formidável e com lutas empolgantes. Até que veio Rocky 4 (1985), totalmente contaminado pela fórmula passageira dos anos 80.
Rocky 4 (1985) é avacalhado. Já começa com uma das manias dos anos 80: robôs. A década de 80 foi a década dos Transformers, dos Comandos em Ação, do Robocop, do Short Circuit. Naquele tempo, um computador comum tinha um HD de apena 20 MB, os disquetes armazenavam 1,44 MB, a computação, a robótica e, principalmente, a Inteligência Artificial apenas engatinhavam, mas havia essa fantasia ingênua de que em breve as pessoas poderiam comprar robôs inteligentes.
Então no começo vemos Rocky dando de presente para Paulie um robô doméstico que parece ter uma IA mais viva que a Alexa dos dias de hoje. Também o antagonista, Drago, é um russo que treina orientado por tecnologia avançada, computadores monitorando seu corpo, etc. Pra completar esse clima futurista, temos a trilha sonora que inclui uma música synthpop genérica.
Drago é o oponente mais forte que já apareceu na franquia Rocky. Ele é surreal e literalmente sobre-humano. Há suspeitas de que ele seja produto de alguma espécie de engenharia genética ou um soro de super soldado ao estilo Capitão América. Seus socos têm uma força superior ao de qualquer humano.
O background da história é a Guerra Fria, em seus dias finais na década de 80. Rocky sempre foi uma franquia patriótica, mas de uma maneira discreta, orgânica. Rocky ilustrava o imigrante ou descendente de imigrantes que com trabalho duro alcança sucesso na América, a Terra das Oportunidades. Na luta contra Clubber, ele usa um calção com as listras da bandeira dos EUA, um presente de Creed. É o gesto emblemático para mostrar que Balboa é o símbolo do americano trabalhador.
Em Rocky 4, então, a franquia foi vendida explicitamente à propaganda política, o que era bastante comum no cinema até os anos 90 (depois disso a propaganda continuou presente no cinema, tanto para o lado da direita quanto da esquerda, geralmente de forma mais discreta, mas ocasionalmente também explícita).
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O personagem de Dolph Lundgren falava pouco, mas soltou algumas pérolas inesquecíveis como esta. |
Drago (interpretado pelo gigante de 1,96 m Dolph Lundgren) chega aos EUA para mostrar a força da Rússia comunista. Ele é frio, lacônico, seus agentes são arrogantes e críticos da América. A América responde da sua maneira festiva, quando Creed resolve lutar contra Drago e faz uma apresentação com ares circenses, com dançarinas, James Brown e muita festa. A reação de Drago é a sua perpétua expressão pétrea e ameaçadora.
A luta é rápida, pois Drago esmaga Creed com seus socos superpotentes. Por orgulho, Apollo não deixa que joguem a toalha. Ele quer continuar apanhando, quer ter um fim de carreira no ringue, sentindo a adrenalina de uma grande disputa. Bom, ele tem o que deseja e toma um nocaute que o leva à morte.
Rocky é antes de tudo um personagem trágico. Ele começou na desgraça e escalou até o topo, mas sempre tem a sua tranquilidade interrompida por tragédias. Anteriormente perdeu seu treinador, Mickey, sua esposa já ficou em coma e agora ele perde seu grande amigo Creed.
Para vingar-se, ele topa viajar para a Rússia a fim de enfrentar Drago. Agora vemos a típica cena de treinamento dos dois oponentes. Drago treina aparentemente sem um coach, orientado só pelos computadores, usando aparelhos futuristas. Balboa se hospeda num casebre no meio da neve e faz um treinamento rudimentar, auxiliado pelo coach de Creed.
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Davi e Golias. |
Dessa vez, em vez de usarem a clássica música de Bill Conti, colocaram o synthpop genérico, mais uma vez mostrando como esse filme fugia do estilo da primeira trilogia, tentando se modernizar e, por isso, ficando datado.
Existe uma segunda camada de luta simbólica. Não se trata apenas de Rússia contra Estados Unidos ou ocidente capitalista contra oriente comunista. Rocky representa o ser humano, com sua força de vontade e coração; Drago é a máquina, fria e cruel. Drago lembra o Terminator, cujo filme fora lançado um ano antes.
Ironicamente, após os primeiros rounds, quando Balboa vai aos poucos se adaptando e resistindo à força de Drago, é Drago quem comenta que Rocky não parece humano, que parece uma máquina, enquanto o coach de Rocky diz o contrário sobre Drago: "ele não é uma máquina", ou seja, ele pode ser ferido.
A grande ironia acontece quando, após a vitória, Rocky faz um discurso diante da plateia e dos políticos russos, um discurso com certas indiretas à história comunista, pois ele diz: "É melhor que 2 morram aqui lutando do que 20 milhões", referência ao número de russos mortos durante o governo Stalin. Para tornar esse cenário ainda mais surreal, os políticos e a plateia se levantam e aplaudem, convencidos pela mensagem unificadora de um americano.
Uma curiosidade. A esposa de Drago, Ludmilla, que aparenta ser tão ou mais fria que ele, foi interpretada por Brigitte Nielsen, que naquele mesmo ano foi a protagonista de Red Sonja (1985), um spin-off da franquia Conan, e também acabou casando com Stallone. O casamento, porém, só durou 19 meses. A atriz retornou à franquia em 2018, em Creed 2.
A séria e fria Ludmilla surpreende com uma das melhores cenas cômicas deste filme, quando em uma coletiva ela é questionada sobre a força absurda de Drago e responde que ele come espinafre todo dia:
"Ludmilla : Ivan is naturally trained.
Jornalista: Then how do you account for his freakish strength?
Ludmilla : Like your Popeye, he ate his spinach every day."
Em Rocky 5 (1990) vemos a consequência da luta contra Drago. Balboa sofreu danos cerebrais e dessa vez terá mesmo que se aposentar. Para piorar a situação, ele foi vítima de um golpe de seu contador e foi à falência.
Eis que ele conhece e jovem e promissor Tommy Gunn (interpretado por Tommy Morrison, que de fato era pugilista na vida real). Empolgado com a dedicação de Tommy, Rocky resolve ser o seu treinador e rapidamente desenvolve uma relação paternal, a ponto de deixar um pouco de lado o próprio filho, que está passando pela adolescência.
Tommy vence luta após luta, graças à zelosa orientação de Rocky, até que é recrutado pelo ambicioso e ardiloso promoter George Washington Duke, que envenena o garoto contra seu treinador. Tommy segue carreira distante de Rocky e se mostra bastante ingrato e insensível, partindo o coração do velho Balboa que acreditou que o sentimento dele por Tommy era recíproco.
O desrespeito de Tommy chega ao auge quando ele, mais uma vez incitado por Duke, procura Balboa em um bar e o chama para uma briga de rua. Balboa só topa depois que Tommy agride Paulie. O resultado é previsível: mesmo apanhando um pouco e prejudicado pelo dano cerebral, Rocky dá uma surra humilhante no garoto arrogante.
Rocky 5, portanto, foge da fórmula dos quatro filmes anteriores, pois agora Balboa está realmente aposentado e não sobe mais no ringue. A única luta em que se envolve é essa briga informal no meio da rua, com as mãos nuas, onde ele mostra que não é só bom de boxe, mas também é badass na briga de rua.
Esse filme na verdade focou mais na relação entre Rocky e seu filho. Rocky Jr. apareceu pela primeira vez no quarto filme, sendo interpretado por Angelo Bruno Krakoff, que ficou tão associado ao papel que até adotou o nome artístico de Rocky Krakoff (mas não teve uma carreira muito promissora depois disso).
Em Rocky 5, é o próprio filho de Stallone, Sage Moonblood Stallone, quem assumiu o papel do garoto, agora adolescente, com brinquinho na orelha, problemas com bullying na escola e ciúmes de Tommy, quando este se tornou o pupilo querido do pai. Assim acompanhamos a crise e reconciliação de Rocky com seu filho. Adrian desta vez é uma personagem apenas de fundo, com poucas cenas de diálogo.
Ao longo de sua vida, Stallone teve 5 filhos e seus nomes revelam uma curiosa preferência dele pela letra S: Sage, Sistine, Seargeoh, Scarlet e Sophia. Sage faleceu em 2012 por problemas cardíacos. Aliás, a mania de Stallone com nomes não é apenas pela letra S, mas pela aliteração, algo que lembra a famosa fórmula de Stan Lee para nomear seus personagens. Em Creed 2, Rocky até brinca com Adonis, sugerindo que nomeie sua filha como Cate Creed, de modo a seguir essa fórmula das letras repetidas. Foi uma piada interna se referindo ao próprio Stallone e seus filhos.
Rocky 6 (2006), cujo título na verdade é Rocky Balboa, só vem 16 anos depois e obviamente com um ar mais nostálgico. Rocky finalmente é um idoso (Stallone estava com 60 anos) e financeiramente estabilizado, pois possui um restaurante (que leva o nome de Adrian) e diverte-se relembrando suas lutas para os clientes.
A grande derrota de sua vida, porém, foi a morte de Adrian, que ele tem dificuldade em superar. Este evento catalisou nele o desejo de voltar a lutar. Enquanto isto, o mundo do boxe é bem diferente daquele dos tempos dourados de Rocky. O campeão do momento é o jovem Mason Dixon, que não tem o mesmo carisma de Balboa.
Eis que o empresário de Dixon resolve promover uma luta entre o jovem campeão e o velho Rocky, uma luta amistosa, só pelo show. Dixon a princípio não vê Balboa como um desafio e promete pegar leve, afinal está lutando contra um ancião. Rocky, por outro lado, sempre levou a sério todas as suas lutas e desta vez não seria diferente. Ele entra no ringue disposto a lutar pra valer.
A princípio rola um draminha de pai e filho, quando Rocky faz o discurso que se tornou mais famoso em toda a sua história, quando ele compara a vida ao boxe e diz que o importante é você suportar os golpes da vida, já que nada vai bater mais forte que ela. Stallone motivacional.
Seguindo a clássica fórmula da franquia, temos as cenas de treinamento do lutador. Curioso que dessa vez nem mostram o treinamento dos dois adversários, mas só de Rocky. Agora ele é um coroa, mas um coroa do tamanho de um armário, maior do que nunca. Já não tem a velocidade e flexibilidade da juventude, então seu treinamento irá focar só numa coisa: a força. Tá saindo da jaula o monstro!
Enfim acontece a luta e Rocky obviamente conta com a massiva torcida do público. Ele mais uma vez em sua carreira é o underdog, pois agora tem a velhice como desvantagem, mas ele mostra a que veio e oferece a Dixon a luta mais difícil de sua carreira.
No final, ambos terminam em pé. Não há nocaute, mas a luta foi pau a pau e Dixon vence na pontuação, mas é claramente Rocky quem ficou com a vitória honorária, sendo aplaudido pelo público e, mais importante, ele sente que finalmente pôs pra fora o que ele chama de "beast", as suas mágoas e frustrações, o luto pela perda de Adrian está completo.
Durante os créditos são exibidas imagens de pessoas comuns subindo a escadaria do Museu de Arte de Filadélfia, um lugar hoje conhecido como os Degraus de Rocky. Esta cena se tornou um fenômeno cultural. Rocky é um fenômeno cultural.
A franquia Rocky definitivamente encerrou no sexto filme, mas eis que, uma década depois, teve início o filho dela, o spin-off Creed (2015), que expande o rockyverso e sua mitologia. Adonis Creed é o filho de Apollo Creed, aquele que foi o mais memorável e honorável adversário (e melhor amigo) de Rocky.
Em Creed o ciclo recomeça. Mesmo sendo filho do mítico Apollo, ele agora é o underdog, como Rocky era no início de carreira. Essa nova série homenageia a franquia Rocy de uma forma poética, por meio de rimas. Rocky, que foi adversário de Creed, se torna treinador de seu filho. No segundo filme (2018), Adonis Creed enfrenta Viktor, o filho de Drago, que foi quem matou Apollo no ringue.
Esta luta de Adonis contra Viktor Drago não é simplesmente vingança, é a pura justiça poética. Durante a luta contra Drago, em Rocky 4, Apollo foi massacrado, mas ele insistiu que não jogassem a toalha. Ele queria ir até o fim. Acabou tendo a morte dos guerreiros, em plena luta.
A justiça poética se dá em Creed 2, quando Adonis está dando uma bela de uma surra no filho e pupilo de Drago. Dolph Lundgren, que não é lá um ator supimpa, conseguiu muito bem transmitir em seu rosto a angústia de um pai vendo seu filho ser massacrado. Drago, que na juventude era uma máquina sem sentimentos, agora é redimido enquanto vilão ao demonstrar humanidade. Não suportando ver o filho nesse estado, ele joga a toalha, a primeira vez que isto acontece em uma luta do rockyverso.
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"Parem de bater no meu filhote, eu imploro". |
Apollo morreu nas mãos de Drago porque não jogaram a toalha e agora, na luta entre os filhos de Apollo e Drago, é Drago quem joga a toalha. Não tem como eu deixar isso mais enfático. Foi uma bela justiça poética.
Os finais das lutas no rockyverso têm essa peculiaridade. Diferente de filmes de luta genéricos que sempre terminam no óbvio nocaute, em Rocky e Creed o resultado é variado, como na vida real: tem nocautes, empates, vitórias por pontos e até o jogar da toalha. Desta forma, o fim das lutas se torna sempre imprevisível.
Outro detalhe importante é que a vitória oficial é o menos importante. No rockyverso, o que importa é a vitória subjetiva do personagem, seja a superação de seus medos, o respeito que ele ganha do público ou a catarse de sentimentos diversos, como quando Rocky lutou já idoso só para enfrentar o luto pela sua esposa. Ele perdeu aquela luta, mas venceu a sua jornada íntima.
Apollo perdeu para Drago, não só a luta, mas a vida, mas saiu vitorioso em um sentido heroico. Lá no primeiro filme, Rocky perdeu para Apollo, mas foi vitorioso em seu objetivo de suportar a surra até o fim. Essa lição é desde o início repetida, é a grande lição de Stallone: a sua luta não é contra os outros, mas contra si mesmo. E sua vitória idem.
Em Creed, Rocky passa o bastão para a nova geração, um novo lutador, fazer sua própria história, mas essa nova franquia continua a desenvolver o longo arco da vida e carreira de Balboa. Ao longo de todas estas décadas e filmes, Rocky foi de lutador iniciante a campeão e de campeão a aposentado e empresário, casou-se, teve filho e conheceu o luto.
Em Creed, Rocky já está bastante idoso e sua luta é contra um câncer. Quanto à sua carreira no boxe, ele chega à fase final, tornando-se treinador, e um treinador de sucesso, com um bom discípulo (diferente do ingrato e problemático Tommy, de Rocky 5). Na vida pessoal, agora ele é avô.
O carinho pela história do personagem é tal que se nota em detalhes. Desde o primeiro filme, lá na década de 70, Rocky tem o hábito de andar com uma bolinha. Eis que em Creed 2, quando ele visita o filho e conhece o neto, a criança vê a bolinha e chama o avô pra brincar com ela.
Todos os seis filmes da série Rocky tiveram roteiro do próprio Stallone, que não só atuou e escreveu como também dirigiu quatro dos seis, com exceção de Rocky 1 e 5, dirigidos por John G. Avildsen, também diretor de outra franquia de luta famosa dos anos 80, Karate Kid. É a grande obra da vida de Stallone, para a qual ele se dedicou de corpo e alma.
Creed 3 (2023), por sua vez, nada tem a ver com a franquia. É como se fosse mesmo um filme à parte. Dirigido pelo próprio Michael B. Jordan, não teve a presença do Stallone nem mesmo em flashback e também ele não participou do roteiro. A única homenagem a Rocky é uma referência aqui e ali à música clássica da franquia. Creed 3 simplesmente se desligou de Rocky, como um filho desgarrado.
Rocky é agora um fenômeno cultural, um ícone da cultura pop. Ele é uma inspiração para atletas, pugilistas ou pessoas comuns que se inspiram nas músicas de cenas de treinamento para malhar na academia. A mensagem de vida que ele passa vai além do esporte e da malhação. Ele é um exemplo de resiliência, de sobrevivência diante das tragédias da vida. Um dos melhores personagens trágicos já feitos no cinema.
Notas: