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A arte do ceticismo

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O raciocínio por trás do ceticismo é muito simples: ele se baseia na probabilidade lógica de qualquer coisa não ser aquilo que se acha ou se diz que é.

Ou seja, imagine um grupo de homens das cavernas que viviam aqui há milhares de anos. Um deles volta de uma caçada apavorado e diz que viu um rato do tamanho de um homem. Perguntado pelos companheiros da tribo como era o monstro, ele fala que não sabe ao certo porque viu apenas sua enorme sombra numa rocha.

O ancião da tribo então raciocina e elabora uma série de probabilidades:
- É possível que o homem tenha visto um rato gigante;
- É possível que ele tenha se confundido ao ver uma mera sombra, talvez até a própria sombra;
- E possível que ele esteja alucinado e não viu nada, mas acha que viu;
- É possível que ele tenha visto a sombra de um rato normal, mas todos sabem que sombras podem ser maiores que os objetos que as emitem. Vemos este efeito toda noite ao acendermos nossas fogueiras e elas projetam nossas sombras bem maiores nas paredes;
- É possível que o homem esteja simplesmente mentindo para brincar conosco ou por qualquer outro motivo.

Tendo, então, uma gama de possibilidades em sua mente, o ancião não vai tomar como certeza a afirmação do homem antes de investigar. Assim ele envia o homem e um grupo de caçadores armados para o local onde supostamente fora visto o rato gigante, de modo a averiguar a informação.

Esta é a atitude cética. Se na aldeia não houvesse um pensador cético, a tribo simplesmente acreditaria na palavra do homem e criaria um mito sobre um rato gigante que viveriam a temer sem nunca tê-lo visto.

O ceticismo não consiste em desacreditar das coisas, mas investigá-las antes de chegar a uma conclusão. O cético não pode aceitar como verdadeira uma afirmação, não importa quem a tenha proferido. Ele irá, porém, calibrar o nível de desconfiança dependendo da fonte.

Para o cético, a palavra de um leigo sobre determinado assunto merece alto grau de desconfiança, enquanto a palavra de um especialista é mais confiável. No entanto, mesmo o especialista não pode receber crédito irrestrito e sua afirmação também deve ser investigada, pois, sendo um ser humano como qualquer outro, o especialista pode errar ou mentir ou equivocar-se ou deturpar a informação por n motivos.

É este raciocínio que torna a religião vulnerável ao exame. O argumento geralmente usado pela religião para blindá-la de questionamentos é: "Este dogma foi dado por um Ser Superior e Perfeito, logo, não pode ser questionado". 

De fato, segundo a lógica, se há um ser perfeito, a sua informação será perfeita e nossa mente imperfeita será incapaz de confrontá-la. Todavia, sabemos que os dogmas, profecias, escrituras e quaisquer outras informações de cunho religioso nos chegam através de mensageiros humanos. Podem os mensageiros humanos ser infalíveis? Para o cético, não.

Logo, o cético não questiona Deus. Deus, enquanto conceito, é inquestionável por natureza. O que se questiona é o suposto mensageiro de Deus e a mensagem proferida por lábios humanos, escrita por mãos humanas e interpretada por teólogos humanos.

Esta atitude de desconfiança do cético não se restringe aos dogmas religiosos, mas também à ciência, à filosofia, a líderes políticos e ideológicos, etc. Dedicar uma fé cega a qualquer um destes ramos do saber é contrário à atitude cética.

Dito isto, é importante também salientar que a vida não é uma ciência exata e o cético não pode ser um matemático da vida, pois, ao contrário, ele reconhece a presença da imperfeição e da imprecisão no mundo, o que inclui os seus próprios pensamentos e sua própria desconfiança. 

É preciso equilibrar o ceticismo com um grau de tolerância à imprecisão para que seja possível viver sem se tornar uma "máquina de questionar tudo". Aí entra a boa-fé, a capacidade de aceitar uma informação sem questioná-la, dando um voto de confiança. 

Na vida cotidiana, nas coisas comuns do dia a dia, no relacionamento com as pessoas, precisamos mais de boa-fé do que de ceticismo. O ceticismo, por sua vez, funciona como uma vacina, um mecanismo preventivo que nos imunize contra a possibilidade de sermos completos trouxas que acreditam em tudo que os outros dizem. 

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