Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

Barbárie e civilização em Hannibal

Hannibal cooking (Mads Mikkelsen)

A barbárie e a civilização se diferenciam em aspectos éticos, morais, até mesmo tecnológicos. Há ainda outro aspecto que os diferencia: o estético. A barbárie é feia, grotesca. A civilização busca o que é bom e belo, parafraseando Platão.

Povos bárbaros matam sem se importar com a apresentação estética da morte. Desmembram corpos, esmagam crânios, expõem órgãos, espalham sangue por toda parte. O resultado é uma cena bastante desagradável aos olhos. Já em povos civilizados, há um esforço por reduzir a feiura da morte. A pena de morte por injeção letal é um bom exemplo. É uma morte elegante, limpa, como foi a morte de Sócrates ao beber veneno e deitar-se numa cama como quem vai simplesmente dormir.

Pois é, uma sociedade civilizada também mata, também se envolve em guerras, todavia, ela esforça-se em evitar o grotesco.

No caso do personagem Hannibal, temos um curioso sincretismo entre barbárie e civilização. Ele se tornou Hannibal por causa de um biografema em sua infância, um trauma ao ser feito prisioneiro por criminosos de guerra que acabam canibalizando sua irmãzinha. Este trauma indelével instalou na psique do garoto uma semente de barbárie, o ódio e desejo de vingança e violência manifestado em sua disposição ao canibalismo.

Ele estava destinado a se tornar um monstro, consumido pela barbárie, até que conheceu a Sra. Murasaki que deu a ele um toque de civilização. Ela o ensinou a canalizar a raiva, substituindo o desejo grotesco de violência bruta pela refinada e elegante arte da luta com espada. Foi assim, inclusive, que o Japão feudal conseguiu superar a barbárie com a estética da civilização. Os samurais matavam, mas matavam seguindo as regras do bushido e a estética da arte marcial.

Além da arte marcial, Hannibal também aprendeu alta culinária e aí é que reside seu mais fino aspecto civilizado. De uma forma paradoxal e fascinante, ele vestiu seu instinto bárbaro de canibalismo com as finas roupas da culinária gourmet, cozinhando belos pratos com a carne de suas vítimas.

Na série Hannibal (2013-2015), este talento culinário do personagem foi melhor explorado e somos agraciados com várias cenas de belíssimos (e por que não dizer apetitosos) pratos. Este Hannibal da série, interpretado por Mads Mikkelsen, tem uma ênfase maior na questão estética, quase como se ele fosse uma espécie de artista, ainda que macabro. O Hannibal dos filmes, interpretado por Anthony Hopkins, é igualmente elegante e culto, mas tem alguns momentos em que passa do ponto, tornando-se grotesco.

Obviamente, Hannibal não tem uma ética civilizada. Sua ética é bárbara, no nível do "olho por olho, dente por dente", sua estética, porém, é de fato civilizada e um exemplo de que uma das coisas que diferenciam a barbárie da civilização é a beleza.

Palavras-chave:

Réquiem para o antigo DCU

Justice League

2023 foi o final do chamado antigo DCU (também conhecido como DCEU ou snyderverso), um universo cinematográfico que começou exatamente há 10 anos, em 2013 com o Man of Steel¹.

Zack Snyder começou sua jornada na DC com Watchmen (2009), na mesma época em que Christopher Nolan estava trabalhando na trilogia do Batman. Do lado da Marvel, o MCU estava no comecinho, a partir do primeiro Iron Man (2008) e, quando veio o grande sucesso de The Avengers (2012), a DC se deu conta de que precisava urgentemente começar seu próprio universo cinematográfico.

Alguém precisava liderar este universo. O Nolan era uma opção, já que ele fez um enorme sucesso com o Batman, mas convenhamos que não seria do interesse dele se comprometer a tocar um projeto de dez anos ou mais só voltado a super heróis. Nolan passou o bastão para Snyder.

Ben Affleck, Gal Gadot, Zack Snyder

Só que, sejamos sinceros, por mais nerd de quadrinhos que seja o Snyder, ele também não estava muito a fim de ser o Kevin Feige da DC. Snyder queria fazer seus filmes, quem sabe fechar uma trilogia da Liga da Justiça, e partir para novos projetos. Não estava na agenda dele coordenar todo um universo de personagens.

Ele até tentou apresentar o máximo de personagens possíveis para ir costurando um universo, o que fez de forma meio caótica em Batman vs Superman (2016), apresentando às pressas os membros da Liga que logo em seguida se reuniriam no primeiro e único filme da Liga da Justiça (2017)².

Desta forma, o snyderverso tentou ser tudo em todo lugar ao mesmo tempo. O Superman, que devia ter uma trilogia, em vez disto teve uma trilogia indireta (Man of Steel, Batman vs Superman e Justice League). O Batman nem mesmo teve um primeiro filme solo. Ele já começou com um crossover com Superman e Wonder Woman. 

Batman vs Superman foi uma grande mistureba tentando conectar todas as pontas do novo universo. Por um lado foi um filme do Batman, mas também um filme da morte do Superman e uma prequela da Liga da Justiça. Já era um sinal que o DCU não estava se desenvolvendo no ritmo certo.

Para bagunçar ainda mais, eis que o Justice League passou por uma segunda edição na mão de Joss Whedon, alegadamente devido ao fato do Zack Snyder estar passando por uma tragédia pessoal com a perda da filha, mas a verdade é que os executivos da Warner queriam marvelizar o filme, aí chamaram o Whedon pra dar uma amenizada no tom sombrio do Snyder. O resultado foi um Frankenstein meio Snyder meio Whedon.

O Zack Snyder já tinha estabelecido uma base de fãs, e uma base bem barulhenta, pois os snydetes se movimentaram tanto nas redes sociais que a Warner deu carta branca para Snyder produzir uma edição totalmente autoral, um Snyder cut da Liga da Justiça, filme este que veio em 2021 com nada menos que quatro horas de duração³.

O Snyder cut ao menos serviu como redenção e despedida do Zack Snyder, mas também como o canto do cisne do snyderverso. A esta altura já estava claro que o DCU precisava de um recomeço.

James Gunn and The Suicide Squad cast

Eis que surge o James Gunn. Ele chegou de mansinho com um belo e divertido reboot de Suicide Squad (2021)⁴ que resultou na série do Peacemaker (2022)⁵ e acabou ganhando o cargo de CEO da DC Studios⁶. Sua missão era ser o maestro de um novo DCU. Além disso, ele ficou encarregado de começar este novo universo dirigindo nada menos que um primeiro filme do Superman, a ser lançado em 2025.

2022 e 2023 então foram um longo velório, um limbo, uma despedida do antigo DCU que lançou os filmes que já estavam produzidos e até cancelou um que já estava praticamente pronto, mas parecia tão ruim que nem valia a pena lançar: Batgirl. O fim prematuro da Batgirl foi como a amputação de um membro em um paciente já terminal⁷.

Bom lembrar que, além do James Gunn, teve outra força que se levantou tentando recriar o universo da DC: o The Rock. Ele chegou como quem não quer nada, encarnando o Black Adam (2022)⁸, mas parecia ter a intenção de assumir o DCU a partir dali, criar seu próprio "rockverso". Ele até criou um slogan de sua campanha: "A hierarquia de poder do DCEU está prestes a mudar".

E mudou mesmo, mas não como o The Rock esperava. Black Adam foi mais uma peça na despedida do velho DCU, um tripulante que afundou junto daquele navio. Além disso, o novo chefão da Warner, David Zaslav, já bateu o martelo: James Gunn seria o cabeça da DC.

David Zaslav

Em 2023 o clima de despedida prosseguiu. O Shazam teve seu segundo e último filme, o Besouro Azul teve seu primeiro, único e desimportante filme (apesar das promessas de que ele permanecerá no novo universo, acho bem improvável que ele retorne), o Flash teve seu primeiro e também último filme.

Eu diria até que é emblemático que o filme do Flash tenha vindo já no finalzinho do velho DCU, uma vez que simbolicamente ele é um personagem de transições, de fim e recomeço, como um Hermes a transitar entre mundos e realidades. 

O filme dele teve seus momentos divertidos, além de ter servido também como uma valiosa redenção do Michael Keaton, que guardava certa mágoa do gênero de super heróis desde que perdeu o papel de Batman, mágoa esta que ele externou em Birdman (2014)⁹, mas isso é outra história. O importante é que o retorno do velho Batman do Michael Keaton foi a melhor coisa nesse filme do Flash. Um retorno e uma despedida... ou não, já que uma vez que o Flash apresentou o multiverso, está aberta a porta para futuros crossovers.

Jason Momoa; Aquaman 2 (2023)
"I am Aquaman".

Por fim, para apagar a luz e fechar a porta do velho DCU, temos Aquaman 2 (2023).

O primeiro filme do Aquaman (2018)¹⁰ foi um caso bem peculiar. Foi o maior sucesso de todo o DCU, ultrapassando uma bilheteria de 1 bilhão. E não precisou fazer nada de especial para ser um bom filme. Não tem nenhuma assinatura marcante de diretor, como os longas do Snyder, nenhuma história mirabolante, mas ainda assim conseguiu atingir certo nível épico, apresentando um rico e variegado mundo submarino, muito bem desenvolvido com um CGI decente. De bônus, temos o carisma do Jason Momoa e a perpétua beleza da Nicole Kidman.

Aquaman 2, lançado cinco anos depois, conseguiu ser tão bom quanto o primeiro, adotando um tom ainda mais voltado à aventura, bem estilo anos 90 (eu diria até com algumas cenas meio Indiana Jones em selvas e cavernas). O CGI continuou muito bom, bem melhor que do filme do Flash, aliás, enchendo nossos olhos com toda uma vida submarina, com criaturas e máquinas atlantes.

Este filme não se leva a sério, não tenta agarrar-se à possibilidade de uma sobrevida, como o Black Adam tentou. No final, o Momoa até mesmo quebra a quarta parede e se despede do público com um grito em tom zoeiro. Momoa saiu de boa, despediu-se do papel sem lamentos, afinal ele sabe que algo empolgante o espera no novo DCU: o Lobo.

Arrowverse cast

Em sincronia com o fim do DCU, também temos o fim do arrowverso¹¹, um universo que começou no finalzinho de 2012 e seguiu por uma década ramificando-se numa enormidade de séries. O arrowverso realizou uma proeza que o DCU não conseguiu, ele de fato desenvolveu um rico e interligado mundo com diversos personagens e tramas que se interconectavam em grandes crossovers. 

O arrowverso fez sua parte, fez história no mundo nerd e sempre será lembrado, mas estava na hora de terminar. Seu encerramento em sincronia com o DCU abre espaço para a construção de um mundo totalmente novo e no qual haverá uma interligação planejada entre filmes e séries.

Que venha o novo DCU!

Superman Legacy logo

Notas:












Palavras-chave:

The Gray Man e a renascença dos filmes de ação

The Gray Man (2022)

O cinema de ação está mais vivo do que nunca. Depois de sua renascença, trazida pelo John Wick¹, cada vez mais tem surgido bons filmes de brucutu, com tiro e porradaria bem ao estilo anos 90, porém, em certos aspectos, eu diria que até melhor que os anos 90.

Podemos marcar o ano de 2014 como o renascimento do cinema de ação, não apenas por causa de John Wick, mas também de Capitão América 2. De um lado temos os Irmãos Russo e do outro o Chad Stahelski. São estes os grandes nomes desta nova era da ação.

Enquanto o Chad Stahelski tem se concentrado na sua cria favorita, a franquia John Wick, os Irmãos Russo fizeram carreira na Marvel e depois lançaram uma franquia própria, Extraction², que até o momento teve dois filmes (2020,2023).

Dito isto, temos The Gray Man (2022), também dos Russo. Na Marvel eles fizeram amizade com alguns atores que depois acabaram participando de outros projetos. É o caso do Chris Hemsworth, o Thor da Marvel, que se tornou o protagonista brucutu de Extraction; e em The Gray Man temos o Chris Evans, o Capitão América, que atua como o vilão da história.

É interessante ver como o Chris Evans, que encarnou o sério e bom moço Capitão, agora performa um vilão bem desprezível, um sádico com um jeitão infantil e um bigodinho. Ele consegue convencer no papel.

Temos também a Ana de Armas, que encarna uma agente badass e curiosamente sem qualquer traço de sensualidade, algo que os diretores costumam aproveitar nos filmes com ela. Tem também o Wagner Moura, que teve o privilégio de ficar pertinho da Ana de Armas. A caracterização dele ficou tão boa que durante o filme eu nem me dei conta que era ele.

A grande estrela, porém, é o Ryan Gosling, interpretando o misterioso agente Six. Convenhamos que é impossível fazer um filme com o Ryan Gosling sem que ele roube a cena. Ele conseguiu roubar a cena até no filme da Barbie, contrariando as expectativas do roteiro que tentou fazer do Ken um personagem desprezível. O carisma do ator fez todo mundo amar o Ken.

julia butters turkey sandwich

Ryan Gosling, que já fez romance, comédia, musica, drama e sci-fi, agora encarna o puro brucutu e com um ar de Léon, pois ele é o assassino que se afeiçoa a uma garota e a protege como se fosse sua filha. Para quem sente que já viu esta atriz (Julia Butters) em algum lugar, ela foi aquela garotinha que contracenou com o DiCaprio em Once Upon a Time in... Hollywood (2019)³ e que no Oscar de 2020 mostrou que levava um sanduíche na bolsa, virando meme por um momento.

The Gray Man é melhor do que eu esperava. Realmente capricha na ação e com uma característica bem peculiar dos Irmãos Russo que é não extrapolar na suspensão de descrença. É uma ação sem absurdos e os personagens são humanos de verdade, que sentem dor quando se machucam, ficam cansados e tal. Mesmo assim, o protagonista Six é um cara fora do comum, inventivo como o MacGyver e casca grossa como o Jason Bourne.

Notas:


Palavras-chave:

No Man's Sky, Starfield, New World e Cyberpunk, os 4 cavaleiros do apocalipse gamer

No Man's Sky (2016)

Existem alguns jogos que começam com o pé errado no lançamento, em grande parte por culpa da própria desenvolvedora e de um marketing errado. Um grande exemplo foi No Man's Sky em 2016. Este jogo fez tantas promessas não cumpridas, especialmente a promessa de um mundo multiplayer. Isto foi o que mais irritou a comunidade, pois todos estavam esperando se deparar com players voando e pousando por aí, o que daria uma imersiva sensação de vida naquele universo.

Além disto, o jogo tinha problemas de bugs e a geração procedural dos mundos não parecia ser suficiente para superar a sensação de repetitividade, de que a cada novo planeta você encontrava sempre as mesmas coisas. Com o tempo, porém, a Hello Games conseguiu se redimir.

Ao longo dos anos, novos updates foram polindo o No Man's Sky e acrescentando mais conteúdos, enriquecendo o jogo, além de inserir uma instância multiplayer. Assim, este jogo envelheceu como vinho, ficando cada vez melhor, de modo que hoje em dia sua comunidade está bastante satisfeita e No Man's Sky se tornou um dos mais elogiados jogos de exploração espacial, até mesmo um modelo para o gênero.

Starfield (2023)

É curioso ver como NMS, que a princípio enfrentou uma onda de hate, agora vem sendo usado como parâmetro de um bom jogo espacial. Agora em 2023 veio Starfield, novo jogo da Bethesda, e as comparações com NMS foram inevitáveis. Em vários aspectos o NMS se mostrou melhor, como no fato de se poder voar livremente pelos planetas com as naves e veículos terrestres, a riqueza dos biomas e a real sensação de mundo aberto, pois NMS tem pouquíssimas telas de loading, enquanto Starfield tem loading até para se entrar em uma sala dentro de um edifício.

A verdade é que Starfield não tem a mesma proposta de NMS. Não é um jogo focado em exploração espacial, mas em história e interação com os personagens. Quem, como eu, gosta de explorar mundos, não vai ter muito prazer em Starfield. Inclusive a capacidade de carregar loot é limitadíssima, algo bem irritante para jogadores dados à exploração. Eu quero sair catando e colecionando tudo o que encontro, mas não dá.

Starfield é para quem curte diálogos, a imersão no roleplay. Inclusive dá até para flertar com os personagens e estabelecer um relacionamento. É um jogo interessante para streamers justamente por causa deste roleplay.

Joguei pouco de Starfield, mas assisti a algumas horas de streaming, o suficiente para concluir que não é meu tipo de jogo. Todavia, acho que houve um hate exagerado da comunidade, pois o jogo está bonito, rico em detalhes e com uma história bem elaborada. De toda forma, assim como NMS, Starfield vai precisar de tempo para ser polido e acrescentar as features que a comunidade deseja. Não duvido que ele terá a mesma redenção que NMS teve.

New World (2021)

Outro caso de grande hype seguida de decepção foi o New World, um MMORPG que joguei por algumas centenas de horas e já escrevi muito sobre ele aqui. No mês de lançamento, ele chegou a bater 900 mil players diários. Os grandes streamers estavam todos jogando, havia aquele clima de empolgação com o retorno do gênero MMORPG. Parecia até que teríamos uma nova era de ouro dos MMOs.

Então vieram as decepções. New World foi lançado precocemente, veio mal polido, cheio de bugs irritantes e com um conteúdo limitado. Tornou-se uma piada interna do jogo falar que ele não tem montaria, um recurso básico na maioria dos MMOs, e também dos mobs que são muito parecidos em todo o mapa. Era mesmo entediante explorar o mapa e encontrar por toda parte sempre os mesmos modelos de criaturas - piratas, zumbis, fantasmas... 

A gota d'água porém foi um exploit que a comunidade considera imperdoável: a duplicação de itens. Players folgados começaram a se aproveitar deste bug, duplicando materiais, fazendo fortuna, manipulando o mercado, tendo uma injusta vantagem competitiva contra os demais. Somando todos estes problemas, o jogo perdeu 90% de seu público no primeiro semestre e nunca mais o recuperou.

New World tem tentado se redimir. Em 2023 os devs programaram todo um calendário de atualizações, incluindo a tão solicitada montaria. Aos pouco o jogo está melhorando, enriquecendo, mas parece que a confiança perdida não será restaurada tão fácil, pois o New World se fixou em certa quantidade de players (uns 15 ou 20 mil diários) e daí não saiu mais.

Cyberpunk 2077 (2020)

Além destes três, temos outro caso recente de jogo que foi uma grande hype-decepção: o Cyberpunk 2077.

Sendo produto da CD Projekt RED, aclamada desenvolvedora da série The Witcher, Cyberpunk era uma grande promessa, com a proposta grandiosa de trazer um mundo aberto cheio de vida, uma grande cidade repleta de NPCs e sem telas de loading, com edifícios, ruas e becos plenamente exploráveis. De fato, já no lançamento Night City era enorme e deslumbrante. Esta promessa foi mesmo entregue. O problema de Cyberpunk foi mais no polimento, pois o jogo veio extremamente bugado.

A grande decepção veio por causa disto, os bugs, crashes, a péssima otimização que deixava o jogo pesado até em computadores de última geração. A cidade era repleta de NPCs, mas muitos deles repetidos e se comportando de maneira tosca, fazendo a famosa T-pose. Cyberpunk 2077 virou motivo de piada.

Então se passaram dois anos e a cada patch o jogo foi ficando melhor. Veio o grande patch 1.0, depois o 2.0 e agora a expansão Phantom Liberty. Em seu estado atual, já pode-se dizer que Cyberpunk 2077 se redimiu. Finalmente o jogo mostra seu verdadeiro potencial, está polido, rico em conteúdo e também otimizado. 

Foram acrescentadas as tecnologias de ray tracing e DLSS que extraem o máximo de beleza dos gráficos. Pude constatar isto vendo algumas gameplays, pois para usufruir do máximo de beleza deste jogo é preciso ter um computador robusto. O comportamento da luz, refletindo nos carros, nos pisos de cerâmica, nas janelas, é realmente formidável.

Quanto a mim, jogo com uma modesta (para os padrões atuais) RTX 2060 Super. Ela atende aos requisitos mínimos e de fato consigo jogar com os gráficos no máximo, mas as configurações de ray tracing ficam no mínimo a fim de conseguir uns 45-50 FPS. Mesmo assim, no meu humilde PC o jogo está rodando liso e com gráficos decentes. Parece realmente otimizado.

Enfim, destes quatro jogos, dois já se redimiram totalmente, No Man's Sky e Cyberpunk 2077. Estes outrora cavaleiros do apocalipse tornaram-se anjos queridos pelo seu público gamer. New World está seguindo numa lenta jornada de redenção, aprimorando-se a cada update, enquanto o Starfield, o mais novo dos quatro, também vai precisar de uns bons anos para melhorar.

Palavras-chave:


Teclado Vinik VX Hydra com LED

Teclado Vinik VX Hydra

Como um vampiro que se preze, sou um adepto da luz baixa, de manter o mínimo de iluminação possível no ambiente. De noite então, gosto do escurinho iluminado apenas pelas telas da TV, do PC, do Kindle, etc. O único problema é digitar desse escurinho, então finalmente adotei um teclado com LED.

Já usei muitos teclados nessa vida. Os primeiros que usei, há uns vinte anos, eram da época do saudoso PC bege claro, teclados sem marca específica e que simplesmente vinham junto do PC que a gente comprava. Com o tempo fui me tornando mais exigente, principalmente por causa da misofonia que me fez procurar teclados mais silenciosos, que fazem menos tec-tec.

Um dos primeiros experimentos que fiz foi com um teclado flexível. Ele é exatamente isto, literalmente flexível, montado em uma capa de borracha que pode ser enrolada como um pergaminho. É o mais silencioso de todos, mas por outro lado as teclas são muito duras e não é nada prático digitar nesse troço. Logo larguei.

Então experimentei o mini teclado TC154¹, mas não gostei do layout das teclas. Depois veio o TC142², que me satisfez por um tempo. Depois veio o KB M60BK³, com teclas côncavas, algo que nunca experimentei antes. Não gostei nada deste teclado e acabei voltando pro anterior, mesmo já estando desgastado.

Enfim pela primeira vez adotei um teclado sem fio, o MK295⁴ da Logi, que vem com um mouse também sem fio. Ambos são bem silenciosos. O mouse a princípio não era tão silencioso quanto outro que eu já vinha usando, o M110s⁵, mas curiosamente com o tempo os botões foram de fato ficando mais silenciosos.

Eu já havia resolvido o problema do ruído, mas ainda restava outro probleminha: digitar no escuro. A luz do monitor de fato ilumina o teclado se a tela for majoritariamente branca, mas há ocasiões em que a tela fica mais escura e acabo digitando mais devagar por ter que ficar achando as teclas. Era a vez de dar uma chance ao LED.

Não me importo com essa coisa de setup gamer RGB, com a estética gamer. Só me importa a funcionalidade, desempenho, custo-benefício, etc. Inclusive comprei um gabinete novo e o único critério era que fosse mais espaçoso que o anterior, de modo a distribuir melhor as peças e ser melhor ventilado. Ele veio com um LED frontal, mas sequer liguei os fios.

No caso do teclado, o LED realmente tem uma utilidade. Trata-se de um Vinik VX Hydra. Pela primeira vez em duas décadas como usuário de PC, estou usando um teclado com LED. E creio que é algo que não vou mais largar enquanto for preciso usar teclado nesta vida (teclados vão acabar algum dia, seja com a popularização de teclados virtuais no metaverso ou com a "digitação telepática" por meio de dispositivos como o Neuralink⁶.

No caso, ele veio com um LED azul que pode ser ligado e desligado na tecla Scroll Lock e só ligo à noite mesmo. Então a magia acontece. As letras vazadas nas teclas ficam iluminadas por baixo, bastante destacadas no escuro. De bônus, este teclado, mesmo tendo teclas semi mecânicas, não produz muito ruído, de modo a não incomodar minha misofonia.

Teclado Vinik VX Hydra

Notas:






6. Vale lembrar que estes dias o Elon Musk anunciou o memorável fato de que pela primeira vez implantaram o Neuralink em um humano.

Mesmice, beleza e feiura

Vi um cozinheiro de rua com destreza fatiando frutas e verduras, preparando pratos com agilidade e arte, deixando a salivar os seus clientes. Era uma cena bela, pelo menos em partes. A dança de suas mãos e da faca, as fatias de frutas saltitando no ar, o prato adornado com as formas e cores da natureza. 

O contraste para toda esta beleza era o próprio cozinheiro, um homem sem o privilégio de bons atributos físicos; um homem feio, quase grotesco. Ninguém, todavia, se importava com sua feiura, uma vez que de suas mãos saia algo atraente. Ele dominava uma arte que agrada aos olhos e ao paladar.

A beleza existe em toda parte, como o lótus que cresce no lamaçal. Ela está misturada à feiura, destacando-se pelo contraste. Nada nem ninguém é totalmente belo. A beleza consiste em detalhes. Para apreciar a beleza, é preciso concentrar-se, separar o artista de sua arte. Afinal, mesmo monstros podem produzir beleza.

A beleza é rara, assim como a feiura. Ambas existem cercadas por um oceano de mesmice. Quando se encontram, mutualmente enfatizam-se. Quando concentram-se, na mesmice se diluem.

A imensa escuridão do abismo cósmico é a mesmice do universo, contrastada pela beleza das estrelas. O mundo é belo em seus detalhes, assim como a humanidade. Somos em parte mesmice, beleza e feiura. Cabe a cada um de nós calibrar o olhar a fim de escolher aquilo que prefere ver.

(18,01,2024)

Nostalgia e esperança

Por meio da nostalgia vivemos o que já aconteceu e por meio da esperança vivemos o que não aconteceu. A esperança é a nostalgia do futuro, é lembrar algo que ainda não veio, é ter saudades do amanhã. A nostalgia ampara-se no fato, no concreto, enquanto a esperança imagina, cria o que não existiu. Eis o que torna a esperança mais sublime que a nostalgia. Esta tem pés, aquela tem asas; uma extrai memórias da realidade, a outra molda a realidade. Assim vivo de nostalgia e esperança. Confesso, porém, que tenho mais apreço pela esperança, pois o ontem é o rascunho do amanhã e o que vivi é o carvão que queimo na chama da esperança.

(16,01,2024)

Areia ao vento

O semeador semeia universos
como quem joga areia ao vento.
Cada universo é um grão
perdido na imensidão,
vagando a esmo no espaço e no tempo.

(11,01,2024)

Melancólicalegria

Desde a infância, eu sempre fui um tanto melancólico, inclusive conheci esta palavra muito cedo e à primeira vista me apeguei a ela. Na adolescência veio a depressão e a melancolia se intensificou, mesclou-se à tristeza, de modo que ambas se tornaram indistinguíveis. 

Foram necessários muitos anos, décadas, até que eu conseguisse separar a tristeza da melancolia. Finalmente encontrei a pureza deste sentimento e percebi como ele é confortável, é a cama em que repouso minha mente, é meu habitat, um constante estado mental que existe no limbo entre a tristeza e a contemplação.

Não quero, no entanto, desprezar a alegria. Como um alquimista, busco a fórmula ideal, a melhor combinação de elementos. Uma pitada de alegria é necessária, alguns efêmeros momentos de riso. Eis a fórmula de que sou feito: melancolia e zoeira, contemplação e besteirol. Melancólicalegria.

(11,01,2024)

O que vejo

Olhando para a escuridão estrelada, o que vejo? Uma floresta sombria? Sim, há uma floresta sombria lá fora, mas não só isso. Há também doces paraísos, o céu, o inferno e o limbo. O universo não é singular, mas plural.

Neste instante, quantos mundos estão em guerra? Quantos planetas foram aniquilados? Também em tantos outros a vida floresce e evolui. Há monstros e seres sublimes.

Olhando para a escuridão estrelada, eu vejo a vida, a consciência. Este infinito abismo cósmico também nos olha de volta. Lá do outro lado há olhos voltados em nossa direção. Alguns deles nem sabem que estamos aqui, mas ainda assim estamos todos comungando desta mesma mesa, a mesa da contemplação.

(10,01,2024)

Top Gun: Maverik, a sequência que superou o original

Top Gun: Maverick (2022)

Top Gun original, de 1986, não é exatamente um grande filme. É um típico "filme Sessão da Tarde", com ação e aventura sem se importar em ganhar Oscar, apenas visando o entretenimento. No IMDb ele tem a pontuação entre 6 e 7, uma avaliação mediana. 

É inegável, todavia, que Top Gun marcou uma geração, é um ícone entre os filmes de temática militar/aeronáutica e de tal forma virou parte da cultura pop que até mesmo popularizou o visual "piloto de Ray Ban".

Eis que quase quatro décadas depois, surge uma inesperada sequência, Top Gun: Maverick (2022), com o retorno do excêntrico piloto Maverick, interpretado pelo Tom Cruise. Bem que poderia ser apenas um fan service para os nostálgicos, mas foi mais do que isto. Trata-se de uma obra atemporal e que, assim como John Wick, faz parte da renascença do gênero de ação.

Tudo deu certo em Top Gun: Maverick. O elenco trabalhou muito bem, dos veteranos aos jovens; a fotografia é de qualidade; as cenas de voo mais ainda, pois foram feitas com aviões reais, voando de verdade no céu, sem tela verde. O bom e velho efeito prático. Isto com certeza é um diferencial hoje em dia com tanto CGI nos filmes.

Além disso, ele consegue ser mais do que um filme de ação, pois desenvolve uma tocante relação entre Maverick e o jovem piloto Rooster, filho de Goose, que fora o melhor amigo de Maverick, mas morreu durante uma missão. A relação entre Maverick e Rooster começa tensa, mas acaba se tornando uma jornada de redenção, com uma satisfatória catarse.

Os nostálgicos do filme de 1986 são agraciados com o devido fan service em Top Gun: Maverick, mas este último pode tranquilamente ser assistido por pessoas de qualquer geração que nunca viram o original. Apesar de ser uma sequência, ele forma uma história completa em si e que não ficará datada, pois não pretende se dirigir a uma geração específica. Top Gun: Maverick é atemporal.

Palavras-chave:

Rebel Moon, o Jupiter Ascending do Zack Snyder

Rebel Moon (2023)

Depois do grande sucesso de Matrix (1999), muito se esperava da dupla Wachowski. Em 2012 lançaram Cloud Atlas, que tinha uma ousada proposta de roteiro entrelaçando várias linhas temporais. Era pra ser algo grandioso e marcante. Não foi. Depois em 2015 veio Jupiter Ascending, novamente tentando oferecer um novo e fabuloso universo com o selo Wachowski de criatividade, mas acabou sendo um filme esquecível, o mais fraco da filmografia da dupla.

Vendo Rebel Moon, fiquei com esta mesma impressão. Havia uma expectativa de que esse seria o grande momento do Zack Snyder criar seu próprio universo fictício, um mundo realmente autoral e no qual ele imprimiria toda sua assinatura. Bom, de fato ele fez isto e até demais. Em Rebel Moon uma das assinaturas do diretor ficou exaustivamente enfatizada: o slow motion. É tanto slow motion que cansa e estraga o ritmo da ação.

Era pra ser um filme de ação e aventura, pois a premissa envolve uma guerreira recrutando pessoas habilidosas para enfrentar um império do mal. E sim, a história toda é claramente uma homenagem a Star Wars, mesmo porque Zack Snyder originalmente escreveu o roteiro com o fim de ser uma história no universo Star Wars, mas o projeto foi engavetado (para não dizer "recusado" pela Lucasfilm) por anos e só agora o tio Snyder teve a oportunidade de retomá-lo.

No fim das contas trata-se de um filme morno e também insosso, já que não oferece uma ideia original e sim somente uma imitação  homenagem a Star Wars.

Palavras-chave:

Nobody, um ótimo filme de ação genérico

Nobody (2021)

Um pacato pai de família tem sua casa invadida, o que desperta nele um lado que ele manteve escondido por anos. Agora ele se envolve em uma saga de vingança e pancadaria, comprando briga até mesmo com a perigosa máfia russa.

É, parece a sinopse de um monte de filmes genéricos de ação, mas Nobody (2021) consegue executar esta premissa com maestria. O filme é dirigido por Ilya Naishuller, um russo que ainda está iniciando na carreira e tem uma pequena filmografia, mas que pelo visto leva jeito para o gênero de ação e brucutu, pois soube aplicar a boa e velha fórmula de modo a proporcionar puro entretenimento.

O ator protagonista Bob Odenkirk, eternizado como o Saul Goodman do universo de Breaking Bad, não faz o typecast de brucutu. Ao contrário, ele encaixa no papel de um sujeito pacato e covarde, como foi o Saul, e que, ao se meter em encrenca, tem que usar a lábia e não os punhos. Em Nobody, ao contrário, ele usa os punhos e é incrivelmente convincente.

Bob Odenkirk; Nobody (2021)

Bom, é claro que em filmes de ação é importante ligar a suspensão de descrença, pois inevitavelmente há cenas bem exageradas e a capacidade de sobrevivência do personagem em meio a tiroteios e pancadaria tem um nível sobre-humano, mas mesmo com o exagero, um bom filme de ação consegue nos convencer de que o protagonista é humano, mas um humano badass.

Hutch Mansell, o protagonista, que se apresenta simplesmente como Nobody, era um assassino de aluguel do governo dos EUA, contratado para trabalhos sujos. Ele fez sua fama como um cara temível, lendário, até que resolveu se aposentar e levar uma vida aparentemente tranquila de pai de família. Então acontecem eventos que despertam seu lado assassino e novamente ele vai mostrar do que é capaz.

Existe realmente algo de John Wick na história, pois a trama se desenrola porque Hutch dá uma bela surra no filho de um mafioso russo, sem saber quem ele era, de modo que acidentalmente comprou briga com a máfia. Então vemos um homem sozinho atravessar toda a onda de capangas até chegar no chefão.

Destaque também para o Christopher Lloyd, o famoso Dr. Brown de De Volta Para o Futuro, que aqui interpreta o pai de Hutch, um velho tão badass quanto o filho.

Christopher Lloyd, Bob Odenkirk; Nobody (2021)

Palavras-chave: 


A eterna Melancolia

Não sou um corpo, sou um cérebro. Meu cérebro possui um corpo, a sua carapaça, o seu veículo. Tudo no corpo existe em função do cérebro, uma máquina trabalhando para nutri-lo, para dar a ele as ferramentas motoras e sensoriais com as quais pode interagir com o mundo. 

Foram tantos anos para o cérebro chegar à sua forma atual. Tantas experimentações, tanta tentativa e erro; vidas e mais vidas nascendo, multiplicando-se, lutando, morrendo; um ciclo de milhões de eras até nos tornarmos o que somos, um fragmento da consciência do universo.

Por que então somos assim? Por que sorrimos e choramos? O que as emoções têm de importante no grande escopo da nossa jornada cósmica? Temos algo que as máquinas não têm, que talvez nunca terão, algo que parece um defeito, um bug em nosso software, ainda assim tão formidável.

Reafirmo meus votos com a Melancolia. Pairando entre as estrelas, contemplando a grande saga da existência, penso e sinto que há espaço para uma visão melancólica do mundo. A Melancolia é minha Perséfone.

Que tramas ela deve tecer na minha rede de neurônios? Que aspectos do mundo ela me permite enxergar? A luz da alegria nos cega para a realidade, enquanto a melancólica penumbra oferece uma melhor definição das formas, da luz, da sombra e da profundidade. 

A Melancolia me faz sentir saudades do universo. Olho bilhões de anos como uma fagulha que num momento foi acesa e logo desapareceu. O nascer e morrer de estrelas é como o infinitesimal vibrar das menores partículas na duração incalculável do infinito.

Sentirei saudades, universo, quando tudo passar. De fato, em minha imaginação que transcende as quatro dimensões, eu já vi o teu fim como o fim de um breve momento de alegria, permanecendo apenas a imutável e paciente melancolia cósmica.

(05,01,2024)