Entre as várias assinaturas de Tarantino (referências a filmes de faroeste e kung fu, fetiche por pés, impasses mexicanos, loiras), a violência com um ar de sadismo e humor negro é a mais marcante. Podemos até usar o neologismo "tarantinesco" quando queremos nos referir a uma cena de muito sangue e crueldade.
Tarantino e seu fetiche por pés. |
Tarantino deixou sua marca no cinema por meio do seu peculiar estilo de terror com a elegância de uma produção, roteiro e direção de qualidade. Dito isto, é compreensível que parte do público se sinta levemente traída em Once Upon a Time... in Hollywood (2019), pois este filme de quase três horas entrega pouquíssimas cenas de violência. Apenas uma, na verdade.
Brothers. |
Desta vez Tarantino preferiu focar mais em outra de suas assinaturas: a metalinguagem. A narrativa é recheada de referências ao cinema clássico, aos filmes, atores e diretores de faroeste. O protagonista, Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) é um ator fictício do tarantinoverso, mas ele interage com outras figuras baseadas em pessoas reais do cinema, como Roman Polanski e Sharon Tate. Tarantino teve a ousadia de colocar até o Bruce Lee na história (e mais ousadia ainda em ridicularizar o venerado mestre das artes marciais, mostrando-o como um poser e não um verdadeiro lutador).
O dia em que o Brad Pitt deu uma surra no Bruce Lee. |
A história principal gira em torno do Rick Dalton, mostrando como sua carreira de galã vai entrando em decadência, mas isso pouco importa. O interessante mesmo é o que vai se desenvolvendo paralelo a isso, uma comunidade de hippies liderados por Charles Manson (que só aparece por alguns segundos) que vão, no clímax do filme, invadir a casa de Polanski para realizar um massacre.
Bom, esse é o fato histórico. E aqui vem spoiler. Após duas horas de contação de histórias e nada de entregar a tão esperada violência tarantinesca, finalmente ela acontece, só que diferente do fato histórico.
Nessa versão surreal do mundo paralelo de Tarantino, o amigo, dublê e faz-tudo de Rick fica no caminho dos jovens hippies e desce o sarrafo neles, ou melhor, quebra vários ossos dessa galerinha, impedindo a realização do massacre ordenado por Manson. Final feliz para os atores.
O chamado Caso Tate-LaBianca foi um dos acontecimentos mais trágicos da história de Hollywood e Tarantino recriou essa história invertendo a situação. Daí o título "Era uma vez em Hollywood". Ele criou uma fantasia, refez a história, desfez a tragédia.
Se por um lado a história principal, bem como o personagem principal (vivido por DiCaprio), nada tem de interessante, por outro quem rouba a cena é o coadjuvante, Cliff Booth, interpretado por Brad Pitt que merecidamente ganhou um Oscar. Seu personagem ao mesmo tempo marrento e gente boa tem mais densidade que os demais e é o grande protagonista na única cena de violência (além do cachorro que também fez um bom trabalho).
Também a pequena Julia Butters, que na época da gravação devia ter entre 8 e 9 anos, mostrou um talento impressionante e realmente se destacou como uma revelação. Na cerimônia do Oscar, ela chamou atenção por ter levado um sanduíche na bolsa. Certa ela, já que estas cerimônias duram vááárias horas.
Enfim, desta vez Tarantino realmente se conteve na violência. Não teve os baldes e mais baldes de sangue cenográfico que ele costumava usar. É, porém, compreensível. Já que ele pretendia recriar e homenagear uma história trágica de Hollywood, preferiu guardar a violência para este único momento, aumentando a sua importância. Mas confesso que eu preferia a boa e velha violência gratuita tarantinesca.
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