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Barbárie e civilização em Hannibal

Hannibal cooking (Mads Mikkelsen)

A barbárie e a civilização se diferenciam em aspectos éticos, morais, até mesmo tecnológicos. Há ainda outro aspecto que os diferencia: o estético. A barbárie é feia, grotesca. A civilização busca o que é bom e belo, parafraseando Platão.

Povos bárbaros matam sem se importar com a apresentação estética da morte. Desmembram corpos, esmagam crânios, expõem órgãos, espalham sangue por toda parte. O resultado é uma cena bastante desagradável aos olhos. Já em povos civilizados, há um esforço por reduzir a feiura da morte. A pena de morte por injeção letal é um bom exemplo. É uma morte elegante, limpa, como foi a morte de Sócrates ao beber veneno e deitar-se numa cama como quem vai simplesmente dormir.

Pois é, uma sociedade civilizada também mata, também se envolve em guerras, todavia, ela esforça-se em evitar o grotesco.

No caso do personagem Hannibal, temos um curioso sincretismo entre barbárie e civilização. Ele se tornou Hannibal por causa de um biografema em sua infância, um trauma ao ser feito prisioneiro por criminosos de guerra que acabam canibalizando sua irmãzinha. Este trauma indelével instalou na psique do garoto uma semente de barbárie, o ódio e desejo de vingança e violência manifestado em sua disposição ao canibalismo.

Ele estava destinado a se tornar um monstro, consumido pela barbárie, até que conheceu a Sra. Murasaki que deu a ele um toque de civilização. Ela o ensinou a canalizar a raiva, substituindo o desejo grotesco de violência bruta pela refinada e elegante arte da luta com espada. Foi assim, inclusive, que o Japão feudal conseguiu superar a barbárie com a estética da civilização. Os samurais matavam, mas matavam seguindo as regras do bushido e a estética da arte marcial.

Além da arte marcial, Hannibal também aprendeu alta culinária e aí é que reside seu mais fino aspecto civilizado. De uma forma paradoxal e fascinante, ele vestiu seu instinto bárbaro de canibalismo com as finas roupas da culinária gourmet, cozinhando belos pratos com a carne de suas vítimas.

Na série Hannibal (2013-2015), este talento culinário do personagem foi melhor explorado e somos agraciados com várias cenas de belíssimos (e por que não dizer apetitosos) pratos. Este Hannibal da série, interpretado por Mads Mikkelsen, tem uma ênfase maior na questão estética, quase como se ele fosse uma espécie de artista, ainda que macabro. O Hannibal dos filmes, interpretado por Anthony Hopkins, é igualmente elegante e culto, mas tem alguns momentos em que passa do ponto, tornando-se grotesco.

Obviamente, Hannibal não tem uma ética civilizada. Sua ética é bárbara, no nível do "olho por olho, dente por dente", sua estética, porém, é de fato civilizada e um exemplo de que uma das coisas que diferenciam a barbárie da civilização é a beleza.

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