Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

Tirania e a motivação humana


Em 2013 perguntaram a Justin Trudeau qual país ele mais admirava e a curiosa resposta foi: "There’s a level of admiration I actually have for China because their basic dictatorship is allowing them to actually turn their economy around on a dime and say, ‘We need to go green … we need to start investing in solar’".

Ou seja, basicamente ele disse: "O bom de uma ditadura é que não existem obstáculos para o que o governo quer fazer. Ele simplesmente faz. É eficiente". Vez ou outra alguém aqui no ocidente tece este tipo de comentário quando está decepcionado com a ineficiência e morosidade do estado. É até um raciocínio irônico: para resolver o problema da ineficiência do estado é preciso dar mais poder ao estado.

Anarquistas, libertários e minarquistas (não confundir com monarquistas) raciocinam o contrário disso: é preciso abolir ou reduzir o estado, deixar que a sociedade se organize livremente sem todos os obstáculos da burocracia estatal.

Não vou aqui discutir formas de governo e ideologias. Confesso que não tenho uma doutrina ideológica bem definida e na verdade nem quero ter. Quero a independência do livre pensar, me dar ao luxo de um certo caos, de não ter que comprar todo um pacote interconectado de ideias, vestir uma camisa. Que os dogmáticos discutam entre si na eterna luta em busca da certeza.

A questão é que existe um equilíbrio entre liberdade do povo e a eficiência da sociedade. Tomemos como exemplo o gerenciamento de um condomínio. Um dia o síndico decide que todo o edifício precisa renovar a instalação elétrica. Para isto ele deve organizar uma reunião com os moradores a fim de combinar os detalhes, os custos, o horário em que a reforma será feita. 

Nesta reunião deve-se buscar o interesse comum. Uma vez que esta reforma envolve entrar nos apartamentos dos moradores e afeta suas rotinas, é preciso combinar o dia e horário que agrade a todos. Pode levar dias até a reforma dar certo. Ou o síndico pode simplesmente virar um ditador e dizer: "vai ser amanhã e pronto!". 

A ditadura é eficiente porque passa por cima dos obstáculos do interesse comum. Para ela, a eficiência é mais importante do que a liberdade individual. É uma visão mecânica da sociedade, como se as pessoas fossem máquinas. 

A máquina obedece ordens sem questionar, sem ser psicologicamente afetada. Acontece que é diferente com pessoas. Esta suposta eficiência do estado totalitário tem um preço trágico a longo prazo.

Um bom exemplo das consequências psicológicas e sociais de um governo "forte" é visto agora na juventude chinesa que está aderindo ao chamado movimento "lying flat" (ficar deitado). É como desistir da vida. Não querem trabalhar, estudar ou constituir família. Entregam-se à apatia. Pelo visto, o estado forte não é capaz de motivar as pessoas da maneira correta.


Recentemente, no auge dos lockdowns na China, policiais chegaram à porta de um casal ordenando que saíssem para serem levados à quarentena. Eles resistiram e o policial ameaçou: "vocês serão punidos até a terceira geração". A resposta do casal foi: "somos a última geração". 

As ameaças e a pressão do governo perdem a importância quando as pessoas já não têm motivação, quando não pensam no futuro e vivem na apatia. E a tendência é que o totalitarismo leve à apatia, já que priva as pessoas da liberdade. Pessoas não podem ser motivadas à força. Ninguém vai se sentir feliz porque alguém ordena que seja feliz. 

A vida humana é um complexo balanceamento de vários elementos. Não podemos viver totalmente dedicados a uma causa, ao trabalho, à obediência, mesmo ao progresso da sociedade. É preciso espaço para descanso, lazer, vida interior, arte, espiritualidade, etc. 

E tudo isto deve existir em um ambiente de liberdade, o que significa que as pessoas estão voluntariamente decidindo fazer isto ou aquilo sem serem obrigadas por ameaças de uma força coercitiva. Se não for desta maneira, a resposta psíquica será de apatia ou revolta. Uma sociedade não se sustenta a longo prazo desta maneira.

Habemus o novo DCU

James Gunn

Pois é, o James Gunn havia prometido revelar alguns planos para a DC em janeiro e ele esperou até o último dia para enfim soltar as novidades. E não foram poucas.

É inevitável a sensação de estranheza no fato de que agora a DC entrará num momento de transição e que teremos conteúdo ainda da velha fase, do snyderverso, à medida em que a nova fase vai se instalando. Mas lembremos que Man of Steel¹ veio apenas um ano depois do final da trilogia do Batman de Nolan, prometendo recomeçar todo um novo universo de filmes. 

A série Smallville terminou em 2011 e no ano seguinte começou Arrow, construindo um mundo totalmente novo e sem relação com a timeline de Smallville. Ou seja, recomeços vão e vêm, ainda mais neste vasto multiverso de super-heróis. Nos quadrinhos a DC já passou por diversos reboots. 

É um curso natural do ciclo de vida destes shows. Em algum momento é preciso recomeçar. Os atores já envelheceram ou mesmo se cansaram do papel, o público está saturado ou não consegue acompanhar a abundância de material que já foi produzido. Chega o momento de voltar ao número zero.

A Marvel já passou do tempo de fazer isto. De fato, poderia ter aproveitado o grand finale de Vingadores Ultimato para se despedir de vez daquele universo e começar algo novo, focando nos X-Men, por exemplo. Eles ainda estão tentando extrair a última gota de suco daquela bilionária laranja, mas nos próximos anos personagens como Thor, Capitão América e Hulk devem no mínimo passar por um recast ou ficar fora de ação por um tempo. O Tony Stark já está aposentado, mesmo porque o cachê do Robert Downey Jr. acabou supervalorizando demais.

Voltemos, porém, à DC. Enquanto a Marvel conseguiu tamanho sucesso em sua franquia que foi capaz de manter a mesma timeline por 15 anos, a DC nunca engatou direito seu universo, fez uma bagunça até no filme da Liga da Justiça², nunca conseguiu fazer sequer uma trilogia do Superman ou um filme solo do Batman. A melhor saída só poderia ser uma: o reboot.

E foi pra isso que chamaram o James Gunn. A ideia é fazer o tal "plano de dez anos", desenvolvendo toda uma nova timeline do zero. A promessa é de que agora vai. E já temos alguns anúncios.

O grande feito do James Gunn até o momento foi a consagração dos Guardiões da Galáxia³, um grupo totalmente desconhecido do grande público (e eu mesmo confesso que nunca li uma revistinha deles) e que foi um sucesso, virou parte da cultura pop. Hoje qualquer pessoa minimamente engajada na cultura pop reconhece a frase "I am Groot".

Depois ele investiu em outro personagem desconhecido, o Peacemaker⁴, produzindo uma série de sucesso. Temos aí um padrão. James Gunn gosta de apostar em personagens desconhecidos. E agora ele planeja fazer isto no novo DCU.

The Authority

Entre os filmes anunciados, temos The Authority, um grupo que originalmente pertencia à Image Comics, do studio Wildstorm, fundado pelo Jim Lee, que depois foi adquirido pela DC. Tem a pegada sombria e realista que a DC gosta, de modo que será mais voltado ao público adulto.

Swamp Thing (1982)

O Swamp Thing vai ganhar mais uma chance. Ele já teve uma série que foi cancelada na primeira temporada lá em 2019 e agora volta em um filme obviamente de terror. Lembrando que lááá na década de 80 ele teve dois filmes trash, em 1982 e 1989.

Supergirl: Woman of Tomorrow (2021-2022)

Supergirl: Woman of Tomorrow será um filme baseado em uma minissérie em quadrinhos bem recente, de 2021-2022, escrita por Tom King. Tem uma pegada de ficção científica, de modo que promete ser um longa bem encantador e com bastante CGI.

Batman and Damian

E agora chegamos aos medalhões, Batman e Superman. Não poderia faltar um anúncio a respeito deles, pois tudo o mais é um aperitivo. Convenhamos que já estamos saturados de filmes de origem do Batman, então foi uma escolha interessante começar com outro tipo de história. The Brave and the Bold terá como protagonistas o Batman e seu filho rebelde Damian, o Robin mais querido de todos, justamente por seu jeito problemático. 

Por fim, temos o maior de todos, o Superman, que terá uma nova origem em Superman: Legacy, com data já prevista para 11 de julho de 2025. O roteiro será do próprio James Gunn. É justo que o maestro de todo este novo universo se encarregue do personagem que estará no núcleo de tudo isso.

Superman: Legacy

Curiosamente, no vídeo de anúncio do James Gunn, ao falar em Superman foi usada uma ilustração de All-Star Superman, série do Grant Morrison. The Brave and the Bold também faz referência à fase em que Morrison escreveu o Batman e até mesmo The Authority teve sua fase Morrison. 

Temos aí a fonte de inspiração do James Gunn? É possível que ele pretenda desenvolver um universo tendo como norte a visão fantástica e até psicodélica do Grant Morrison, o que será algo bem peculiar de se ver.

Paradise Lost

Sim, mas e quanto à Wonder Woman? Parece interessante dar um descanso à personagem que teve seu último filme em 2020, então em vez disso veremos uma série ambientada em Themyscira, chamada Paradise Lost. Parece que será uma espécie de Game of Thrones da DC, com uma estética medieval e provavelmente muita violência. Esta série deverá preparar o caminho para a vinda da futura Wonder Woman.

Haverá uma série animada, Creature Commandos, que será escrita pelo próprio James Gunn e imagino que será o espaço onde ele poderá se divertir com ideias bizarras sem grandes preocupações, pois trata-se de um bizarro grupo de monstros liderados por ninguém menos que o Frankenstein.

Outra série será do Booster Gold, obviamente voltada para a comédia. Há rumores e torcida de fãs para que ele seja interpretado pelo Chris Pratt. É bem possível.

Hal Jordan and John Stewart

O que promete ser o novo arrowverso é Lanterns, sim, uma série dos Lanternas Verdes que trará nada menos que os dois mais memoráveis personagens desta corporação, Hal Jordan e John Stewart. Pela sua natureza, este programa tem potencial para se expandir, apresentar novos personagens, ramificar-se em spin-offs, enfim, se tornar de fato o novo arrowverso.

Uma série que causa estranheza neste grande anúncio é Waller, que terá como protagonista a Amanda Waller interpretada pela Viola Davis. Ou seja, mesmo que o show do Peacemaker tenha entrado em hibernação e talvez não volte mais, surge este spin-off com personagens daquele núcleo. Dá a entender que o reboot não será tão completo assim. Ao menos este pedaço do velho DCU, o gunnverso ou proto-gunnverso, parece que terá seu espacinho garantido.

Na verdade não seria difícil preservar alguns personagens do velho DCU, pois o filme do Flash está vindo aí e é a oportunidade perfeita para fazer um reboot que interligue os dois mundos. Em vez de simplesmente começar algo novo sem qualquer nexo com os filmes anteriores, como aconteceu na transição entre The Dark Knight Rises (2012) e Man of Steel (2013), agora é possível criar um link.

Pode ser que The Flash de fato realize  um flashpoint em que o personagem resetará a linha do tempo, abrindo o caminho para uma nova realidade e assim dando sentido para o fim do snyderverso. Neste processo de reset, alguns personagens podem extraordinariamente migrar para o novo mundo, como pode ser o caso da Amanda Waller. Bom, é esperar pra ver.

Além de The Flash, este ano também teremos Shazam 2 e Aquaman 2, que serão definitivamente os últimos da velha safra. O modesto filme do Blue Beetle parece ser um meio termo e não se sabe ao certo se será um resquício do snyderverso ou parte do novo gunnverso.

À parte de todo este imbróglio envolvendo a transição entre o velho e o novo DCU, existe o selo Elseworlds, que é como a DC costuma classificar suas histórias que se passam em universos independentes e sem conexão entre si. É o caso do Batman do Robert Pattinson, que terá sua continuação em 2025 e promete completar uma trilogia, e também o peculiar coringa do Joaquin Phoenix, que voltará em 2024 com o título Joker: Folie à Deux.


Em 2013, durante a Comic Con, Zack Snyder apresentou um pedacinho, um misterioso e brevíssimo teaser de seu projeto para a DC. Surge o logo do Superman e a galera grita empolgada com uma possível sequência de Man of Steel. Não parou por aí, pois um segundo depois surge o logo do Batman envolvendo o do Superman. Logo caiu a ficha na nerdaiada que gritou numa empolgação há tempos não vista em um anúncio de filme da DC. Era o Batman v Superman.

Eu estava lá. Não na Comic Con, mas no Youtube vendo os vídeos vazados e minha empolgação não foi diferente. Eu estava vendo o nascimento do universo compartilhado da DC e acompanhei ano após ano este projeto ir por água abaixo.

Infelizmente o DCU não foi aquilo que a hype inicial nos fez esperar. Batman v Superman foi um filme decente, mas controverso. O fato é que não deu certo no sentido de construir um longo e bem sucedido universo da DC, não como a Marvel conseguiu.

Agora que o James Gunn prometeu novidades sobre seu plano para um novo DCU, acabei lembrando daquele momento lá de 2013, mas desta vez confesso que contive minha empolgação, pois agora tenho esta desconfiança de que a coisa pode não dar certo. De toda forma, eu quero acreditar e ainda enxergo o copo meio cheio. 

Acho que James Gunn tem potencial para orquestrar um universo de super-heróis bem melhor do que o Zack Snyder, então estou confiante. Eu torcia para um reboot já há alguns anos e eis que ele está acontecendo. É o certo a se fazer. Quero ver um novo Batman, um novo Superman e Wonder Woman. E finalmente teremos uma série dos Lanternas Verdes. Creio que já começamos bem. 

The new DCU

Notas:





Palavras-chave:

Civilização

Aquilo a que nós aspiramos
enquanto civilização
só será alcançado em séculos,
milênios adiante.

Plantamos sonhos 
para uma colheita distante,
colhemos frutos 
do que foi plantado outrora.

Vivemos nesta casa
que outros construíram,
construímos uma casa
em que outros viverão.

(29,01,2023)

Migrando para o Windows 11

Windows 11

A primeira vez que tive contato com um sistema operacional foi no finalzinho dos anos 90. Fiz um curso de informática e ali fui apresentado à tela preta do velho MS-DOS. Alguns anos depois conheci o Windows 95 e desde então fui acompanhando sua evolução: 98, 2000, XP, Vista, 7, 8, 10 e eis que agora chegamos ao Windows 11.

Como um antigo usuário do Windows, faço parte da unanimidade que concorda que as melhores versões foram Windows XP, 7 e 10. O XP teve uma sobrevida fenomenal, resistindo na liderança por uma década inteira e mesmo agora, duas décadas depois, ainda tem gente que usa.

A grande mudança veio no Windows 8 (2012), pois tinha a proposta de oferecer uma interface no estilo dos sistemas de smartphone. O plano era criar um sistema universal que servisse para diversos dispositivos (até hoje quem melhor conseguiu esta proeza foi o kernel Linux, obviamente), pois a Microsoft lançou também o Windows Phone (ainda tenho o meu que comprei em 2014) que rodava com o Windows 8.

O Windows Phone não foi pra frente, mas o Windows 8 seguiu evoluindo para 8.1 (2013) e depois o 10 (2015). É, não teve Windows 9 mesmo. O Windows 10 foi de fato o grande aprimoramento desta nova fase que começou no 8. Ao longo dos anos foi se tornando um sistema bem polido e otimizado. Até me espanto quando penso que ele já tem seis anos. Parece que foi ontem que atualizei do 8 pro 10. 

Bom, se bem me lembro, migrei para o 10 em 2019, pois em 2017 e 2018 eu vivi minha fase full Linux, quando passei a experimentar diversas distros¹. A questão da compatibilidade de jogos pesou pra me convencer a voltar ao Windows. Sorry, Linux.

Enfim, eis que agora resolvi experimentar o Windows 11. A primeira coisa que tive de fazer foi atualizar a BIOS da placa mãe, uma atividade que sempre deixa até o mais experiente técnico com medinho, pois se esse troço der algum problema é capaz de invalidar a placa. Até uma leve oscilação de energia pode corromper o firmware neste momento delicado.

Fui lá, baixei o arquivinho, pus no pen drive, entrei no setup da BIOS, iniciei a atualização e cruzei os dedos. Após uns 2 minutos o update estava completo e o PC desligou. Aí iniciou de novo e no mesmo segundo desligou, iniciou de novo e isso se repetiu por umas 3 vezes. Pensei "pronto, o negócio deu ruim", mas enfim na quarta iniciada ele mostrou a tela de boot e respirei aliviado.

Windows 11

Como já estava com o Windows 10, apenas usei o método do upgrade pelo site da Microsoft². Primeiro é preciso baixar o PC Health Check, para ver se o computador é compatível (na primeira vez não passei no teste e por isso tive de atualizar a BIOS), depois o Assistente de Instalação do Windows 11, que faz o download e instala o sistema, o que não demorou muito.

Não foi nenhum bicho de sete cabeças. O Windows 11 não parece muito diferente do 10 e de fato a mudança de um sistema para outro parece simplesmente um update regular no Windows 10 que trouxe uma interface renovada, com ícones novos e visual ainda mais clean.

O que de cara chama atenção é a mudança na barra de tarefas, que agora concentra os ícones no centro, bem como o botão iniciar. Prefiro, porém, a organização clássica, o que pode ser arranjado nas configurações. Então botei de volta os ícones pro canto esquerdo.

Windows 11

Uma coisa que não gostei foi do fato dele vir com alguns apps pré-instalados, como TikTok, Instagram, o Messenger do Meta, Spotify... Desinstalei tudo. Este é o tipo de coisa que o usuário deve baixar apenas se tiver interesse. Fora isso, a instalação nova é bem limpa, com apenas aplicativos essenciais.

No menu iniciar nota-se que o velho Internet Explorer sumiu de vez e também a pasta de Ferramentas Administrativas, que agora se resume a um ícone chamado Ferramentas do Windows. Clicando nesse ícone será aberta uma janela do Painel de Controle com mais de 30 aplicativos de gerenciamento, como o Gerenciador de Tarefas, PowerShell, Editor do Registro, etc.

Se você quiser que estes itens apareçam no menu iniciar terá que fixar manualmente, mas convenhamos que hoje em dia basta usar a barra de pesquisa para acessar estes aplicativos todos.

Windows 11

Um detalhezinho muito legal é que agora para regular o volume basta deixar a seta do mouse em cima do ícone de volume na barra de tarefas e rolar o scroll. Sem cliques. Bem prático. Outra coisa prática é o ajuste de janelas, que eu já usava bastante desde o Windows 8. 

Ao sobrepor a seta do mouse no ícone de maximizar, aparecem as opções de tamanho e formato da janela. Este menu também aparece se você arrastar uma janela para o canto superior da tela. Para quem costuma fazer multitarefas, com várias janelas abertas, é um recurso bem útil, pois poupa o trabalho de ficar ajustando manualmente cada uma.

O Windows ainda não conseguiu se livrar completamente do Painel de Controle. Desde o Windows 10, a intenção era aos poucos ir migrando os recursos do Painel para o aplicativo Configurações, que então agregaria todos os recursos de setup e customização. De toda forma, aos pouquinhos a migração está acontecendo.

Quanto ao desempenho, não me parece em nada diferente do Windows 10, ao menos até o momento. Na verdade, tive impressão que alguns aplicativos pesados estão rodando até melhor, como o New World, um jogo conhecido por ser mal otimizado. Não sei se foi coincidência, mas tenho experimentado uma melhoria de uns 5 ou 10 FPS no New World no Windows 11 em relação ao 10. Parece que o sistema é mais focado em priorizar o alto desempenho quando estamos rodando um jogo ou outro programa pesado.

O Gerenciador de Tarefas, como outros programas, está de visual novo, design mais limpo e moderno, mas removeram o atalho que havia para o Monitor de Recursos. Agora estas ferramentas administrativas mais avançadas só são acessíveis para quem fuçar, para quem as conhece e utiliza. De certa forma isto é bom, pois evita que crianças e "tias do zap" esculhambem o sistema abrindo sem querer aplicativos administrativos.

O Clipchamp agora vem pré-instalado. É o substituto do saudoso Windows Movie Maker, pois serve como um editor de vídeo nativo do Windows, e ele é de fato bem decente para edições básicas, tanto de vídeo quanto de imagem.

Outro aplicativo interessante que já vem nativo é o Power Automate. Ele pode ser baixado também no Windows 10 e serve para criar tarefas automatizadas, o que pode ser bem útil para quem trabalha com atividades repetitivas, mas não é um aplicativo para usuários iniciantes.

Enfim, o Windows 11 à primeira vista parece um belo e eficiente upgrade do 10. O curioso é que há um tempo a Microsoft havia anunciado que o título Windows 10 seria o último, o definitivo. A partir daí acabariam as numerações e pode-se dizer que o Windows finalmente adotaria um modelo rolling release, ou seja, trocando o conceito de versões para uma rotina de atualizações perpétuas. 

Só que lançar versões é um modelo com mais apelo comercial, pois as pessoas gostam de adquirir algo novo, com um nome que sugere novidade. Ora, se após 5 anos o Windows continuar se chamando Windows 10, vai passar uma imagem de sistema velho e até ultrapassado, mesmo que ele continue aplicando constante atualizações. Então já podemos esperar um Windows 12 para os próximos anos.

Notas:


A perturbadora união da Floresta Sombria com o Paradoxo de Fermi

Doomed planet; DALL-E

A teoria da Floresta Sombria pode de fato ser uma solução para o Paradoxo de Fermi, o que é uma possibilidade trágica e aterrorizante. 

A Floresta Sombria baseia-se numa lógica simples de sobrevivência: se você está em uma floresta desconhecida e potencialmente habitada por criaturas perigosas, irá tentar ser o mais discreto possível, não revelando sua existência a possíveis predadores.

Assim vivem as civilizações inteligentes no cosmo, ocultando seus rastros, evitando contato umas com as outras, evitando chamar atenção de predadores cósmicos. Se nós, humanos, não conseguimos detectar outras civilizações lá fora, pode ser porque elas se escondem de nós.

A perspectiva mais assustadora desse raciocínio é que, em uma floresta sombria, existem aqueles que se escondem de caçadores e aqueles que caçam. Uma civilização avançada pode chegar à conclusão que a maneira mais segura de garantir a própria existência e expansão pela galáxia ao longo das eras é eliminando qualquer outra civilização, mesmo a mais primitiva, pois em algum momento estes outros povos podem se tornar poderosos e perigosos. 

Logo, talvez existam mundos lá fora que estão há milhões, bilhões de anos em uma cruzada para limpar a galáxia de todos os concorrentes. Talvez não encontremos sinais de planetas habitados porque o que há lá fora sejam mundos extintos, extirpados por uma raça predadora implacável. 

Este predador pode estar neste momento escondido, espreitando nas trevas em busca de sua próxima vítima, em busca dos últimos sobreviventes da galáxia. No caso, a Terra.

Depressão

A gente se acostuma com a depressão como quem se acostuma com as pernas amputadas.

É uma condição incapacitante, parece que falta um grande pedaço do nosso ser e é bem mais difícil mover-se no mundo, mas eventualmente acabamos por nos acostumar a conviver com isto.

Aliens engravidam a Charlize Theron em The Astronaut's Wife

The Astronaut's Wife (1999)

O terror cósmico nunca saiu de moda no cinema. Nos anos 90, tivemos por exemplo o Necromonicon (1993), In the Mouth of Madness (1994), Event Horizon (1997)¹, Sphere (1998) e bem na virada o modesto The Astronaut's Wife (1999).

Com um orçamento de 75 milhões de dólares e uma box office de 19 milhões, o filme foi de fato um fracasso, e olha que tentou apelar para os rostinhos bonitos de Johnny Depp e Charlize Theron, que passam boa parte do filme entre beijos e amassos.

O Johnny Depp, aliás, está irreconhecível sem suas maquiagens e maneirismos, tentando interpretar um cara normal e que depois se torna um sujeito frio de olhar vidrado. A proposta do filme é peculiar, tentando misturar uma dose de terror cósmico com romance trágico. O foco é mais neste segundo elemento, afinal eles tinham que aproveitar a presença dos dois atores sex symbols dos anos 90.

Johnny Depp; The Astronaut's Wife (1999)

O astronauta Spencer (Johnny Depp) parte em uma missão na exosfera terrestre, mas acontece um misterioso acidente e ele retorna à base. Depois disso ele segue sua vida com a esposa Jillian (Charlize Theron) e não toca mais no assunto, mas ela percebe que ele está estranho.

Jillian engravida de gêmeos e começa a juntar pistas de que algo bizarro está acontecendo. A esposa do outro astronauta que estava na missão com Spencer também engravidou de gêmeos e cometeu suicídio. Ela passou a ter pesadelos e um cientista demitido da NASA deu a ela uma fita VHS com algumas revelações.

Enfim, o desenrolar do filme é mais voltado para a investigação e a relação de Jillian com o estranho marido do que para o terror alienígena em si. Deixaram esta parte pro final, quando ela confronta Spencer, já ciente de que ele foi possuído por um alien, e tenta matá-lo com eletricidade. Neste momento temos o típico e tosco CGI de criatura líquida que era tão comum nos anos 90. 

Johnny Depp; The Astronaut's Wife (1999)
Contemplem o CGI dos anos 90!

Charlize Theron; The Astronaut's Wife (1999)

Charlize Theron; The Astronaut's Wife (1999)

Charlize Theron; The Astronaut's Wife (1999)

O final é legal porque subverte a expectativa. O misterioso alien vence, possuindo Jillian e dando à luz os gêmeos que passam a viver como crianças normais, mas obviamente se preparando para algum plano de colonização no futuro.

Notas:


Palavras-chave:


Solaris

Solaris (1972)

Solaris (1972)

Os alienígenas na ficção com muita frequência são representados como seres humanoides. Em alguns casos, isto se deu por motivos práticos, como em filmes e séries onde é mais fácil vestir um ator humano com uma fantasia alienígena do que criar algo realmente estranho. Mesmo quando a criatura não tem uma aparência semelhante à humana, ainda possui algo antropomórfico, no mínimo um rosto com olhos e boca.

Solaris vai além deste lugar-comum e ousa, apresentando-nos um alienígena de aparência totalmente desligada da humanidade, uma verdadeira coisa amorfa, literalmente um oceano vivo. A história original foi publicada em 1961, de autoria do polonês Stanislaw Lem. Em 1972 veio a adaptação cinematográfica que marcou a ficção científica e influenciou vários cineastas posteriores.

Solaris (1972)
Uma espécie alienígena não antropomórfica.

Solaris (1972)

Os humanos estabeleceram uma estação espacial na órbita de um planeta distante, Solaris, a fim de estudar seu bizarro oceano que demonstra indícios de ser um ente vivo, uma vasta criatura gelatinosa que possui estranhos poderes psíquicos.

Os cientistas da estação estão enlouquecendo e o psicólogo Kris Kelvin é enviado para ajudar. Ele acaba caindo na mesma armadilha, em um enigma que põe em dúvida a natureza da própria existência humana.

Ao que parece, o oceano alienígena consegue ler a mente dos humanos e materializa clones humanos baseado em "ilhas de memória" das pessoas. Assim, do nada Kelvin vê surgir na estação espacial uma mulher idêntica à sua falecida esposa Hari. 

Solaris (1972)

Solaris (1972)

A princípio, ainda em estado de alerta e julgando que isto seja algum tipo de aberração alienígena, Kelvin põe Hari em um foguete e a despacha, mas ela simplesmente retorna. Um dos cientistas, com o pouco de sanidade que lhe resta, explica que estes clones são feitos de neutrinos e são praticamente imortais, pois mesmo que sejam mortos, sempre retornam.

Rapidamente Kelvin vai se apegando a Hari, chegando a acreditar que ela é a mesma pessoa que ele conheceu na Terra, afinal o clone possui as memórias da Khari original e demonstra ter uma consciência. Embora tenha sido baseada nas memórias de Kelvin, aquela criatura é um ser consciente e com identidade própria, o que nos leva a questionar o que é ser um humano.

A Hari de Solaris não nasceu de pais humanos, provavelmente nem mesmo tem um DNA humano, sua composição atômica é diferente, feita de neutrinos. Ainda assim, além de ter aparência humana, ela pensa como um humano e se sente humana. Seria isso? A essência da humanidade estria em sua consciência, mais do que em sua natureza orgânica?

Solaris (1972)
Estaria em Solaris a origem do vício do J. J. Abrams pelo efeito lens flare?

Este é um tipo de dilema que veremos depois nos replicantes de Blade Runner (1982)¹. Solaris claramente inspirou as alucinações da tripulação em Event Horizon (1997)², quando uma misteriosa influência alienígena recria pessoas com base nas memórias traumáticas daqueles humanos. Em Inception (2010)³, Cobb abriga no mundo dos sonhos um construto de sua esposa falecida, um conceito bem parecido com o de Hari, que é um construto baseado nas memórias de Kelvin. Estes são apenas alguns exemplos de filmes inspirados em Solaris.

Falando em Nolan, também o Interstellar (2014)⁴ possui suas semelhanças: um astronauta viaja para um planeta distante e se depara com uma misteriosa entidade sem rosto (no caso, os humanos pentadimensionais do futuro). Tanto Kelvin quanto Cooper passam por uma aventura psicológica motivada pelo amor e o remorso, no caso de Kelvin, por sua esposa morta, e no caso de Cooper, por sua filha que ele deixou pra trás em um mundo moribundo.

Há ainda uma curiosa semelhança entre a trilha sonora de Hans Zimmer e a de Cliff Martinez (para o remake de Solaris em 2002). É apenas uma sequência de acordes, mas que de fato parece uma homenagem de Zimmer.


Solaris é um daqueles longas obrigatórios para quem quer ostentar a carteirinha de cinéfilo. E põe longa nisso, pois são quase três horas de filme. Isto se deve em boa parte ao estilo de edição dos filmes antigos que não tinha a mesma técnica narrativa dos atuais.

Por exemplo, o filme começa com 2 minutos de tela preta com os créditos, o título Solaris se repete umas três vezes ao longo dos créditos. Hoje em dia os créditos costumam aparecer no final no final, quando as pessoas já estão se levantando para sair do cinema.

Também logo no começo do filme há um momento em que um dos personagens pega um carro. Temos uma cena de 5 minutos sem qualquer diálogo, simplesmente mostrando o carro a andar pelas ruas, passar por viadutos, etc. É basicamente uma cena de transição, que serve apenas para mostrar que o personagem foi do ponto A ao B. Este tipo de cena hoje em dia dura segundos, mas em Solaris a coisa se desenrola por 5 minutos! 

No cinema de antigamente, o editor tinha de lidar com rolos de filme, os cortes eram literalmente cortes, separando tiras do rolo e colando aqui e ali. Ora, fazer um corte de segundos era bem mais trabalhoso do que hoje em dia com a edição digital. Este é um dos motivos porque nos filmes do século passado havia cenas que se alongavam mais do que o necessário. Obviamente existem casos de lentidão como parte da narrativa, para dar um ar contemplativo às cenas, mas no caso de Solaris me parece ser mais uma questão de edição mesmo.

O fato é que a lentidão e a longa duração de Solaris servem como um teste de paciência e dedicação do "true cinéfilo". Os cinéfilos mais puritanos vão se ofender se você disser que Solaris é lento por causa da edição dos cortes e que você não soube apreciar cada cena.

Anyway, lentidão à parte, Solaris é um filme fantástico, ousado em seu conceito e que explora mais o questionamento existencial do que o sci-fi. Ele vai fundo na essência do que é ser humano ou do que é ser real. É uma aventura cartesiana.

Solaris (2002)

Em 2002 Hollywood lançou um remake, estrelado pelo George Clooney e produzido pelo James Cameron. É um remake bem decente e que não deixa nada a desejar em relação ao original. Além disso atualiza a obra para nossos dias, com efeitos especiais melhorados (o filme já tem 20 anos, mas ainda não parece visualmente datado). O planeta Solaris, que em 1972 aparecia apenas na forma de ondas espumosas, ganhou todo um novo visual sci-fi, emanando uma espécie de campo eletromagnético. Lembra a aparência de um óvulo, o que dá uma camada simbólica interessante ao filme.

O George Clooney manda bem na atuação, transmitindo a perturbação psicológica de um psicólogo, um homem que deveria ter domínio sobre as próprias emoções, e que tem de lidar com o bizarro fato de estar diante de uma cópia aparentemente idêntica de sua falecida esposa.

Solaris (2002)

Solaris (2002)

No geral, a história do remake é bem fiel à original, com algumas alterações para manter a experiência de surpresa de quem já assistiu o primeiro filme. O final, a parte mais marcante da história, foi alterado em seus detalhes, mas mantendo a essência, a ideia de que uma pessoa pode terminar vivendo em uma realidade simulada sem se dar conta. A trilha sonora, do Cliff Martinez, é agradabilíssima.

Para quem nunca viu Solaris e está a fim de conhecer, eu recomendaria o remake, por ter uma narrativa mais dinâmica e efeitos especiais mais atraentes. Aí quem gostar do conceito vai se interessar em assistir o original.

Notas:





Palavras-chave:

De Dr. Caligari a Corra!, uma breve história do vudu e hipnose no cinema

O Gabinete do Dr. Caligari (1920)

Existe na consciência norte-americana um fascínio com zumbis que tem uma curiosa origem racial. Hoje zumbis nada mais são do que mortos-vivos, algo que remonta a mitos antiquíssimos, às múmias, ghouls, vampiros, etc. Todavia, no início do cinema outra influência pairou sobre este mito, o vudu haitiano. 

O zumbi moderno de fato deriva dos mitos milenares, mas também tem um toque de vudu haitiano, tanto que a palavra "zumbi" vem desta religião e se refere originalmente a uma pessoa morta que foi ressuscitada por um feiticeiro vudu e que está sob controle deste por meio de drogas e feitiços.

O conceito do zumbi haitiano foi popularizado nos EUA pelo livro The Magic Island (1929), de William Seabrook. Aí nasceu o fascínio pela bruxaria exótica, a cultura de um povo estrangeiro, negro e não cristão. 

White Zombie (1932)

Bela Lugosi, Madge Bellamy, Robert Frazer; White Zombie (1932)

O primeiro filme do gênero, White Zombie (1932), estrelado pelo icônico Béla Lugosi, se passa justamente no Haiti, onde um homem contrata um feiticeiro para fazer que uma mulher se apaixone por ele. 

Revolt of the Zombies (1936) acontece no Camboja. É do mesmo diretor, Victor Hugo Halperin, e tinha intenção de ser uma sequência de White Zombie, mas havia obstáculos de licenciamento. Desta vez nem mesmo Béla Lugosi estava presente, só que malandramente o diretor conseguiu inserir apenas o close nos olhos dele quando a magia de zumbificação era usada.

Revolt of the Zombies (1936)

Em ambos os filmes, o vilão é um homem branco, mas de certa forma isto expressa o racismo do cinema no início do século XX, pois não havia atores negros em papéis de destaque como protagonista ou antagonista principal. Ainda não existia um Morgan Freeman ou Samuel L. Jackson, de modo que o papel do vilão em White Zombie coube a um famoso ator branco, o Béla Lugosi. Convenhamos que ninguém estava à altura de Béla Lugosi para qualquer papel de vilão místico.

Outro filme, King of the Zombies (1941) é ambientado em Cuba, mas o feiticeiro é um nazista, afinal vilões nazistas estavam na moda naqueles anos de guerra. É protagonizado por um ator negro, o famoso comediante Mantan Moreland, que dá um ar cômico e trapalhão ao filme.

King of the Zombies (1941)

O fato é que nota-se aí um padrão quanto à origem étnica da feitiçaria. Haiti, Camboja, Cuba... os zumbis tinham origem em países de cultura negra ou asiática e onde se praticava o vudu ou algum tipo de feitiçaria semelhante. Assim no imaginário americano se formou este pavor do feiticeiro estrangeiro que é capaz de dominar as pessoas, dominar sua mente e te transformar numa espécie de morto-vivo.

Obviamente, hoje em dia os zumbis já nada têm a ver com feitiçaria, pois o conceito mudou a partir de George Romero e foi evoluindo e se diversificando em uma enorme variedade de tipos.

Get Out (2017)

E aqui chegamos ao filme Get Out (2017), no Brasil traduzido como Corra!, que é claramente uma sátira visando expor o racismo entranhado na sociedade americana. É o tipo de filme que só os americanos ("estadunidenses", para quem não entende metonímia) podem entender a fundo, pois é algo da vivência deles. Todos os países e culturas têm suas próprias formas de racismo, assim como o Brasil, mas não há como comparar a nossa experiência à deles 

Corra! é um filme sobre as sutilezas do racismo nos EUA, especialmente o racismo tácito, como quando o policial pede os documentos do protagonista negro (Chris) ou quando este visita a família branca da namorada e o sogro fica falando em como ele gosta de conhecer outras culturas ou pergunta que esporte ele pratica. São coisinhas que mostram que a pessoa não consegue conversar com um negro sem ficar sutilmente recorrendo a estereótipos. Depois, quando chegam os amigos brancos dessa família, eles têm este mesmo comportamento de encarar o negro como algo exótico.

Este é um fenômeno curioso dos EUA. Lá a miscigenação não se tornou tão comum. É o país mais multicultural do mundo, com a maior variedade de imigrantes, mas curiosamente cada grupo costuma manter certa coesão e se perpetuar dentro de seus próprios círculos. Assim o padrão é a predominância de casais brancos, casais negros, casais latinos, etc. Evidente que há casais mistos, mas é algo fora do padrão.

The Skeleton Key (2005)

Os zumbis da ficção se desvincularam do vudu e feitiçaria de negros estrangeiros, mas o fascínio por este conceito permaneceu na ficção, retornando aqui e ali. No filme The Skeleton Key (2005), por exemplo, temos um casal de negros que usa feitiçaria (no caso, hudu) para possuir os corpos de suas vítimas.

The Skeleton Key está na intersecção entre magia e hipnose, pois ao longo do filme é enfatizado o fato de que a feitiçaria só funciona em quem acredita nela, ou seja, é um fenómeno essencialmente hipnótico ou psíquico.

É curioso então que Corra! subverte o conceito do feiticeiro negro, apresentando uma "versão branca" do vudu, a psiquiatria. A sogra do protagonista (Missy) é conhecida por sua habilidade terapêutica com a hipnose, uma prática que Chris a princípio encara com ceticismo, mas uma noite ele senta para conversar com ela e rapidamente é dominado pela sua técnica hipnótica. A partir daí sua vida vira um pesadelo.

Get Out (2017)
A diabólica xícara de chá de hipnose.

Ele vai descobrindo que outras pessoas, outros negros, têm comportamentos estranhos, como se vivessem em transe. Eram vítimas da "feitiçaria" da psiquiatra. Ela, portanto, é uma inversão do conceito de feiticeiro vudu negro, a hipnotista branca.

Das Cabinet des Dr. Caligari (1920)

Voltemos aqui aos primórdios do cinema. No cinema americano, de fato o terror zumbi e de hipnose ou controle da mente teve origem no fascínio pela excêntrica magia haitiana, porém há um caso diferente no cinema europeu. No filme O Gabinete do Dr. Caligari (1920), um médico hipnotista controla mentalmente um homem que sofre de sonambulismo, manipulando-o para cometer assassinatos. Sim, temos aí o primeiro caso no cinema do feiticeiro secular e branco, que não usa magia ou poções, mas hipnose. 

Esta obra do tempo do cinema mudo chama atenção pela técnica narrativa, misturando eventos do presente com flashbacks e ainda terminando com um grande plot twist, talvez o primeiro plot twist da história do cinema, quando vemos que o sonâmbulo na verdade estava internado em um manicômio e toda a história envolvendo o Dr. Caligari era um delírio. Ou será que não?

Os cenários são feitos de ruas e casas construídas especialmente para o filme, com uma aparência cartunesca, retorcida, como um mundo onírico de pesadelo. Para complementar, temos uma sonoplastia de jazz que transmite uma intensa tensão e confusão mental.

Das Cabinet des Dr. Caligari (1920)
Note-se o aspecto surreal e onírico neste filme de 1920.

Das Cabinet des Dr. Caligari (1920)

Conrad Veidt; Das Cabinet des Dr. Caligari (1920)
Não, não é o Bruce Wayne do Robert Pattinson.

Missy, a vilã de Corra!, é isso, uma espécie de Dr. Caligari, de modo que este filme, ao mesmo tempo em que subverte o antigo gênero de feiticeiros vudus, também remonta aos primórdios do cinema, com o terror da hipnose que tem origem lá nos anos 1920.

Pica-Pau vudu é pra jacu

Palavras-chave:


Hannibal encontra MasterChef em The Menu

The Menu (2022)

Ralph Fiennes já foi um grande adversário do Hannibal¹, no filme Red Dragon (2002), pois eis que agora em The Menu (2022) ele é o próprio Hannibal, ou algo parecido.

O Chef Slowik é um famoso cozinheiro gourmet que oferece um serviço para poucos, uma experiência culinária muito refinada em uma ilha onde os próprios ingredientes dos pratos são cuidadosamente cultivados. É um ambiente todo dedicado à arte da fina iguaria, com profissionais extremamente dedicados. É quase uma seita religiosa, encarando o trabalho na cozinha como um sacerdócio.

Entre os frequentadores deste local, que não deve ser nada barato, há pessoas buscando uma experiência excêntrica ou simplesmente querem ter uma história pra contar, bem como há aficionados pela arte gourmet a ponto do fanatismo, como o protagonista Tyler (Nicholas Hoult), que leva sua namorada Margot (Anya Taylor-Joy).

Ralph Fiennes, Anya Taylor-Joy; The Menu (2022)

Ralph Fiennes; The Menu (2022)

Tyler é um verdadeiro nerd da culinária (embora ele mesmo não saiba cozinhar nem um ovo), enquanto Margot só estava ali para acompanhá-lo, mas vê toda aquele teatro gourmet com desdém e tédio.

No começo, a apresentação dos primeiros pratos parece de fato uma performance artística. O Chef Slowik é uma espécie de Salt Bae erudito, oferecendo mais do que uma simples refeição e sim um show para ser lembrado e até para levar a reflexões filosóficas. Isto lembra o Hannibal, um exímio cozinheiro, culto e que valoriza a perfeição em tudo o que faz. Mas a semelhança com Hannibal não para por aí, pois logo o Chef começa a mostrar seu lado psicopata.

Em certo momento, um dos cozinheiros da equipe comete suicídio e a cena toda é tão inesperada e tratada com naturalidade por Slowik e os demais funcionários que os visitantes ficam confusos se aquilo foi uma encenação ou uma morte real, mas logo a ficha cai e eles percebem que de fato estão cativos e nas mãos de um psicopata. Não demora para perceberem que são impotentes contra os seguranças e que estão condenados a morrer um a um.

The Menu (2022)

The Menu (2022)

A princípio o filme é um terror básico e satisfatório de pessoas aprisionadas em um jogo sádico arquitetado por um gênio do mal, como na vasta franquia Saw. Só que há também o esforço para fazer uma "crítica social foda", algo parecido com o filme O Poço (2019)², expondo a luta de classes e ridicularizando os ricos representados naqueles personagens.

Esta luta de classes fica ainda mais evidente depois que é revelado que Margot é uma prostituta e o Chef tem um passado humilde, quando ele era apenas um cozinheiro de chapa quente em alguma pequena lanchonete.

Anya Taylor-Joy; The Menu (2022)
Anya Taylor-Joy para vossa alegria.

Anya Taylor-Joy; The Menu (2022)

Margot percebe que esta é a chave para ela acessar o lado humano de Slowik. Ela soube lidar com um louco, jogando o jogo dele, assumindo o papel de uma cliente que quer ser bem servida, então o desafiou a cozinhar um cheeseburger trivial, sem enfeites gourmet, o bom e velho sanduíche de beira de estrada, um símbolo da alimentação do americano médio. 

Isto despertou nele a memória afetiva de seus tempos de juventude, quando ele era um humilde e dedicado cozinheiro. A expressão do Ralph Fiennes enquanto prepara o sanduíche é o momento em que o vilão se torna humano, alguém capaz de demonstrar algum tipo de afeto. Eu diria que é o melhor momento do filme.

Ralph Fiennes; The Menu (2022)
A singela alegria do Chef cozinhando um cheeseburger.

The Menu (2022)

The Menu (2022)

Assim, uma vez que o Chef identifica Margot como alguém semelhante a quem ele era na juventude, diferente dos outros ricaços que ali estavam, ele simplesmente a libera. Já os demais, são sacrificados em uma macabra última obra culinária do cozinheiro maluco.

Na verdade as motivações do Chef vão além desta aparente intenção de "justiça social". Ele faz seus próprios julgamentos arbitrários das pessoas e cada um daqueles visitantes tem alguma história com ele, algo que o desagradou. 

Por exemplo, tem o personagem do John Leguizamo que sequer é nomeado. Ele aparece como um ator decadente que já perdeu a sua era de ouro. O Chef pegou ranço dele depois que assistiu a um filme e achou sua atuação desagradável. Só por isso ele já considerava motivo suficiente para matá-lo. 

Isto lembra aquela ocasião em que Hannibal foi assistir a uma apresentação de música clássica e ficou tão incomodado com o mal desempenho de um dos músicos que o matou e serviu como prato para seus amigos músicos (se bem me lembro, isto foi no filme Hannibal, de 2001).

Anya Taylor-Joy; The Menu (2022)

Anya Taylor-Joy; The Menu (2022)
Chomp!

O Menu é um terror divertido, não chega ao nível do grotesco, tem certo ar de deboche com as vítimas e o que mantém o filme interessante é a presença do Ralph Fiennes e da Anya Taylor. A crítica social é rasa e até desnecessária. Enfim, não é algo supimpa, mas é legal de assistir.

The Menu (2022), Jojo's Diamond Is Unbreakable (2016)
Is this a Jojo reference?

Notas:



Palavras-chave: