Ralph Fiennes já foi um grande adversário do Hannibal¹, no filme Red Dragon (2002), pois eis que agora em The Menu (2022) ele é o próprio Hannibal, ou algo parecido.
O Chef Slowik é um famoso cozinheiro gourmet que oferece um serviço para poucos, uma experiência culinária muito refinada em uma ilha onde os próprios ingredientes dos pratos são cuidadosamente cultivados. É um ambiente todo dedicado à arte da fina iguaria, com profissionais extremamente dedicados. É quase uma seita religiosa, encarando o trabalho na cozinha como um sacerdócio.
Entre os frequentadores deste local, que não deve ser nada barato, há pessoas buscando uma experiência excêntrica ou simplesmente querem ter uma história pra contar, bem como há aficionados pela arte gourmet a ponto do fanatismo, como o protagonista Tyler (Nicholas Hoult), que leva sua namorada Margot (Anya Taylor-Joy).
Tyler é um verdadeiro nerd da culinária (embora ele mesmo não saiba cozinhar nem um ovo), enquanto Margot só estava ali para acompanhá-lo, mas vê toda aquele teatro gourmet com desdém e tédio.
No começo, a apresentação dos primeiros pratos parece de fato uma performance artística. O Chef Slowik é uma espécie de Salt Bae erudito, oferecendo mais do que uma simples refeição e sim um show para ser lembrado e até para levar a reflexões filosóficas. Isto lembra o Hannibal, um exímio cozinheiro, culto e que valoriza a perfeição em tudo o que faz. Mas a semelhança com Hannibal não para por aí, pois logo o Chef começa a mostrar seu lado psicopata.
Em certo momento, um dos cozinheiros da equipe comete suicídio e a cena toda é tão inesperada e tratada com naturalidade por Slowik e os demais funcionários que os visitantes ficam confusos se aquilo foi uma encenação ou uma morte real, mas logo a ficha cai e eles percebem que de fato estão cativos e nas mãos de um psicopata. Não demora para perceberem que são impotentes contra os seguranças e que estão condenados a morrer um a um.
A princípio o filme é um terror básico e satisfatório de pessoas aprisionadas em um jogo sádico arquitetado por um gênio do mal, como na vasta franquia Saw. Só que há também o esforço para fazer uma "crítica social foda", algo parecido com o filme O Poço (2019)², expondo a luta de classes e ridicularizando os ricos representados naqueles personagens.
Esta luta de classes fica ainda mais evidente depois que é revelado que Margot é uma prostituta e o Chef tem um passado humilde, quando ele era apenas um cozinheiro de chapa quente em alguma pequena lanchonete.
Anya Taylor-Joy para vossa alegria. |
Margot percebe que esta é a chave para ela acessar o lado humano de Slowik. Ela soube lidar com um louco, jogando o jogo dele, assumindo o papel de uma cliente que quer ser bem servida, então o desafiou a cozinhar um cheeseburger trivial, sem enfeites gourmet, o bom e velho sanduíche de beira de estrada, um símbolo da alimentação do americano médio.
Isto despertou nele a memória afetiva de seus tempos de juventude, quando ele era um humilde e dedicado cozinheiro. A expressão do Ralph Fiennes enquanto prepara o sanduíche é o momento em que o vilão se torna humano, alguém capaz de demonstrar algum tipo de afeto. Eu diria que é o melhor momento do filme.
Assim, uma vez que o Chef identifica Margot como alguém semelhante a quem ele era na juventude, diferente dos outros ricaços que ali estavam, ele simplesmente a libera. Já os demais, são sacrificados em uma macabra última obra culinária do cozinheiro maluco.
Na verdade as motivações do Chef vão além desta aparente intenção de "justiça social". Ele faz seus próprios julgamentos arbitrários das pessoas e cada um daqueles visitantes tem alguma história com ele, algo que o desagradou.
Por exemplo, tem o personagem do John Leguizamo que sequer é nomeado. Ele aparece como um ator decadente que já perdeu a sua era de ouro. O Chef pegou ranço dele depois que assistiu a um filme e achou sua atuação desagradável. Só por isso ele já considerava motivo suficiente para matá-lo.
Isto lembra aquela ocasião em que Hannibal foi assistir a uma apresentação de música clássica e ficou tão incomodado com o mal desempenho de um dos músicos que o matou e serviu como prato para seus amigos músicos (se bem me lembro, isto foi no filme Hannibal, de 2001).
Chomp! |
O Menu é um terror divertido, não chega ao nível do grotesco, tem certo ar de deboche com as vítimas e o que mantém o filme interessante é a presença do Ralph Fiennes e da Anya Taylor. A crítica social é rasa e até desnecessária. Enfim, não é algo supimpa, mas é legal de assistir.
Is this a Jojo reference? |
Notas:
Palavras-chave:
Nenhum comentário:
Postar um comentário