Qaligrafia
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Habemus Elon Musk dono do Twitter

Elon Musk

Elon Musk é uma figura que divide opiniões. Tem uma turminha que o odeia, seja gratuitamente, seja pelo fato dele ser bilionário, seja pelas suas piadas no Twitter. Por outro lado, ele tem muitos admiradores no mundo nerd devido ao seu engajamento com a indústria de tecnologia. Lembro quando ele apareceu na série The Big Bang Theory e foi tietado pelos protagonistas.

A admiração que ele desperta na nerdolândia não é à toa, pois ele é dono da SpaceX, uma indústria aeroespacial que tem sido uma grande parceira da NASA. Musk tem planos ambiciosos e visionários, como a colonização de Marte; a criação de um sistema de transporte de alta velocidade subterrâneo, o Hyperloop; a formação de uma rede de satélites, o Starlink, que fornecerá internet banda larga em qualquer lugar do mundo, superando as barreiras topográficas; e um chip cerebral, o Neuralink, que promete curar muitos problemas neurológicos, até a paralisia do corpo, e aprimorar a capacidade cerebral como um todo, praticamente nos tornando em superumanos.

Ele não tem receio de pensar grande e pensar num futuro distante, pois um plano como a colonização de Marte não é algo que vá se tornar possível em 10 ou 20 anos, talvez nem em 50. Mesmo assim, é importante que exista gente pensando nisto e empreendendo algum esforço neste sentido, plantando a semente que futuras gerações vão colher. 

Seu maior sucesso no presente é a indústria Tesla, que está correndo em primeiro lugar no novo mercado de carros elétricos, pavimentando o caminho que todas as outras indústrias automobilísticas deverão seguir nos próximos dez anos, abandonando de vez o uso de combustíveis fósseis. É inegável o bem que esta substituição dos combustíveis pelas baterias elétricas fará às cidades. 

Carros elétricos são mais silenciosos, produzem menos poluição sonora e, obviamente, não produzem o fumaceiro, a fuligem que polui o ar das cidades, que entra nas casas e provoca doenças respiratórias. O mundo de fato será mais limpo quando todos os carros forem elétricos.

Como não se empolgar com tudo isto? Se o Elon Musk como pessoa não agrada a todos os gostos, como visionário ele está longe de ser desinteressante, e a civilização humana precisa de pessoas que promovam certos avanços.

Pois bem, em meio a tantos projetos, Elon Musk ainda arruma tempo pra ser um tuiteiro. Ele realmente gosta do Twitter e tem uma presença constante. Diferente de muitas celebridades que mal usam o site ou deixam uma assessoria tuitando anúncios e respostas padronizadas, Musk realmente interage e brinca no Twitter. 

Seu interesse pelo site se tornou ainda mais evidente quando ele passou a comprar ações e mais ações até que um dia apareceu possuindo 9,2% das ações do Twitter, se tornando o acionista majoritário. Aí começou uma novela em que ele primeiro foi convidado a fazer parte do board da empresa, depois recusou a participação, pois veio com uma proposta mais ousada: comprar o Twitter inteiro.

A primeira reação do board foi arredia e olha que ele fez uma proposta gorda, oferecendo mais de 50 dólares por cada ação que até então vinha sendo avaliada por cerca de 30-40. A oferta foi inicialmente recusada, mas Musk insistiu e hoje finalmente conseguiu fechar a compra por 44 bilhões.

No Twitter houve críticas e comemorações à aquisição. As críticas parecem uma espécie de reacionarismo, um medo de que mudanças afetem a experiência de usuário, mas as possíveis mudanças desagradáveis são apenas suposições sem fundamento.

Por outro lado, o que temos de minimamente concreto quanto ao futuro do site a partir de agora é a palavra do próprio comprador. Elon Musk já afirmou algumas medidas que pretende tomar: abrir o algoritmo para o público, melhorar a monetização, combater os bots e promover a liberdade de expressão.

É curioso como hoje em dia o termo "liberdade de expressão" virou alvo de controvérsia. Como alguém poderia se opor ao conceito de que todas as pessoas merecem viver livres de censura? Todavia, no debate político rola uma acusação por parte de alguns grupos, afirmando que a liberdade de expressão pode ser usada por pessoas para cometer crimes. Bom, a liberdade de ir e vir também é usada por criminosos e não é por isto que devemos instalar um estado de toque de recolher constante nas cidades. Anyway, nem quero me delongar neste assunto neste post.

O que me pareceu realmente interessante e uma proposta que ninguém em sã consciência poderia rejeitar, gostando ou não do Elon Musk, é a abertura do código do algoritmo. O algoritmo é o código que controla como o conteúdo da rede social é distribuído, como funciona o feed, o que você, como usuário, pode ver ou não ver, o que pode levar um conteúdo a ser bloqueado ou promovido, etc. É do interesse de todos os usuários ter uma transparência a respeito de como o site manipula a informação que lhe é apresentada no feed. 

Logo, tornar o algoritmo open source é um grande avanço. Transparência no funcionamento de uma instituição é sempre um bom avanço. Se ele cumprir esta promessa, já terá feito uma importante mudança no Twitter.

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Vida eterna digital? Acho que não

Mind upload

O tema da digitalização e transferência de consciência tem se tornado mais comum na ficção. Black Mirror (2011-)¹ tem alguns episódios sobre isso, como o romântico San Junipero e outro ainda mais bizarro, Black Museum, em que uma consciência humana é transferida para um macaquinho de pelúcia. Na recente série Upload (2020)², o protagonista morre e tem sua consciência transferida para um mundo virtual, uma espécie de além vida digital. 

É uma ideia fascinante e tentadora, porém simplista. Este conceito não apenas simplifica a noção de consciência, como de pessoa humana. Um ser humano é uma estrutura absurdamente complexa. Fisicamente, você é uma composição de células que se especializaram de inúmeras maneiras, seguindo o código de seu DNA, que é único em toda a espécie humana. 

Não só isto, o corpo humano é também uma espécie de simbiose entre células humanas, com o seu DNA único, e uma multidão de outros microrganismos que não só convivem em harmonia com seu corpo, como trabalham em uma relação mútua. O melhor exemplo disto são as bactérias probióticas da flora intestinal. Sem elas a vida humana é simplesmente insustentável. 

A mente, a consciência, tem igualmente uma complexidade extrema. Sua mente funciona por meio de intrincados relacionamentos entre os bilhões de neurônios, resultando em trilhões de sinapses, de interconexões. Este universo mental é moldado por uma diversidade de fatores, seja a programação genética, os estímulos do meio e a relação do cérebro com o restante do corpo. O seu corpo influencia sua mente e vice-versa. É uma relação de frequente troca e mutação, pois a mente é tudo menos estática. A mente é um fenômeno em constante transformação.

Logo, é impossível transferir literalmente uma mente de um cérebro para um hardware, para um servidor digital. O máximo que se poderá fazer a respeito é uma cópia dos dados armazenados no cérebro, dados que podem constituir as memórias e os aspectos da personalidade da pessoa conforme se apresentavam no momento da cópia. Todavia, uma vez feita a cópia, estes dados não são a pessoa. São basicamente uma fotografia de sua mente, e, como qualquer fotografia, ela não capta toda a vida e movimento desta formidável estrutura.

Naruto clones

Não duvido que algum dia, talvez até em um futuro próximo, será relativamente normal as pessoas se "imortalizarem" por meio da criação de avatares virtuais que contêm uma cópia de suas memórias. Será uma experiência fascinante e divertida criar cópias de você mesmo. Ao criar uma cópia digital, mesmo sabendo que não é você propriamente, pode ser satisfatório saber que está deixando um legado no mundo, uma extensão de seus pensamentos. É como escrever um livro, deixar fragmentos de sua mente para a posteridade, porém de uma forma bem mais detalhista que um livro.

Quem sabe até seja possível desenvolver robôs com a sua personalidade e que vão conhecer melhor do que ninguém a sua maneira de pensar, seus gostos, vão poder dividir tarefas com você. Será como ter o superpoder de criar clones de si mesmo que vão trabalhar a seu favor. É um conceito divertido, convenhamos, mas as pessoas vão ter que estar certas disto: o clone digital não é você. Provavelmente algumas pessoas não saberão fazer esta diferenciação, desenvolvendo transtornos e delírios.

Será uma ilusão para aquelas que acham que desta forma vão continuar existindo neste mundo ou que poderão se relacionar com entes queridos falecidos. Relacionar-se com uma cópia digital da consciência é o que é: uma experiência de simulação. Não é diferente de olhar a foto de uma pessoa falecida e ter lembranças agradáveis do tempo e que ela estava vida. É uma lembrança, não a pessoa em si.

Genetic engineering

A busca pela imortalidade ou pelo prolongamento da vida é uma das grandes ambições da ciência e tecnologia, todavia, devemos estar cientes de que isto não se dará por meio desta gambiarra que é a chamada digitalização da consciência. Digitalizar o cérebro não garante a continuação da vida daquela pessoa, daquele fenômeno complexo e psicossomático que é um corpo orgânico com um cérebro e uma mente.

Se tem uma maneira mais provável de se conquistar a longevidade é por meio da biologia, não da cibernética. Será a engenharia genética que, descobrindo os códigos fundamentais da manutenção da vida biológica, poderá hackear a natureza e descobrir a fonte da juventude. Aí sim será possível uma pessoa viver por 200-300 anos, quem sabe até 1000 anos, mas isto acontecerá em seu corpo biológico, com seu cérebro, suas células e não fora deste sistema em uma cópia digital.

Mesmo que aconteça uma mescla do cérebro humano com a inteligência artificial (como propõe o Neuralink), o elemento orgânico desta mescla ainda será o cerne da natureza humana. Não importa quantas camadas de aprimoramentos cibernéticos coloquemos sobre nós, a base ainda será orgânica, feita de células e do DNA que nos torna únicos.

Mais adiante, digo muuuito mais adiante, se a humanidade alcançar um nível de evolução tal que transcenda as limitações biológicas e mesmo as limitações do mundo quadridimensional, aí sim encontraremos a verdadeira imortalidade. Mas isto é uma possibilidade remota, coisa para milhões, bilhões de anos à frente.

Notas:



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"A Terra é azul" ou Outro biografema

Todos nós temos algumas lembranças pitorescas da infância, algumas delas merecem o título de "biografema", como falei em outro post¹. Eis que me recordo de outro momento.

Como uma criança introvertida, eu vivia imerso no meu mundo imaginário, no meu Fantástico Mundo de Bob (obviamente me identificava bastante com este desenho) e as palavras que saíam pela boca eram apenas a versão condensada e filtrada daquilo que se passava na mente.

Houve um período em que eu tinha a mania de falar demais. Eu não costumava falar sozinho, quando estava sozinho mesmo, mas quando havia pessoas por perto eu virava uma metralhadora de comentários, inclusive durante as aulas na escola, a ponto de me tornar irritante para alunos e professores, pois eu simplesmente não parava de falar. De certa forma, eu estava falando sozinho mesmo, já que ninguém queria ouvir aquela tagarelice.

Certa vez eu havia lido um cartoon num jornal. Era um diálogo entre a Terra e a Lua, se bem me lembro, e a Lua perguntava: "É verdade que a Terra é azul?", ao que a Terra respondia: "Só no primeiro mundo". Achei a tirinha divertida e, mesmo sendo criança, tinha entendido que era uma "crítica social foda", falando sobre riqueza e qualidade de vida das pessoas.

Então no dia seguinte, durante uma aula, eu quis compartilhar a piada com algum coleguinha e do nada falei com o garoto que estava sentado na minha frente: "É verdade que a Terra é azul?". Ele nem me deu tempo de completar a piada, pois reclamou com a professora: "Professora, ele aqui tá dizendo que a Terra é azul". Toda a turma caiu no riso, pois meu comentário pareceu bem aleatório e coisa de alguém que vivia no mundo da Lua. Por algumas semanas, alguns alunos me chamavam de "A Terra é azul".

Isto me lembra outra ocasião que aconteceu anos antes, ainda no pré-escolar. Estávamos de volta das férias e a professora perguntou as novidades, o que os alunos fizeram nas férias, etc. Levantei a mão e soltei um miado. Sim, falei "miau". A professora naturalmente entendeu que eu ganhei um gatinho. "Ah, ganhou um gatinho. Que legal!". Na verdade, eu havia aprendido a miar e estava mostrando meu miado. Eu devia ter uns 5-6 anos.

Pois é, eu não era uma criança muito eloquente. Aquilo que saía pela boca era só uma short version do que eu estava pensando. Curiosamente, desde muito cedo eu era dado à escrita e neste quesito superava os coleguinhas com muitas redações bem elaboradas. Sempre me senti mais à vontade escrevendo do que falando, justamente porque o texto escrito permite um detalhamento maior das ideias. Ele é mais preciso. A fala é muito subjetiva e concisa e sujeita a um número maior de desentendimentos.

É possível que no futuro tecnologias como o Neuralink tornem possível uma comunicação literalmente telepática, pois os cérebros, comunicando-se com a internet por meio de um chip, vão transmitir seus pensamentos sem o intermediário da língua ou dos dedos. Tenho pena daqueles que se comunicarem comigo, pois sem filtros a minha tagarelice mental vai alcançar níveis insuportáveis. 

Notas:

Sobre aborto e o que é a vida

Desenvolvimento embrionário

Não pretendo aqui discutir a ética do aborto, se é certo ou não. Há, porém, um detalhe que observei na discussão pública sobre o assunto que me chamou atenção pela estupidez: o argumento de que o feto não é um ser vivo.

Este tipo de argumento, creio, não é utilizado por defensores mais instruídos do aborto, mas já vi pessoas mais leigas falarem isto, o que é uma ofensa à biologia básica. Ora, mesmo uma célula é um ser vivo. Como um feto não seria?

Nas discussões mais acaloradas entre militantes de ambos os lados da questão, parece comum pessoas argumentando que o feto é apenas um amontoado de células ou que ele é parte do corpo da mulher, como um órgão e, portanto, o aborto seria como a remoção de um órgão o que, feito com o consentimento da pessoa, não resulta em nenhum problema ético.

É uma forma bem simplista de ver a coisa. É certo que, nas primeiras fases após a fecundação, temos literalmente um amontoado de células que vão se multiplicando até o blastocisto. Até aí, trata-se de um monte de cópias de uma mesma célula que contém em si a combinação do DNA paterno e materno.

Então começa o processo de diferenciação, quando as células, além de se multiplicarem, também vão assumindo funções diferentes, começando a formar o protótipo de órgãos e sistemas, moldando um corpo. Isto começa a acontecer por volta de um mês, quando temos o que já pode ser chamado de feto.

Fisicamente, o feto não se parece um amontoado de células, mas uma minúscula criatura, um homúnculo. Após dois meses, inclusive, ele já tem braços, cabeça e olhos. A esta altura já é bem evidente que tal criatura não é um "órgão" que faz parte do corpo da mulher. É um ser em formação, como um girino. A prova definitiva de que ele não é um apêndice da mãe é o fato de possuir em suas células um DNA diferente. O código genético do feto não é o mesmo da mãe. Isto por si só já esclarece o assunto.

Enfim, no debate sobre o aborto, recorrer ao argumento de que o feto não é um ser vivo ou que não é um ser distinto da mãe é uma grande infantilidade e uma ofensa aos conhecimentos modernos de biologia básica. Creio que este tipo de argumentação só exista mesmo no debate mais leigo, em discussões de Twitter, pois não acho que pessoas com mais autoridade no assunto (profissionais de saúde) realmente levem a sério tal pensamento.

Negar que o aborto envolve a destruição de um ser vivo é uma forma preguiçosa de argumentação. Abortar é matar, isto é um fato que transcende opiniões. Se feito nos primeiros dias após a fecundação, está-se matando um amontoado de células. Se feito após um mês, mata-se um corpo em formação. Se feito após cinco meses, mata-se um corpo já formado e visivelmente humanoide.

Constatar isto, obviamente, não encerra a discussão. A ética de matar um ser vivo passa por uma longa gradação de tons de cinza. Todos nós estamos a todo momento matando seres vivos. Nosso sistema imunológico devora implacavelmente células estranhas. Ninguém em sã consciência sente culpa ao matar um mosquito ou uma barata. Poucos são os que se sentem culpados ao matar um rato, e olha que um rato é uma criatura fisiologicamente bem mais complexa que um feto humano de um mês. Aí chegamos à questão da morte de animais para alimentação, para confecção de produtos, para pesquisas científicas...

A nossa existência neste planeta envolve a morte de várias criaturas. A existência de qualquer criatura envolve a morte de outras. O tigre come a lebre. O verme da mosca come o tigre. Para a natureza, a morte nada mais é do que reciclagem. A natureza não julga a morte.

Todavia, nós desenvolvemos uma consciência avançada. A consciência é a parte pensante da natureza, a parte capaz de fazer julgamentos. É neste nível que deve girar a discussão sobre temas como aborto. Deve-se discutir até que ponto a consciência identifica a área cinza da ética na morte de um óvulo fecundado.

Não é, portanto, um assunto simples. Não à toa até hoje a questão não tem uma resposta definitiva e unânime, mesmo entre profissionais de saúde e juristas. Há, obviamente, outros aspectos a se levar em conta, como o problema envolvendo mulheres que buscam clínicas clandestinas, pondo em risco a própria vida. De toda forma, como disse antes, não é um tema que pretendo elaborar.

Meu alvo foi apenas um argumento específico e que me chamou atenção pela imaturidade, pra não dizer a ofensa à ciência estabelecida: dizer que o feto não é um ser vivo. Isto é algo que nem deveria ser discutido, pois é tão evidente que é uma verdade axiomática do senso comum. 

O único caso em que ainda há dúvidas científicas sobre a vida é o vírus, por se tratar de uma estrutura molecular muito simples. A partir da célula, um organismo feito de várias microestruturas, que interage com o ambiente, que possui um metabolismo e até pode se multiplicar, não há mais dúvidas de que podemos chamar isto de ser vivo. Negar que um feto é um ser vivo em nada ajuda na discussão, ao contrário, só irá expor a inabilidade intelectual de quem recorrer a tal argumento.

Shazam!

Shazam! (2019)

Shazam é um personagem bem peculiar. Primeiro porque originalmente ele se chamava Capitão Marvel, mas não pertencia à editora Marvel (nem mesmo a editora Marvel existia ainda, pois na década de 40 ainda se chamava Timely Comics).

O Capitão Marvel foi publicado pela primeira vez em 1950 na editora Fawcett Comics e recebeu seus poderes do Mago Shazam, que ele ativava simplesmente ao pronunciar este nome, que, como todos sabem, é uma sigla representando os atributos de seis figuras míticas (só cinco são deuses): Salomão, Hércules, Atlas, Zeus, Aquiles e Mercúrio.

Captain Marvel Adventures (1944)
Bons tempos em que um gibi custava 10 centavos.

O personagem superpoderoso, divulgado como World's Mightiest Mortal, foi um grande sucesso e até mesmo superou o Superman em vendas na década de 40 (só em 1944 foram 40 milhões de cópias). Ele foi nada menos que o primeiro super-herói dos quadrinhos a ter uma adaptação cinematográfica, no filme Adventures of Captain Marvel (1941).

Adventures of Captain Marvel (1941)

Tom Tyler; Adventures of Captain Marvel (1941)

Não à toa a DC Comics comprou briga com a Fawcett, chegando a mover um processo, acusando o Capitão Marvel de ser uma cópia do Superman. Desgastada pelo processo, a Fawcett Comics parou de publicar o personagem em 1953 e ele entrou num hiato de vinte anos.

Aí, quem diria, a própria DC Comics acabou comprando os direitos do Capitão Marvel, ou melhor, da Família Marvel, e o herói voltou a ser publicado a partir de 1972, só que agora outra editora cismou com o personagem: a Marvel, a esta altura, já tinha o seu próprio Capitão Marvel, de modo que a DC resolveu mudar o título de sua revista para Shazam, embora tenha mantido o nome do personagem, mas a moda pegou e ele ficou mais conhecido pelo público geral como Shazam do que como Marvel. Em 2011 a DC lançou uma nova revista dentro do universo rebootado dos Novos 52 e desta vez definitivamente mudando o nome do herói para Shazam.

Shazam! (1974-1976)

Shazam! (1974-1976)

The Kid Super Power Hour with Shazam! (1981)

Logo após retornar às revistas, o herói também ganhou uma série televisiva intitulada Shazam!, que durou três temporadas (1974-1976) e foi um grande sucesso. O herói foi primeiro interpretado por Jackson Bostwick, e depois por John Davey. Em 1981 veio uma série animada com 38 episódios, The Kid Super Power Hour with Shazam!

Depois de ficar na geladeira por 20 anos e ser adquirido pela DC, Shazam já havia perdido definitivamente o trono para Superman e Batman, que seguiram invencíveis como os heróis mais populares da DC e do mundo dos quadrinhos.

Zachary Levi, Jack Dylan Grazer; Shazam! (2019)

Shazam! (2019)

De toda forma, a DC não se esqueceu do Shazam. Ele sempre esteve presente em animações da Liga da Justiça e finalmente em 2019 ganhou um ingresso no DCU, o novo universo cinematográfico, com um filme solo devidamente intitulado Shazam!

Diferente dos outros filmes do DCU, Shazam! surpreendeu pelo tom de comédia, por não buscar o mesmo tom "sombrio e realista" que a DC vinha adotando nos filmes Man of Steel, Batman v Superman, Justice League e até na Wonder Woman. 

Até a estética do personagem foge ao estilo sério dos outros filmes, pois deram ao Shazam um uniforme colante sem medo de exibir uma cor vermelha gritante, sem tons escuros, igualzinho aos quadrinhos. Nem a Marvel teve coragem de fazer algo assim no cinema.

Zachary Levi; Shazam! (2019)
A famosa dancinha.

O resultado foi agradável. Shazam é um personagem infantil, afinal é uma criança em corpo de adulto, ele passa a maior parte do filme brincando com seus poderes e popularizou uma dancinha que virou até emote do Fortnite. Shazam conseguiu retornar à cultura pop.

O filme nem é tããão engraçado. É um humor infantil mesmo, feito para crianças, mas ao mesmo tempo há muito fan service para os fãs antigos, muitas referências e constantes menções aos outros personagens do DCU, tanto que o próprio Superman aparece em um cameo na cena pós-créditos (sem mostrar o rosto, para economizar o cachê com o Henry Cavill, obviamente). O maior fan service é quando finalmente surge toda a família Shazam, uma grande homenagem aos quadrinhos dos anos 40. 

Shazam! (2019)

Shazam! (2019)

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Reinado, servidão e revolta: as fases da vida de uma criança

Quando uma criança vem ao mundo, normalmente é recebida com cuidados. Após o choque inicial de ter sido expulsa de seu paraíso uterino, da sua cápsula em que vivia isolada e nutrida, ela recebe a compensação da atenção dos pais, do leite materno, o colo e os toques indicando a presença de cuidadores, de seres que estão ali para servi-la. Neste estágio da vida, a criança reina.

Todo este cuidado dos pais é uma espécie de cartão de boas vindas ao mundo, é o que faz a criança se sentir confortável, bem aceita neste novo ambiente. Como consequência, ela desenvolve um sentimento narcisista, um sentimento de poder. 

Com seu choro ela controla o mundo, pois, ao chorar, logo é atendida pelos servos adultos que vêm consolá-la. Se está com fome e chora, é atendida com a amamentação. Se acorda sozinha e quer companhia, basta chorar que alguém aparece. Para a mente pueril, o mundo gira em torno dela e existe para servi-la.

Então vem a fase do aprendizado, quando os pais começam a impor regras e a dizer não às exigências da criança. Ela percebe que não tem mais poder sobre eles, que nunca teve, e descobre que sua condição agora é de servidão, pois os pais são seres superiores, divinos, a quem ela deve obediência e que em tudo a superam, na força, na inteligência, nos recursos. A criança entende a sua dependência dos pais e seu narcisismo é finalmente quebrado.

No decorrer da infância e especialmente na adolescência, a imagem dos pais como seres divinos é destruída. É o momento dela duvidar dos dogmas e fantasias, de praticar a iconoclastia, questionando os pais, enfrentando-os, uma prática que ajuda a construir um espírito mais independente, um indivíduo.

Este é o ciclo natural do aprendizado existencial de um ser humano. Todavia, falhas em quaisquer destas etapas podem levar a mente a outros caminhos deturpados. 

A criança desprezada em sua fase mais tenra, que teve negada a sua era de reinado, crescerá com um sentimento de desconforto no mundo, de não se encaixar em lugar algum, sentir-se-á rejeitada, um pária, um vírus em uma família e sociedade que não a acolhem.

A criança que não recebeu a disciplina, que não passou pela fase de servidão, jamais abandonará o narcisismo primitivo, vivendo com o sentimento de que o mundo deve sempre girar em torno dela.

A criança que não experimentou a revolta será uma eterna ingênua, incapaz de questionar o mundo e de tomar suas próprias decisões.

Comparando Team Fortress 2, Overwatch e Paladins

Team Fortress 2, Overwatch, Paladins

Os dois maiores clássicos de FPS competitivo são criação da Valve: Counter Strike (1999) e Team Fortress (1999). São dois estilos distintos. CS é mais realista, enquanto TF tem um ar cartunesco e de fantasia. Counter Strike teve várias versões, sendo o Counter-Strike: Global Offensive (2012), ou CS:GO, a mais popular. Team Fortress teve apenas duas e a segunda versão, TF2 (2007), continua viva e com uma comunidade fiel até hoje.

Steam statistics

Team Fortress 2 não chega aos pés de CS:GO em termos de popularidade. Para pegar um exemplo de hoje (23/04/2022), o CS:GO tem quase 1 milhão de jogadores diários e tem sido assim por anos. Já o TF2 se mantém com sua comunidade mais "modesta" de 87 mil.

Counter Strike é de longe o grande sucesso do FPS e o ancestral de outras variantes do gênero, como os battle royales. Já o Team Fortress 2 estabeleceu seu próprio subgênero, uma espécie de FPS com um visual mais de desenho e um lore e habilidades dos personagens mais estilo fantasia.

Há dois grandes jogos que claramente sofreram influência de Team Fortress 2: Overwatch (2016) e Paladins (2016). 

Overwatch

Paladins

A jogabilidade de Overwatch é basicamente um Team Fortress 2 com poderes especiais. Você tem uma arma primária, outra secundária e um ataque melee, ou seja, três ataques básicos, assim como Team Fortress 2. Aí vem o diferencial que são as habilidades especiais, que são geralmente dois comandos e um terceiro que é a habilidade suprema, com um cooldown mais longo.

Paladins segue a mesma fórmula: duas habilidades básicas, uma suprema e duas armas alternáveis, mas não tem o ataque melee como terceira opção (alguns personagens têm melee em seu kit, como o soco do Androxus, mas ocupa o slot da arma secundária, ou o Terminus, que tem o melee como ataque primário). Diferente, porém, de Overwatch, Paladins tem uma gama de modificadores de desempenho que fazem muuuita diferença.

No caso, os modificadores são cartas, itens e talentos. No começo de cada partida, você pode escolher um entre três talentos, que dá algum poder ativo ou passivo ao personagem. Depois pode escolher um deck de 5 cartas que igualmente fornecem benefícios diversos. Cada personagem tem três decks pré-configurados, mas você pode montar três decks personalizados, escolhendo combinações de cartas, bem como a quantidade de pontos em cada carta, somando 15 pontos no total.

Como se não bastassem todos estes modificadores (que podem dar bônus de cura, roubo de vida, ataque, defesa, cooldown, velocidade na recarga da arma, velocidade de movimento, pontos de vida, escudo, etc, etc.), ainda existem os itens, que funcionam de forma semelhante aos Mobas: ao longo do jogo você vai acumulando pontos de acordo com o tempo e seu desempenho e estes pontos servem para comprar itens numa loja, de modo que no endgame você está bem mais forte do que no início. 

Os itens dão bônus de defesa, ataque, cura ou outras utilidades. Você tem uma lista de 16 itens para escolher, mas só pode ocupar 4 slots do seu personagem com itens de funções diferentes e pode upar os itens que já tem, melhorando o bônus que fornecem.

Enfim, tudo isto torna a jogabilidade de Paladins muito mais complexa que a de Overwatch ou Team Fortress 2. É preciso muito tempo e até estudo para você aprender a escolher os melhores itens, cartas e talentos de acordo com cada personagem, cada mapa e até cada estilo de jogo você quer adotar, pois dependendo da combinação destes modificadores você pode tornar seu personagem mais adequado a ataque, defesa, flanco, etc.

Desta forma, Paladins parece ser o jogo que mais recompensa jogadores com experiência e dedicação para aprender, pois não basta ter boa mira, antes é preciso pegar as "manhas", dominar a arte de fazer as builds com os modificadores. Dependendo destas builds, um mesmo personagem pode ficar bem buffado ou bem nerfado.

Por um lado, toda esta complexidade pode fazer de Paladins um jogo menos amigável para iniciantes e jogadores casuais, enquanto Overwatch não exige tanto aprendizado assim. Além disso, Paladins é conhecido em sua comunidade pelo excesso de bugs nos mapas ou por uma jogabilidade quebrada nos personagens, com habilidades que têm glitches ou foram mal projetadas. Neste aspecto, Overwatch é mais estável e os jogadores passam menos raiva com bugs.

Team Fortress 2, por ser um jogo já bem velho, é bastante polido, mas curiosamente possui alguns bugs tradicionais que nunca foram consertados e que de certa forma se tornaram parte da cultura do jogo, pois é divertido tirar proveito deles.

Evie; Paladins

Ainda tem mais um detalhe que diferencia Paladins dos outros: montarias. Por padrão você tem um cavalinho que pode usar sempre que sai da base, de modo que o tempo para chegar no objetivo é bastante reduzido, sem contar que você pode comprar itens durante a partida que aumentam ainda mais a velocidade da montaria. Há diversas skins para a montaria, que você pode comprar ou ganhar na sorte ao abrir baús. 

Se, em termos de build, Paladins oferece a customização das cartas, em Team Fortress 2 você pode forjar suas armas usando itens e sucatas que adquire à medida em que joga. Além disso, no TF2 você tem todo um inventário de itens que podem até mesmo ser comercializados na Steam.

Uma coisa em que Paladins difere bastante de Team Fortress 2 e Overwatch é a ausência de kits de cura no mapa. Os kits de cura são importantes pelo self sustain que oferecem, o que é uma mão na roda para flancos. 

No TF2, por exemplo, o Scout é um grande consumidor de kits, pois ele tem pouca vida, mas tem muita velocidade, de modo que está sempre avançado na partida, longe do healer, tendo que se virar sozinho pra se curar. Por isso no Paladins os que mais reclamam de cura são os flancos, pois eles atuam bem adiantados no mapa, enquanto o healer costuma fazer o contrário e ficar recuado, focando no tank e nos danos. 

Obviamente os kits são úteis para todas as classes e o mais importante é que eles diminuem a pressão sobre o healer. Todos sabem que o healer é a classe que mais recebe cobranças e que precisa de muita paciência pra aturar os outros players a todo momento exigindo cura. Quando o time perde, é comum culparem o healer injustamente, como se ele fosse obrigado a fazer milagres curando todos ao mesmo tempo.

Assim, os kits de cura no mapa funcionam como complementos ao trabalho do healer, tornando o jogo dele menos estressante. No Paladins, o jogo optou pela feature da cura fora de combate, ou seja, se você passa um tempo sem entrar em combate, sua vida vai se recuperar por conta própria. 

Na prática é bem difícil depender deste recurso, pois você tem que ficar se escondendo, se tornando um a menos numa partida em que cada segundo de combate é importante para o resultado final. Além disso, se você está sendo perseguido, simplesmente não tem como contar com a cura automática. É uma experiência frustrante jogar uma partida sem healer e tendo que ficar se escondendo a todo momento pra recuperar vida.

Na verdade, no Paladins há mais self sustain do que nos outros jogos. Muitos personagens têm habilidades de autocura, além disso há itens e cartas que dão life steal, em que você ganha um pouco de vida de acordo com o dano que causa ou um pouco mais quando elimina um adversário. Desta forma, o jogo recompensa com cura aqueles que são mais habilidosos, pois não basta passar por cima de um kit no chão do mapa, é preciso ser bom de dano.

Como, porém, só jogadores habilidosos conseguem se virar sem um healer, os jogadores novatos ou pouco hábeis são os que mais costumam cobrar a ajuda do healer, pois não conseguem desenvolver o self sustain e, não tendo kits médicos no mapa, chegam à conclusão que a única maneira deles se curarem é por meio do healer, que se torna extremamente requisitado.

Até neste aspecto o Paladins é mais complexo e difícil que Overwatch. Paladins requer muito mais dedicação para que você domine a jogabilidade. Quanto ao Team Fortress 2, a princípio parece ter uma jogabilidade mais simples e fácil, pois basicamente um iniciante só precisa se preocupar em apertar o M1 do mouse, mas há um mundo de truques e manhas que só com muito treino você consegue dominar, como os super saltos do Soldier e Demoman, o domínio da curva de alguns projéteis, a intuição para perceber quando tem um Spy invisível atrás de você, etc.

Hoovy; Team Fortress 2

Team Fortress 2

Em termos de visual, Team Fortress 2 é o mais divertido. A estética do jogo é cômica, a aparência dos personagens e seus trejeitos são engraçados. TF2 é um FPS que se leva menos a sério, que tem espaço pra brincadeira. Inclusive é comum certas partidas contarem com a presença dos chamados friendly, jogadores casuais que simplesmente se recusam a combater e ficam brincando no mapa e performando emotes e dancinhas. Um tipo particular de friendly tem até apelido, o hoovy, que é um Heavy que fica andando amigavelmente no mapa, sem combater, e até dando sanduíches para os players.

Paladins tem um visual decente, com skins e mapas que elaboram todo um mundo de fantasia, o Realm. Todavia, acho o Overwatch mais bonito. Tanto os mapas quanto as skins parecem mais polidos, com uma textura melhor trabalhada e um belo jogo de cores. No aspecto gráfico, Overwatch realmente supera. 

Team Fortress 2

Overwatch heroes

Paladins champions

Quanto à variedade de personagens, TF2 é o mais limitado, com uma galeria de 9 classes e os bonecos são todos homens. Pois é, TF2 é do tempo que FPS era coisa de clube do Bolinha e não se esperava encontrar meninas jogando. 

Overwatch até o momento tem 32 heróis. O ritmo de lançamento de novos personagens tem sido bem lento e agora mais alguns virão no lançamento do Overwatch 2. Paladins, por sua vez, não economiza nas novidades. Praticamente toda temporada aparece um personagem novo ("campeão", na terminologia do jogo), o que significa uns 3 a cada ano. Até o momento, Paladins já tem nada menos que 54 campeões!

Esta quantidade imensa de personagens é mais um elemento que torna Paladins um jogo mais difícil e complexo, com uma longa curva de aprendizado, pois é preciso muita dedicação para estudar cada um dos 54 campeões e a cada nova temporada estudar um novo personagem, além de se readaptar aos constantes nerfs e buffs de todos eles. 

Claro que você não precisa experimentar todos os personagens, mas com certeza conhecer como eles funcionam vai ser útil quando você estiver enfrentando os mesmos em uma partida. Se você nunca testou um personagem e ele aparece em uma partida como adversário, os ataques dele serão uma surpresa, você não saberá suas forças e fraquezas e como counterar suas habilidades. Então no fim das contas é importante para o bom desempenho da jogabilidade experimentar todos os personagens ao menos para conhecer suas mecânicas básicas.

Toda esta abundância de Paladins resulta em personagens menos polidos, mais quebrados, o que pode ser uma experiência frustrante para muitos jogadores. Por outro lado, quem gosta de variedade irá ficar menos entediado com Paladins do que com Overwatch ou TF2.

Grover and Groot
Grover, o Groot de Paladins.

Paladins e Overwatch surgiram no mesmo ano, em 2016, e coincidentemente há muitas semelhanças entre seus personagens. Muuuitas. Por ter surgido alguns meses depois e ser menos popular, Paladins costuma receber acusações de ter copiado Overwatch, tanto na aparência de alguns personagens, quando nas habilidades. Curiosamente, também parece haver uma inspiração em filmes da Marvel, como o Grover, que é claramente uma cópia do Groot e o Pip que parece o Rocket Racoon.

Global Agenda

Que Paladins copiou a Marvel em certos casos é algo evidente. Já a semelhança com Overwatch é controversa. Overwatch foi lançado em maio de 2016 e Paladins em setembro de 2016, já os betas fechados foram respectivamente em outubro e novembro de 2015. Segundo a Hi-Rez, a maioria das habilidades dos personagens de Paladins foi herdada de outro jogo mais antigo do mesmo studio, o Global Agenda (2010).

O fato é que há semelhanças demais entre os dois jogos. Assim como no caso clássico da Marvel e DC, talvez tenha havido uma retroalimentação, uma cópia mútua entre os desenvolvedores. É possível que os profissionais que trabalharam em ambos studios tenham trocado figurinhas ou se inspirado em uma fonte comum.

Barik and Torbjörn

O que nenhum dos dois pode negar é a influência de Team Fortress 2 e o maior exemplo disso é o personagem que instala uma torreta: Torbjörn em Overwatch e Barik em Paladins, ambos inspirados no Engineer de TF2. Inclusive o Barik tem uma skin que é homenagem ao Engineer e você ganha quando tem na sua conta da Steam tanto o Paladins quanto o TF2.

No fim das contas, apesar das semelhanças, são três jogos com suas próprias peculiaridades, três diferentes sabores de um mesmo gênero de FPS.

Semelhanças e diferenças à parte, há um elemento que acho fundamental para definir se um multiplayer é divertido ou não: o sistema de match. Até comentei sobre isto em outro post¹.

Paladins me parece ter o pior match. Ele simplesmente junta 5 players e estes podem escolher livremente seus personagens. Desta forma, não há garantia de que o seu time terá uma distribuição balanceada de funções, pois isto vai depender da boa vontade de cada jogador. Se todos os 5 decidirem pegar um personagem de dano, assim será. Se ninguém quiser pegar healer ou tank, o time vai jogar sem isto. 

A formação de times só funciona direitinho no Paladins em partidas competitivas, porque há mais pressão por parte da equipe para que todas as classes sejam preenchidas. No modo casual é um caos.

Outro problema é que você está preso ao grupo em que o match te colocou. Se o grupo tiver sérios problemas de relacionamento, se a partida se tornar tóxica ou por qualquer outro motivo você não está achando divertido jogar com aquelas pessoas e resolver quitar, um bot vai ocupar o seu lugar só pra quebrar o galho. 

Para quem continua jogando, é frustrante estar em um time em que players quitaram e foram substituídos por bots, pois os bots são ajustados de maneira a ter um desempenho inferior ao de um humano.

No TF2 e no Overwatch há uma solução melhor. Quando um player quita de uma partida, a vaga fica aberta para ser ocupada por outro player que estava na fila em busca de um match. Ou seja, você pode entrar no meio de uma partida. 

Esta liberdade para entrar e sair evita o crescimento de um clima de tensão e aborrecimentos. No Paladins, como você está preso a um time a partida inteira, se acontecer uma antipatia entre os players, a tendência é que cresça e no fim da partida estão todos putos da vida.

É inevitável que em sua experiência com multiplayer você encontre algumas pessoas tão desagradáveis que você gostaria de nunca mais entrar em um time com as mesmas. O Overwatch oferece um bom recurso para lidar com isto. No seu histórico de jogadas, você pode ver todos os players com quem já jogou e, além das opções básicas de bloquear e reportar (no Paladins você só tem a opção de reportar), também tem o "avoid as teammate", ou seja, você avisa ao jogo para nunca mais colocar você em um match com aquela pessoa. 

Por fim, Overwatch também tem um recurso que ajuda bastante na formação de times. Antes mesmo de começar um match, você tem que escolher previamente sua classe, de modo que o sistema do jogo sempre garante a formação de um time balanceado, que terá 2 tanks, 2 danos e 2 healers. 

Para estimular os players a escolher as classes, existem até recompensar e obstáculos. Por exemplo, o jogo te presenteia com moedas e até baús se você escolhe jogar de tank ou healer, além de ter um tempo de espera menor. Dano é de longe a classe que a maioria dos players prefere, então não há nenhuma recompensa caso você escolha jogar de dano e ainda terá que esperar uns minutos a mais na sua fila.

O fato de cada classe ter sempre dois jogadores também diminui a pressão da equipe, principalmente sobre os healers. Quando há apenas um healer, a cobrança sobre ele será imensa, o que acontece muitas vezes no Paladins. Em um time com dois healers garantidos, um pode complementar o outro na tarefa de manter a equipe inteira em boa saúde. A responsabilidade e a cobrança ficam diluídas.

Overwatch 2 vai reduzir a equipe de 6 para 5, mas mantendo a presença de 2 healers, o que de fato é importante. Haverá apenas 1 tank, o que é razoável, já que o tank é uma espécie de líder do grupo e, havendo apenas 1, a call do time será mais organizada.

Enfim, no quesito match, Overwatch realmente sabe o que está fazendo.

Notas:


Palavras-chave:


The Batman, o primeiro Batman full detetive do cinema

The Batman (2022)

The Batman (2022)

O Batman tem várias facetas, de modo que ele parece uma combinação de vários personagens. Às vezes ele é comparado ao Tony Stark/ Iron Man, um bilionário que investe sua fortuna na produção de equipamentos bélicos, armaduras, naves, tanques. O Batman do Ben Affleck foi neste caminho.

Em outros momentos o Batman é uma espécie de ninja moderno, um guerreiro treinado em artes marciais e que passou por uma sofrida jornada de aperfeiçoamento. É o caso do Batman do Christian Bale.

O Batman apresentado por Frank Miller na consagrada graphic novel The Dark Knight é um veterano de guerra, um idoso calejado física e mentalmente. É lento, pesado, mas com um soco potente, como um brutamontes boxeador aposentado.

Batmen

Há Batmans e Batmans, uns mais musculosos, outros mais esbeltos, uns mais dados a combate corpo a corpo, outros que recorrem aos gadgets. As versões mais generosas dos quadrinhos representam o Batman como uma mente brilhante e extremamente estratégica. É o "Batman com preparo", um cara que tem um dossiê de todo mundo, heróis e vilões, e tem um plano A, B e C pra derrotar qualquer possível ameaça. E temos também um Batman mais galhofa e desastrado, como o do Adam West.

O Morcegão já teve uma dezena de filmes. O primeiro foi justamente com o Adam West, em 1966 (Batman: the Movie). Nos anos 90 teve a versão com o Michael Keaton (Batman - 1989 e Batman Returns - 1992) que foi um sucessaço, tanto que o filme Birdman faz até uma espécie de homenagem ao sucesso que Michael Keaton teve na época e a decadência depois que deixou de ser o Batman.

Também teve as versões menos respeitadas do Val Kilmer (Batman Forever - 1995) e George Clooney (Batman e Robin - 1997). Enfim veio a primeira trilogia e que teve um sucesso gigantesco, dirigida por Christopher Nolan e interpretada por Christian Bale (Batman Begins - 2005, The Dark Knight - 2008, The Dark Knight Rises - 2012).

Após esta marcante trilogia, que não só deu nova vida ao Batman no cinema como ao próprio gênero de super-heróis, o Cavaleiro das Trevas entrou em um hiato de nada menos que 10 anos, até finalmente voltar a ter um filme solo.

Pois é. Logo depois do último filme do Nolan, a DC na verdade estava empolgada em criar seu novo universo cinematográfico, o DCU, seguindo o exemplo da Marvel, que em 2012 (mesmo ano de The Dark Knight Rises) explodiu com o primeiro filme dos Vingadores. Em 2013 o DCU deu seu primeiro passo com o Superman, em Man of Steel, aí o resto foi uma grande bagunça.

O ideal era que o DCU elaborasse uma trilogia solo do Batman, mas em vez disso o Zack Snyder resolveu fazer uma mistureba em Batman v Superman (2016) que em uma só história misturou a luta do Batman contra o Superman (inspirada na graphic novel de Frank Miller), a morte do Superman e a formação precoce da Liga da Justiça, que teria seu filme de equipe em 2017. 

Desta forma, o Batman não teve filme solo nos últimos dez anos. Batman v Superman foi uma espécie de pré-Liga da Justiça, ao mesmo tempo em que também foi o Man of Steel 2 que o Henry Cavill nunca teve. Depois o Batman foi apenas um coadjuvante em Liga da Justiça (primeiro em 2017 e depois no Snyder Cut de 2021) e teve uma breve aparição em Suicide Squad (2016). Em Joker (2019) vemos brevemente um Bruce Wayne ainda criança.

Robert Pattinson; The Batman (2022)

The Batman

The Batman (2022), escrito e dirigido por Matt Reeves e interpretado pelo ex-vampiro Robert Pattinson, é finalmente o primeiro filme solo do personagem após uma década e claramente há intenção de estender este universo, de preferência resultando em uma nova trilogia. 

Este novo longa (e põe longa nisso, pois tem três horas de duração) consegue inovar e renovar o Batman, consegue trazer algo que todos os outros filmes não fizeram. Primeiro, temos pela primeira vez um Batman em início de carreira. Não é exatamente um Ano Um, mas a história se passa cerca de três anos desde que o jovem Bruce Wayne começou a patrulhar as ruas. Segundo, temos pela primeira vez um Batman full detetive.

The Batman (2022)

The Batman (2022)

O fato dele estar em início de carreira é interessante esteticamente, pois vemos que ele parece bem rudimentar se comparado a todas as outras versões. O batmóvel não é um tanque futurista, os gadgets parecem protótipos e, embora sejam tecnologia avançada, ainda transmitem um ar de produto "primitivo". Ele usa, por exemplo, uma lente de contato que filma, mas as imagens gravadas têm uma baixa resolução e poucas cores.

O batmóvel é basicamente um carro que foi tunado com uma turbina a jato. Não é um carrão estiloso como o do Michael Keaton, muito menos um tanque como o do Christian Bale ou do Ben Affleck. É um carro modificado e este elemento artesanal só torna o batmóvel do Pattinson uma das grandes atrações do filme. 

A cena em que ele persegue o Pinguim nas ruas é simplesmente espetacular. É uma das melhores cenas de perseguição automobilística dos últimos tempos. Tem algo de Mad Max, especialmente quando o carro do Pinguim capota e vemos as pernas do Batman se aproximando para capturá-lo. A fotografia, aproveitando o reflexo da luz nas gotas da chuva espessa, enchendo o cenário de preto e vermelho e pegando ângulos inesperados é outro charme desta cena.

Este Batman ainda novato, amador, apanha mais que qualquer outro, o que faz bastante sentido. Ele ainda não é o "Batman com preparo", experiente, que está sempre duas jogadas à frente dos inimigos. Ao contrário, ele comete vários erros. Quando entra numa briga corporal, ele bate, mas também leva. Ele não sabe desviar de balas e sua armadura é que tem que fazer todo o trabalho de protegê-lo. 

Ele desvenda os enigmas do Charada de forma meio imatura, tanto que no final não consegue descobrir a tempo as pistas que levariam a um grande atentado. É assim que tem que ser. Ele é o Batman novinho, estagiário ainda nesta carreira de vigilante. O fato de ser fisicamente mais magro que um Ben Affleck também combina com esta fase de sua carreira.

Quanto ao seu aspecto de detetive, foi outro grande acerto. Este é o Batman mais clássico de todos, o cara que ajuda a polícia a desvendar crimes, um Sherlock Holmes moderno. Em boa parte do filme ele está visitando cenas do crime, analisando evidências, ajudando o Gordon como uma espécie de consultor. 

Os policiais de Gotham o acham esquisito, mas mesmo assim o respeitam pela sua expertise de detetive. Em nenhum outro filme o Batman como detetive foi tão bem representado, o que coloca The Batman na galeria do puro gênero noir policial.

Nos clássicos filmes noir, vemos um policial ou detetive andando na noite urbana, visitando bares, interrogando vítimas e criminosos. O Batman faz tudo isso. Além disso, há outro elemento típico do noir que é o encontro do protagonista com uma mulher misteriosa, atraente, de olhar triste. Esta é a Mulher Gato. O resultado é um belo casal problemático. O mocinho e a bandida. O bilionário órfão e amargurado e a garota das ruas, explorada e vingativa.

Robert Pattinson, Zoë Kravitz; The Batman (2022)
O romance noir.

A Mulher Gato não é nem vilã nem anti-heroica. Também não é heroína. Ela é uma pessoa buscando vingança, assim como Bruce Wayne. Por isso ambos se identificam tanto, são como almas gêmeas, mas que no fim cada qual seguirá seu caminho, separados por diferentes visões de mundo.

Os vilões clássicos do Batman sempre foram uma espécie de versão deturpada dele mesmo e esta essência foi mantida no Charada. O Charada é apresentado como alguém que não aceita as injustiças do mundo, que odeia a corrupção de Gotham. Neste sentido ele tem o mesmo sentimento do Bruce, mas a sua ideia de solução para estes problemas é perturbada, pois ele se torna um serial killer e forma uma espécie de seita terrorista na internet. 

Este confronto de princípios é importante para o jovem Batman, pois o Charada funciona como um exemplo negativo, um justiceiro errado. A partir deste encontro, ele passa a repensar a própria missão e reorganizar as ideias para não se tornar um fanático pela vingança como o Charada.

Paul Dano; The Batman (2022)
O vilão nerdola.

The Batman (2022)

O Charada, interpretado por Paul Dano, tem uma caracterização que combina bem com seu arquétipo. Ele não é um vilão físico, mas mental, é um verdadeiro nerdão, um nerdola, bem do jeito estereotipado na cultura americana. É um carinha branco, de óculos, com cara de bebê e trejeitos estranhos. O ator fez um bom trabalho, mas ainda está longe do que foi o Coringa no filme do Nolan.

Eu diria que este foi o Batman mais humanizado de todos os filmes, não só porque vemos como ele é vulnerável e comete erros, mas também porque desenvolve relacionamentos afetivos, mesmo tentando manter uma carapaça de frieza e distanciamento das pessoas.

Quando visita a cena em que o candidato a prefeito foi morto, ele olha para uma criança, o filho da vítima. Ele não expressa nenhum sentimento, apenas olha para a criança e se mantém apático, mas este ato de olhar insistentemente para a pobre órfã revela a sua empatia.

Ele tem um sentimento de admiração e até amizade pelo Gordon, mas também tenta disfarçar numa aparente frieza. Em certo momento, ele não resiste a este disfarce a até solta um elogio: "You are a good cop".

Também acompanhamos a evolução de sua relação com Alfred. No início ele age como um adolescente revoltado e explicitamente rejeita qualquer tentativa do Alfred de tratá-lo de uma maneira paternal. Então o mordomo é vítima de um atentado e Bruce finalmente percebe que tinha um forte laço com ele. Alfred não é apenas o mordomo, mas o parente adotivo de Bruce e a única pessoa próxima que ele tem no mundo.

Robert Pattinson; The Batman (2022)
Emo Batman.

Enfim, The Batman acertou bastante. Trouxe para a tela o Batman true detetive, desenvolveu um romance noir com a Mulher Gato, tem a melhor cena de perseguição com o batmóvel de todos os tempos, tem vilões decentes (além do Charada, tem o Falcone e o Pinguim como vilões secundários) e desenvolve uma vida afetiva em Bruce Wayne. A trama tem duas lições, uma pessoal, para o Batman, e uma política.

A lição do Batman é sobre a tênue linha que separa vingança de justiça, os ajustes mentais que ele precisa fazer para não se tornar como o Charada. É uma lição universal, atemporal, que serve tanto para o personagem quanto para todo o público. O filme podia ter se atido a isto. 

Mas é aquela coisa, Hollywood nas últimas décadas se tornou muito devoto do progressismo e tenta sempre transmitir alguma mensagem política com tal viés. Então o Charada, com seus seguidores de um fórum obscuro da internet, acaba sendo uma espécie de caricatura de algum tipo de "extremista de direita". É, porém, uma mensagem sutil e que não chega a tornar o filme panfletário.

Acho que este novo Batman merece uma trilogia, ou pelo menos está pronto para uma. Ele poderia ter um filme sobre seu primeiro encontro com o Coringa (que fica subentendido na última cena) e quem sabe outro dedicado ao Pinguim, uma vez que ele herdou o império do Falcone e pode voltar como um adversário poderoso. E assim teríamos uma trilogia sobre os primeiros anos do Morcegão.

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