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Reinado, servidão e revolta: as fases da vida de uma criança

Quando uma criança vem ao mundo, normalmente é recebida com cuidados. Após o choque inicial de ter sido expulsa de seu paraíso uterino, da sua cápsula em que vivia isolada e nutrida, ela recebe a compensação da atenção dos pais, do leite materno, o colo e os toques indicando a presença de cuidadores, de seres que estão ali para servi-la. Neste estágio da vida, a criança reina.

Todo este cuidado dos pais é uma espécie de cartão de boas vindas ao mundo, é o que faz a criança se sentir confortável, bem aceita neste novo ambiente. Como consequência, ela desenvolve um sentimento narcisista, um sentimento de poder. 

Com seu choro ela controla o mundo, pois, ao chorar, logo é atendida pelos servos adultos que vêm consolá-la. Se está com fome e chora, é atendida com a amamentação. Se acorda sozinha e quer companhia, basta chorar que alguém aparece. Para a mente pueril, o mundo gira em torno dela e existe para servi-la.

Então vem a fase do aprendizado, quando os pais começam a impor regras e a dizer não às exigências da criança. Ela percebe que não tem mais poder sobre eles, que nunca teve, e descobre que sua condição agora é de servidão, pois os pais são seres superiores, divinos, a quem ela deve obediência e que em tudo a superam, na força, na inteligência, nos recursos. A criança entende a sua dependência dos pais e seu narcisismo é finalmente quebrado.

No decorrer da infância e especialmente na adolescência, a imagem dos pais como seres divinos é destruída. É o momento dela duvidar dos dogmas e fantasias, de praticar a iconoclastia, questionando os pais, enfrentando-os, uma prática que ajuda a construir um espírito mais independente, um indivíduo.

Este é o ciclo natural do aprendizado existencial de um ser humano. Todavia, falhas em quaisquer destas etapas podem levar a mente a outros caminhos deturpados. 

A criança desprezada em sua fase mais tenra, que teve negada a sua era de reinado, crescerá com um sentimento de desconforto no mundo, de não se encaixar em lugar algum, sentir-se-á rejeitada, um pária, um vírus em uma família e sociedade que não a acolhem.

A criança que não recebeu a disciplina, que não passou pela fase de servidão, jamais abandonará o narcisismo primitivo, vivendo com o sentimento de que o mundo deve sempre girar em torno dela.

A criança que não experimentou a revolta será uma eterna ingênua, incapaz de questionar o mundo e de tomar suas próprias decisões.

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