O Batman tem várias facetas, de modo que ele parece uma combinação de vários personagens. Às vezes ele é comparado ao Tony Stark/ Iron Man, um bilionário que investe sua fortuna na produção de equipamentos bélicos, armaduras, naves, tanques. O Batman do Ben Affleck foi neste caminho.
Em outros momentos o Batman é uma espécie de ninja moderno, um guerreiro treinado em artes marciais e que passou por uma sofrida jornada de aperfeiçoamento. É o caso do Batman do Christian Bale.
O Batman apresentado por Frank Miller na consagrada graphic novel The Dark Knight é um veterano de guerra, um idoso calejado física e mentalmente. É lento, pesado, mas com um soco potente, como um brutamontes boxeador aposentado.
Há Batmans e Batmans, uns mais musculosos, outros mais esbeltos, uns mais dados a combate corpo a corpo, outros que recorrem aos gadgets. As versões mais generosas dos quadrinhos representam o Batman como uma mente brilhante e extremamente estratégica. É o "Batman com preparo", um cara que tem um dossiê de todo mundo, heróis e vilões, e tem um plano A, B e C pra derrotar qualquer possível ameaça. E temos também um Batman mais galhofa e desastrado, como o do Adam West.
O Morcegão já teve uma dezena de filmes. O primeiro foi justamente com o Adam West, em 1966 (Batman: the Movie). Nos anos 90 teve a versão com o Michael Keaton (Batman - 1989 e Batman Returns - 1992) que foi um sucessaço, tanto que o filme Birdman faz até uma espécie de homenagem ao sucesso que Michael Keaton teve na época e a decadência depois que deixou de ser o Batman.
Também teve as versões menos respeitadas do Val Kilmer (Batman Forever - 1995) e George Clooney (Batman e Robin - 1997). Enfim veio a primeira trilogia e que teve um sucesso gigantesco, dirigida por Christopher Nolan e interpretada por Christian Bale (Batman Begins - 2005, The Dark Knight - 2008, The Dark Knight Rises - 2012).
Após esta marcante trilogia, que não só deu nova vida ao Batman no cinema como ao próprio gênero de super-heróis, o Cavaleiro das Trevas entrou em um hiato de nada menos que 10 anos, até finalmente voltar a ter um filme solo.
Pois é. Logo depois do último filme do Nolan, a DC na verdade estava empolgada em criar seu novo universo cinematográfico, o DCU, seguindo o exemplo da Marvel, que em 2012 (mesmo ano de The Dark Knight Rises) explodiu com o primeiro filme dos Vingadores. Em 2013 o DCU deu seu primeiro passo com o Superman, em Man of Steel, aí o resto foi uma grande bagunça.
O ideal era que o DCU elaborasse uma trilogia solo do Batman, mas em vez disso o Zack Snyder resolveu fazer uma mistureba em Batman v Superman (2016) que em uma só história misturou a luta do Batman contra o Superman (inspirada na graphic novel de Frank Miller), a morte do Superman e a formação precoce da Liga da Justiça, que teria seu filme de equipe em 2017.
Desta forma, o Batman não teve filme solo nos últimos dez anos. Batman v Superman foi uma espécie de pré-Liga da Justiça, ao mesmo tempo em que também foi o Man of Steel 2 que o Henry Cavill nunca teve. Depois o Batman foi apenas um coadjuvante em Liga da Justiça (primeiro em 2017 e depois no Snyder Cut de 2021) e teve uma breve aparição em Suicide Squad (2016). Em Joker (2019) vemos brevemente um Bruce Wayne ainda criança.
The Batman
The Batman (2022), escrito e dirigido por Matt Reeves e interpretado pelo ex-vampiro Robert Pattinson, é finalmente o primeiro filme solo do personagem após uma década e claramente há intenção de estender este universo, de preferência resultando em uma nova trilogia.
Este novo longa (e põe longa nisso, pois tem três horas de duração) consegue inovar e renovar o Batman, consegue trazer algo que todos os outros filmes não fizeram. Primeiro, temos pela primeira vez um Batman em início de carreira. Não é exatamente um Ano Um, mas a história se passa cerca de três anos desde que o jovem Bruce Wayne começou a patrulhar as ruas. Segundo, temos pela primeira vez um Batman full detetive.
O fato dele estar em início de carreira é interessante esteticamente, pois vemos que ele parece bem rudimentar se comparado a todas as outras versões. O batmóvel não é um tanque futurista, os gadgets parecem protótipos e, embora sejam tecnologia avançada, ainda transmitem um ar de produto "primitivo". Ele usa, por exemplo, uma lente de contato que filma, mas as imagens gravadas têm uma baixa resolução e poucas cores.
O batmóvel é basicamente um carro que foi tunado com uma turbina a jato. Não é um carrão estiloso como o do Michael Keaton, muito menos um tanque como o do Christian Bale ou do Ben Affleck. É um carro modificado e este elemento artesanal só torna o batmóvel do Pattinson uma das grandes atrações do filme.
A cena em que ele persegue o Pinguim nas ruas é simplesmente espetacular. É uma das melhores cenas de perseguição automobilística dos últimos tempos. Tem algo de Mad Max, especialmente quando o carro do Pinguim capota e vemos as pernas do Batman se aproximando para capturá-lo. A fotografia, aproveitando o reflexo da luz nas gotas da chuva espessa, enchendo o cenário de preto e vermelho e pegando ângulos inesperados é outro charme desta cena.
Este Batman ainda novato, amador, apanha mais que qualquer outro, o que faz bastante sentido. Ele ainda não é o "Batman com preparo", experiente, que está sempre duas jogadas à frente dos inimigos. Ao contrário, ele comete vários erros. Quando entra numa briga corporal, ele bate, mas também leva. Ele não sabe desviar de balas e sua armadura é que tem que fazer todo o trabalho de protegê-lo.
Ele desvenda os enigmas do Charada de forma meio imatura, tanto que no final não consegue descobrir a tempo as pistas que levariam a um grande atentado. É assim que tem que ser. Ele é o Batman novinho, estagiário ainda nesta carreira de vigilante. O fato de ser fisicamente mais magro que um Ben Affleck também combina com esta fase de sua carreira.
Quanto ao seu aspecto de detetive, foi outro grande acerto. Este é o Batman mais clássico de todos, o cara que ajuda a polícia a desvendar crimes, um Sherlock Holmes moderno. Em boa parte do filme ele está visitando cenas do crime, analisando evidências, ajudando o Gordon como uma espécie de consultor.
Os policiais de Gotham o acham esquisito, mas mesmo assim o respeitam pela sua expertise de detetive. Em nenhum outro filme o Batman como detetive foi tão bem representado, o que coloca The Batman na galeria do puro gênero noir policial.
Nos clássicos filmes noir, vemos um policial ou detetive andando na noite urbana, visitando bares, interrogando vítimas e criminosos. O Batman faz tudo isso. Além disso, há outro elemento típico do noir que é o encontro do protagonista com uma mulher misteriosa, atraente, de olhar triste. Esta é a Mulher Gato. O resultado é um belo casal problemático. O mocinho e a bandida. O bilionário órfão e amargurado e a garota das ruas, explorada e vingativa.
O romance noir. |
A Mulher Gato não é nem vilã nem anti-heroica. Também não é heroína. Ela é uma pessoa buscando vingança, assim como Bruce Wayne. Por isso ambos se identificam tanto, são como almas gêmeas, mas que no fim cada qual seguirá seu caminho, separados por diferentes visões de mundo.
Os vilões clássicos do Batman sempre foram uma espécie de versão deturpada dele mesmo e esta essência foi mantida no Charada. O Charada é apresentado como alguém que não aceita as injustiças do mundo, que odeia a corrupção de Gotham. Neste sentido ele tem o mesmo sentimento do Bruce, mas a sua ideia de solução para estes problemas é perturbada, pois ele se torna um serial killer e forma uma espécie de seita terrorista na internet.
Este confronto de princípios é importante para o jovem Batman, pois o Charada funciona como um exemplo negativo, um justiceiro errado. A partir deste encontro, ele passa a repensar a própria missão e reorganizar as ideias para não se tornar um fanático pela vingança como o Charada.
O vilão nerdola. |
O Charada, interpretado por Paul Dano, tem uma caracterização que combina bem com seu arquétipo. Ele não é um vilão físico, mas mental, é um verdadeiro nerdão, um nerdola, bem do jeito estereotipado na cultura americana. É um carinha branco, de óculos, com cara de bebê e trejeitos estranhos. O ator fez um bom trabalho, mas ainda está longe do que foi o Coringa no filme do Nolan.
Eu diria que este foi o Batman mais humanizado de todos os filmes, não só porque vemos como ele é vulnerável e comete erros, mas também porque desenvolve relacionamentos afetivos, mesmo tentando manter uma carapaça de frieza e distanciamento das pessoas.
Quando visita a cena em que o candidato a prefeito foi morto, ele olha para uma criança, o filho da vítima. Ele não expressa nenhum sentimento, apenas olha para a criança e se mantém apático, mas este ato de olhar insistentemente para a pobre órfã revela a sua empatia.
Ele tem um sentimento de admiração e até amizade pelo Gordon, mas também tenta disfarçar numa aparente frieza. Em certo momento, ele não resiste a este disfarce a até solta um elogio: "You are a good cop".
Também acompanhamos a evolução de sua relação com Alfred. No início ele age como um adolescente revoltado e explicitamente rejeita qualquer tentativa do Alfred de tratá-lo de uma maneira paternal. Então o mordomo é vítima de um atentado e Bruce finalmente percebe que tinha um forte laço com ele. Alfred não é apenas o mordomo, mas o parente adotivo de Bruce e a única pessoa próxima que ele tem no mundo.
Emo Batman. |
Enfim, The Batman acertou bastante. Trouxe para a tela o Batman true detetive, desenvolveu um romance noir com a Mulher Gato, tem a melhor cena de perseguição com o batmóvel de todos os tempos, tem vilões decentes (além do Charada, tem o Falcone e o Pinguim como vilões secundários) e desenvolve uma vida afetiva em Bruce Wayne. A trama tem duas lições, uma pessoal, para o Batman, e uma política.
A lição do Batman é sobre a tênue linha que separa vingança de justiça, os ajustes mentais que ele precisa fazer para não se tornar como o Charada. É uma lição universal, atemporal, que serve tanto para o personagem quanto para todo o público. O filme podia ter se atido a isto.
Mas é aquela coisa, Hollywood nas últimas décadas se tornou muito devoto do progressismo e tenta sempre transmitir alguma mensagem política com tal viés. Então o Charada, com seus seguidores de um fórum obscuro da internet, acaba sendo uma espécie de caricatura de algum tipo de "extremista de direita". É, porém, uma mensagem sutil e que não chega a tornar o filme panfletário.
Acho que este novo Batman merece uma trilogia, ou pelo menos está pronto para uma. Ele poderia ter um filme sobre seu primeiro encontro com o Coringa (que fica subentendido na última cena) e quem sabe outro dedicado ao Pinguim, uma vez que ele herdou o império do Falcone e pode voltar como um adversário poderoso. E assim teríamos uma trilogia sobre os primeiros anos do Morcegão.
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