Os Intocáveis (1987), dirigido por Brian De Palma, é baseado no livro homônimo de 1957. O livro é um relato autobiográfico de Eliot Ness, um agente do Tesouro Americano que se dedicou a caçar o grande mafioso Al Capone. Eliot montou uma valente força-tarefa que foi apelidada como The Untouchables e cujos esforços levaram finalmente à prisão de Capone, que curiosamente foi condenado por não pagar imposto de renda, pois era difícil responsabilizá-lo pelos crimes violentos da máfia, dada a sua discrição.
O filme obviamente vai além da realidade histórica e transforma a missão de Eliot em uma aventura policial quase super-heróica. Há chocantes e marcantes cenas de violência. Logo no início, vemos uma garotinha tentando devolver uma bolsa que um homem deixou no bar e a bolsa explode. Em outro momento vemos o próprio Capone esmagar a cabeça de um de seus sócios com um bastão de basebol.
Embora a equipe tenha a fama de Intocáveis, alguns de seus membros vão morrendo ao longo da jornada. Primeiro o Oscar Wallace, que era o nerd do grupo. Foi ele quem investigou as contas da máfia e chegou à conclusão que era possível condenar Capone por fraude fiscal. Wallace é morto por um capanga de Capone, Frank Nitti, que ainda deixa um macabro recado, desenhando a palavra "touchables" (tocáveis) com o sangue da vítima.
No filme esta palavra não aparece inteira em um frame. Tive de juntar três frames porque a câmera faz uma panorâmica percorrendo a palavra, o que cria um elemento de suspense. |
A morte de Wallace só alimenta a fúria dos Intocáveis, que avançam mais a fundo na perseguição à máfia, então vem a segunda baixa, com a morte de Jim Malone. Malone era um policial já velho que estava terminando sua carreira como um simples patrulhador de rua. Eliot o encontrou ao acaso em uma noite e sentiu nele muita integridade e experiência, de modo que o recrutou para a força-tarefa.
Acontece que Malone foi interpretado por Sean Connery, de longe o ator mais famoso do filme. O único Oscar do filme foi justamente o de melhor ator suporte, dado a Sean Connery. Seu personagem funciona como um conselheiro paternal de Eliot. Diversas falas memoráveis são ditas por ele, como quando sua casa é invadida por um mafioso com um canivete e ele, portando uma escopeta, diz: "Isn't that just like a wop...brings a knife to a gunfight".
Apesar de badass, ele comete um vacilo justamente nesta cena, pois persegue o mafioso até a rua e é surpreendido por outro que acerta nele uma saraivada de metralhadora. Aí entra o fator estrelismo. Como Malone era ninguém menos que Sean Connery, claramente o diretor não o deixou ter uma morte rápida, explorando ao máximo a cena.
Mesmo todo cravejado de balas, Malone ainda consegue rastejar para dentro de casa e permanece vivo até o momento em que Eliot chega, quando entrega para ele a pista que faltava para encontrarem o contador de Capone.
Convenhamos, a participação do Sean Connery não nos parece tão digna de Oscar, ainda mais o único Oscar do filme. Ele fez um trabalho ok, mas nada de especial. Foi o roteiro e direção que o supervalorizaram, dando a ele as melhores falas e uma longa cena de morte que hoje em dia nos parece até patética pela falta de verossimilhança. Ele ganhou o Oscar porque era o Sean Connery, um grande ator, de fato, mas que foi privilegiado em excesso neste filme.
No fim, sobram só os dois jovens bonitões, Eliot (Kevin Costner) e George Stone (Andy Garcia). Estes dois protagonizam a cena mais impactante e memorável deste filme e uma das melhores cenas de ação e suspense da história do cinema: o tiroteio na escadaria com um carrinho de bebê.
Esta cena, maravilhosamente bem construída, se passa em um terminal de trem, onde Eliot e George ficam de tocaia esperando o contador de Capone que iria fugir da cidade. Acontece que uma mulher começa a subir na escadaria puxando com dificuldade um carrinho de bebê e duas malas. As pessoas passam e nem se importam. Eliot, sempre bom moço, se oferece pra ajudar e, quando chega ao último degrau com o carrinho, é cercado pelos mafiosos e começa um tiroteio.
O tiroteio acontece em câmera lenta de modo que acompanhamos com apreensão, enquanto o carrinho de bebê desce rolando a escada em meio aos tiros, a mãe desesperada tropeça gritando pela criança, Eliot, turbinado pela adrenalina, corre atrás do carrinho ao mesmo tempo em que vai derrubando os mafiosos na bala e desviando dos tiros. É uma cena de ação frenética, porém em câmera lenta, o que acrescenta muito suspense. No fim, o George chega deslizando no chão, como um bom herói de ação, e segura o carrinho com o pé. É o momento em que a plateia do cinema suspira aliviada e aplaude.
The Untouchables é assim, uma mistura de cenas formidáveis e outras ridículas. Na lista das ridículas também temos a morte de Nitti. Ou melhor, esta cena é ambígua, pois por um lado é um dos momentos mais dramáticos da história, uma vez que vemos Eliot enfrentando a própria sombra, o próprio desejo de fazer justiça sumária.
Ele desde o início é o incorruptível policial bom moço, mas após lidar com toda a crueldade da máfia, ele chega no limite quando prende Nitti e este zomba da morte de Malone. Aí foi a gota d'água. Eliot empurra Nitti edifício abaixo e é aí que vem o momento tosco, com um efeito especial bem feinho da queda, mas é perdoável, pois era o que tinha pra época.
Robert De Niro, que outrora foi o Vito Corleone na trilogia do Poderoso Chefão, agora interpreta outro chefão, o Al Capone. Ele dá ao personagem seu típico ar caricato, com expressões que misturam bom humor e sadismo psicopata. Ele caiu como uma luva no papel. É um criminoso que cinicamente debocha da justiça, sempre confiante que pode corromper tudo e todos, e sua derrota mostra que ocasionalmente alguém com determinação consegue vencer o pântano da corrupção no sistema.
Al Capone, porém, só foi possível por causa da imbecilidade dos políticos que decretaram algo tão tosco como a Lei Seca. A Lei Seca é um grande exemplo de que não adianta impor certas proibições arbitrárias à sociedade, pois a sociedade reagirá por meio da clandestinidade. A máfia de bebidas surgiu por causa desta lei e, em consequência, um mundo de violência.
Ironicamente, os próprios Intocáveis, que lutaram tão devotadamente contra a máfia das bebidas, são algumas vezes vistos a consumir bebidas. Numa cena um tanto cômica, Oscar Wallace dá um golinho num tonel de bebida que estava vazando e até o sério Malone guarda uma garrafa escondida na cozinha e antes de sua morte vemos ele encher um copo.
Por fim, também merece menção a inesquecível trilha sonora, composta pelo profícuo e talentoso Ennio Morricone. As músicas vão do drama à ação e a música "On The Rooftops" é reconhecida por qualquer pessoa hoje em dia. Quem ouve pode até não saber ou lembrar de onde vem, mas dirá que já ouviu em algum lugar.
Palavras-chave:
Nenhum comentário:
Postar um comentário