Contemplo as bolhas flutuantes. São como pequenas estrelas de meu próprio universo. Onde foi parar a fonte, eu me pergunto. Nada mais é como antes. Ao mesmo tempo eu contemplo o templo, esta casca em que habito e fico hirto, aflito. Eu preciso de um abrigo, uma caverna, uma lápide onde se enterra a semente daquilo que ainda não tornei-me. Olho a chuva e vejo Shiva. Olho o mar e vejo Maria. Olho a floresta e eis que esta é minha casa, a mata é o berço e a cápsula das energias primordiais. Ali habita o caos e algo mais. Eu sou madeira, sou árvore, ora rígida, ora maleável. Regenero-me, altero, produzo o belo e perfumado espinho, o cauteloso cardo. Minha pele é o espelho da alma, minhas mãos falam mais que os lábios, meus olhos veem melhor fechados, quando sonho, quando aceito o estranho. Ser lagarta é uma arte, a arte de sempre transformar-se. Benditos os malditos. Eles podem apreciar a melodia de seus próprios gritos. Jamais me arrependi de nada que perdi. Tudo que destruí foi um ritual. Cada erro é um altar, uma pedra erguida para recordar. Que arte formidável esta de viver sempre encantado, sempre entediado, sempre trafegando no paradoxo disso e daquilo. Sempre hei de quebrar esta quinta parede, esta outra dimensão. Eu vejo vocês, vocês que estão a assistir nossos delírios. Somos um desenho, uma página, uma lástima, uma trágica tragada na garrafa mágica das nossas fábulas.
(21,12,2021)
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