Antes de se tornar Batman, Bruce Wayne era um garoto rico e que não tinha com o que se preocupar, até que viu seus pais serem mortos diante dele. Sua reação a este trauma foi tornar-se um justiceiro.
Alguém pode dizer: "Ah, pelo menos o Batman ainda teve uma infância cheia de privilégios de um garoto mimado". Pois é, é justamente este contraste entre sua infância e sua tragédia que faz ele se tornar o Batman.
Neste aspecto o Batman teve uma experiência parecida com a de Sidarta Gautama, o Buda. Sidarta igualmente foi uma criança riquíssima que vivia no conforto e protegido contra as desgraças do mundo, até que um dia ele saiu do castelo e viu idosos em decadência, doentes, pessoas sofrendo.
Quem nasceu e cresceu tendo contato com as misérias do mundo, acaba encarando isto como algo normal, já que experienciou desde sempre. Tanto Buda quanto o Batman tiveram uma infância paradisíaca e, quando enfim conheceram o aspecto trágico do mundo, sofreram um choque de realidade. Ambos desenvolveram uma noção de que algo está errado no mundo, algo está quebrado. Ambos buscaram uma solução para isto, de maneiras opostas.
Para Buda, a solução para o sofrimento começa dentro da consciência de cada um, pela iluminação, a fim de alcançar um estado de transcendência, como a flor de lótus que cresce no lamaçal e mesmo assim se mantém limpa e bela.
Para o Batman, a solução para a injustiça é lutar para transformar o mundo, combater os injustos e impor a justiça. É uma luta eterna, sem fim, mas a que ele obstinadamente se dedica de uma forma até paranoica, obsessiva. O choque de realidade daquela criança mimada ao testemunhar o assassinato dos pais moldou em sua mente esta obsessão pela justiça e por consertar o mundo.
É aí também que o Batman se assemelha ao Diabo¹. O Diabo não é uma figura tão simples como muitos pensam. Ele não representa simplesmente o Mal. No Novo Testamento, de fato, ele é o Mau, com "u". A oração "mas livrai-nos do mal" seria melhor traduzida como "livrai-nos do mau", pois a palavra grega é poneron, um substantivo que representa uma pessoa maligna. Livrai-nos do maligno, que, no caso, é o Diabo.
Na teologia, porém, a figura do Diabo foi ganhando diversas camadas de simbolismo. Com base no Antigo Testamento, onde o Diabo foi chamado de Satan no livro de Jó (o opositor, o adversário) e Hillel em Isaías (a estrela da manhã, que, na versão latina da Vulgata, virou Lucifer), desenvolveu-se a ideia de um ser a princípio angelical, um querubim belo e poderoso criado por Deus, que se rebelou.
Destarte, além de ser a essência da maldade e da desgraça do mundo, o Diabo também se tornou um anti-Deus, uma espécie de conspirador que pretende tomar o lugar de Deus, ser adorado e estabelecer um novo sistema no mundo, subvertendo a ordem original.
Assim ele aparece no jardim do Éden como uma serpente tentando recrutar Adão e Eva para a sua ideologia, provocando o pecado original e, a partir daí, dividindo a civilização humana em uma eterna luta entre os devotos de Deus e os devotos do Diabo.
Tá, mas onde entra o Batman nisso? Então, acontece que ao longo da Idade Média a figura do Diabo ganhou ainda outro significado: ele se tornou o Punidor, o carrasco que reina no inferno e se encarrega de castigar os pecadores que para lá são enviados. Ou seja, Deus é o juiz, mas quem executa a pena é o Diabo.
Na Divina Comédia, Dante então organizou esta teologia popular, folclórica, dando-lhe ares épicos. Assim surgiu um inferno organizadíssimo, com vários círculos, vários departamentos dedicados a punir diferentes tipos de pecadores. O "gerente" desta instituição é o Diabo.
É aí que entra o Batman. Ele é o Diabo em seu aspecto punidor. Inclusive o design do personagem sugere a imagem de um ser demoníaco. Ele é um morcego, veste-se de preto, tem "chifrinhos", vaga na noite, o horário das trevas. Ele contrasta com o Superman, que todos sabem que é um evidente arquétipo de Jesus e que vaga durante o dia, alimentando-se da energia solar. Superman é luz e Batman é trevas. Superman é esperança e Batman é justiça.
Notas:
1: Vale notar também que, por volta do renascimento e especialmente na era moderna, o Diabo ainda ganhou mais um aspecto, que o assemelha ao grego Prometeu: ele é o libertador da humanidade no sentido de promover a sua maioridade, de levar a civilização a superar o governo dos deuses e seguir seu próprio caminho. É assim que surgiu o luciferianismo, adotando Lúcifer como o principal nome do Diabo, uma vez que ele significa "Portador de luz", no caso, a luz da razão.
E ainda há muitos outros seres relacionados ao Diabo: pessoas desencarnadas que se tornaram espíritos obsessivos, criaturas extradimensionais que são bestas-feras sem qualquer sentimento de bondade, até alienígenas reptilianos são, por algumas pessoas, identificados com o Diabo. Todos estes tipos de Diabo, porém, não vêm ao caso aqui.
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