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Os zumbis frenéticos de I Am Legend e World War Z

Will Smith; I Am Legend (2007)

Tradicionalmente os zumbis são caracterizados como criaturas lentas, que andam claudicando, o que faz sentido, dada a condição degradada do corpo e da mente. Também é mais "justo" que sejam assim, pois eles já têm o poder da resistência física (geralmente tendo como único ponto fraco o dano na cabeça). Há alguns casos, porém, em que os zumbis ganham um buff, se tornando velozes e frenéticos.

A imensa franquia de jogos e filmes e tudo o mais Resident Evil não só explora esta classe de zumbis  corredores como dá a eles super poderes. Em 28 Days Later (2002) e 28 Weeks Later (2007), temos uma versão mais realista, sem os exageros de Resident Evil e na verdade os zumbis nem parecem zumbis tradicionais, com o corpo podre e tal. Estão mais para humanos sofrendo de uma versão bem agressiva de raiva.

É nesta linha que segue o World War Z (2013) que tem certa semelhança com o filme I Am Legend em sua estrutura: acondece a pandemia de zumbis frenéticos e um cara faz uma jornada em busca da cura, se sacrificando no final para entregar o remédio à humanidade.

I Am Legend é um livro de 1954, de Richard Matheson, e que foi um dos precursores do conceito de apocalipse zumbi, só que no caso ele descreve as criaturas como vampiros. Estes seres parecem um intermediário entre vampiro e zumbi, algo como ghouls. 

Batman vs Superman easter egg; I Am Legend (2007)
Poster de um fictício filme de Batman vs Superman que aparece no cenário de I Am Legend.

O livro inspirou várias adaptações, entre elas o filme homônimo de 2007, estrelado pelo Will Smith (Robert Neville). Este é um daqueles filmes proféticos, pois previu o crossover Batman versus Superman (em uma parte do cenário apocalíptico vemos um cartaz com o logo dos dois heróis), bem como uma pandemia, pessoas de máscara, quarentenas e a coisa toda, mas isto, convenhamos, é tão comum no cinema que quando acontece no mundo real já se tornou mais clichê que profecia.

I Am Legend (2007)
Arte conceitual dos zumbis de CGI para I Am Legend.

Eu Sou a Lenda optou por usar CGI para dar uma aparência deformada aos zumbis, especialmente a mandíbula alargada, o que acabou ficando datado, pois hoje o visual nos parece bem tosquinho. Quando se trata de zumbis, nada supera a boa e velha maquiagem.

Os zumbis de Eu Sou a Lenda são frenéticos, saltam, escalam paredes, os mais espertos desviam de balas com um gingado capoeirístico, mas são sensíveis so sol, afinal têm elementos de vampiros. O frenesi deles só é ativado à noite, de modo que durante o dia o Will Smith pode passear pela cidade vazia.

Curiosamente, a origem desta pandemia zumbi é uma vacina que deu errado. O propósito inicial da vacina era nada menos ambicioso do que prevenir o câncer, mas uma mutação transformou os vacinados nestes zumbis-vampiros. 

Quanto ao Will Smith, ele é um dos poucos humanos com uma imunidade especial aos efeitos mutagênicos da vacina, de modo que continuou inalterado e por isso passou a estudar os efeitos do próprio sangue ao injetá-lo nos zumbis em busca de um remédio para reverter a mutação. É uma ciência bem rudimentar, convenhamos. Se tudo se resolvesse simplesmente injetando o sangue de uma pessoa sadia em outra doente, seria uma maravilha.

Brad Pitt; World War Z (2013)

Brad Pitt; World War Z (2013)

World War Z (2013) é parecido em alguns aspectos com I Am Legend, sendo que os zumbis frenéticos não têm pausa pra dormir nem temem o sol, logo são bem mais perigosos. O Brad Pitt agora ocupa o lugar do Will Smith e o final é igual para ambos: eles se sacrificam para garantir a cura da epidemia. 

No caso do Will Smith, ele era imune, mas no final o que ele deixa para a posteridade é um frasco com o sangue de uma zumbi que ele inoculou com o próprio sangue, produzindo uma mutação sobre a mutação. Já no WWZ, a fórmula milagrosa é uma doença testada no Brad Pitt. Falaremos melhor sobre isso adiante.

Guerra Mundial Z tem uns detalhes bem interessantes. No aspecto político, faz uma brincadeira ousada com a Coreia do Norte, contando que o país totalitário resolveu seu problema com zumbis de uma forma bem prática: removeu os dentes de todos os 20 milhões de habitantes. Assim, caso alguém se transformasse, não conseguiria morder ninguém.

Israel, por sua vez, se adiantou em construiu um muro. O Brad Pitt, que no caso se chama Gerry Lane, visitou um membro do Mossad pra conseguir pistas sobre o paciente zero. Então é mencionado um princípio epistemológico bem peculiar que o Mossad passou a adotar: se nove membros do alto conselho concordarem com uma mesma conclusão, o décimo membro deve discordar. 

No caso, o Mossad estava espionando os militares da Índia e ouviram a menção a um caso de "zumbis". Os nove membros do conselho chegaram à conclusão mais racional que era interpretar isto como algum código para disfarçar outro fato. Ninguém em sã consciência acreditaria que havia mesmo um caso de zumbi, então aí entrou a função de décimo membro de discordar e admitir que era um fenômeno real.

Há uma lição preciosa aqui. Em determinados momentos críticos, é comum que a maioria das pessoas se apresse a concordar com uma mesma interpretação da realidade, o que é geralmente algo bom. O senso comum é importante e nas questões do dia a dia é recomendável seguir o que a maioria pensa como certo, principalmente quando parece uma opinião racional. Na crise, porém, o senso comum pode falhar miseravelmente por causa justamente da tendência a se buscar uma interpretação normal, racional, descartando a possibilidade de haver algum fenômeno incomum acontecendo. Ou seja, em situações de crise, aumentam as chances da maioria estar errada.

World War Z (2013)
As pilhas de zumbis são a grande marca deste filme.

O conceito mais marcante do filme é o dos zumbis que se aglomeram para formar uma enorme pilha de corpos. Nenhum outro filme explorou isto de forma tão notável. Fica claro que muros altos não adiantam contra estes seres que se empilham, numa espécie de inteligência rudimentar de formigas, para escalar obstáculos. Estes zumbis são frenéticos e um tanto espertos.

Mais ainda, eles são seletivos. Isto é outra característica peculiar. Gerry percebe que os infectados têm uma espécie de faro para perceber quando uma pessoa é portadora de alguma doença grave, de modo que não se interessam em morder estas pessoas. Isso mesmo, são zumbis com nojinho de humanos doentes.

Este vírus tem um propósito evolutivo e, em sua intenção de se multiplicar, sabe selecionar candidatos que não ponham sua existência em risco. Com base nesta lógica, Gerry propõe uma "cura", ou melhor, uma forma de tornar as pessoas invisíveis para os infectados: inocular a humanidade com alguma doença.

Brad Pitt and some extra; World War Z (2013)
O figurante que teve seu momento de fama batendo os dentinhos perto do Brad Pitt.

O sacrifício de Gerry consiste no fato dele testar sua teoria no próprio corpo, injetando no sangue um patógeno e se expondo a um zumbi que então o ignora. Esta cena chama atenção pela atuação do figurante que interpreta um zumbi com um jeito estranho de bater os dentes, como se fosse um roedor ou sofresse de bruxismo.

Diferente do Robert Neville, cuja chave para a cura da epidemia era a sua imunidade especial, Gerry não é diferente das outras pessoas, não é imune à epidemia nem nada, mas se ofereceu como cobaia para testar a teoria da auto contaminação e no final ele é medicado de modo que consegue escapar vivo.

Provada a teoria, a OMS desenvolve uma espécie de patógeno amenizado para contaminar as pessoas sem de fato adoecê-las, apenas para enganar o faro dos zumbis. Assim, a missão da humanidade restante será exterminar os bilhões de contaminados, de modo que no final do filme vemos pilhas de zumbis mortos em toda parte do mundo. 

É um verdadeiro genocídio da grande massa humana acometida pela epidemia, mas é aquela coisa, depois que alguém vira zumbi deixa de ser considerado humano né. Há algumas exceções, como o filme Warm Bodies (2013)¹, a série In the Flesh (2013), Maggie (2015)² e até Army of the Dead (2021)³, que reumanizam os zumbis e não os tratam como meros monstros que devem ser exterminados. Mas enfim, não sou eu que vou problematizar a caça aos zumbis. Se esse troço não tem cura, o jeito é matar e tacar fogo mesmo.

Notas:




Tanto em I Am Legend quanto em WWZ, o protagonista é um arquétipo do Messias, o Salvador que se sacrifica pela humanidade. Em Army of the Dead, o Zeca Snyder é bem ousado e aplica o arquétipo de Jesus ao zumbi líder, uma relação bem inesperada no cinema mainstream.

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