Já escrevi aqui algumas vezes sobre este peculiar gênero do cinema americano que mistura comédia, sacanagem e nonsense. É o caso de A Dirty Shame (2004)¹, Extreme Movie (2008)² e, claro, o grandioso American Pie (1999-2020).
Este gênero está quase extinto, caçado pela patrulha do politicamente correto. Hoje em dia é difícil um grande studio ter coragem de bancar algo do tipo, pois algo parece ter desligado a área do cérebro responsável por compreender o humor satírico. A sátira agora é entendida como um insulto literal e também parece que a apreciação pelo nonsense se tornou escassa. "Why so serious?".
Movie 43 é um dos últimos espécimens deste gênero em extinção, lançado em 2013, um ano em que o Twitter ainda era usado majoritariamente para conversas aleatórias e memes, antes dele ser tomado pela política e o amargor como seu assunto principal. Ele tem uma estrutura narrativa parecida com Extreme Movie: é uma coleção de pequenos contos bem esculhambados.
Só que há um fio que liga tudo. Dois garotos inventam uma mentira sobre um suposto Movie 43 que seria um filme proibido e fazem o irmãozinho mais novo, que é metido a hacker, buscar na deep web. Ao longo da busca, ele vai encontrando uns filmes malucos que vão então preenchendo a história.
Além da referência a Gotham, também tem um conto com Batman, Robin, Wonder Woman e Supergirl. |
O primeiro envolve uma mulher que vai num encontro com um cara rico, bonito e famoso, mas, quando ele tira o lenço do pescoço, revela uma deformidade inesperada: um par de testículos bem embaixo do queixo. É uma situação hilária por causa do desconforto que ela sente em falar com o cara enquanto ele balança as bolas e todas as pessoas no restaurante parecem fingir que nada há de incomum no sujeito.
Em outro filme, uma mulher surpreende o namorado com o fetiche escatológico. Outro, ainda mais bizarro, mostra um casal que "educa" o filho de uma forma abusiva, praticando bullying e até incesto porque eles fazem uma espécie de roleplay simulando o que deveriam ser os colegas adolescentes dele.
A coisa também tem seu momento sci-fi, com um aparelho de mp3, parodiando o iPod que era moda na época, só que este novo produto, chamado iBabe, é uma robô humanoide pelada. Como a ventoinha do robô fica dentro da vagina, torna-se comum o acidente de garotos que perdem o pênis porque, como era de se esperar, tentam brincar com a boneca robótica.
Tem a história de uma adolescente que menstrua pela primeira vez no sofá do amiguinho, criando uma situação de pânico e constrangimento. E a coisa também vai para o lado do humor mórbido, com um cara que rapta um anão irlandês para dar de presente ao amigo, acreditando que é um leprechaun. Outro anão vem resgatá-lo, mas no fim os dois psicopatas matam os anões e jogam no lixo. Pois é, não é uma comédia para os mais sensíveis.
A cereja do bolo é o último curta, com uma mulher que está na casa do namorado e flagra o gato dele se masturbando enquanto olha as fotos do cara. Enciumado, o gato passa por cima da moça com um carro e atira nela com uma doze (pois é, gatos conseguem fazer isso), mas ela reage e tenta matar o bicho com uma pá na frente das crianças em uma festa de aniversário. As crianças então atacam a mulher e a matam perfurando-a com as colherinhas de plástico da festa. Uma historinha bem suave.
E olha que um grande elenco hollywoodiano topou participar dessa presepada: Emma Stone, Richard Gere, Dennis Quaid, Kate Winslet, Chloe Moretz, Hugh Jackman, Halle Berry, Anna Faris, Chris Pratt, Elizabeth Banks e outros mais. A direção e roteiro é uma obra coletiva, feita por uma dúzia ou mais de pessoas, cada qual responsável por um conto. Entre os diretores, temos a Elizabeth Banks, Bob Odenkirk (o Better Call Saul) e ninguém menos que o perturbado James Gunn. Claramente foi ele quem escreveu a história do gato.
Naturalmente, os cinéfilos e a "crítica especializada" detestaram o filme e se questionam como tantos atores de grande carreira toparam participar dessa tosqueira. Pois eu digo. Eles toparam porque são pessoas que sabem brincar e não se levar demais a sério. Veja o Hugh Jackman, o ator que fez um papel tão dramático e intenso nos Miseráveis (que valeu indicação ao Oscar), agora estava interpretando um cara que tem as bolas penduradas no pescoço.
Movie 43 esfrega as bolas da comédia na cara dos cinéfilos e dos moralistas do politicamente correto.
Notas:
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