É comum as pessoas buscarem uma explicação e uma causa única para fenômenos semelhantes, mas, no caos fractal da realidade, efeitos parecidos podem ter diversas causas. Em termos simples, cada caso é um caso.
Houve um tempo em que o martírio era um fenômeno relativamente comum em certas sociedades. O auge foi durante o império romano, quando o cristianismo ainda era um movimento underground. Pode-se dizer que naquela época virou moda ser mártir.
O que levava alguém ao martírio? Eis aí um exemplo de algo que pode ter causas e motivos mais diversos. Sim, havia pessoas que genuinamente deram a vida em nome da fé, pessoas que transcenderam os apegos mundanos a ponto de superar o temor da morte.
Ora, quando alguém já não teme a morte, se torna imbatível. Nada pode aprisionar quem não pode ser ameaçado com a morte. Estas pessoas defendiam a fé sem medo, sem vergonha, sem nada que as pudesse controlar. Este tipo de mártir, pode-se dizer, era alguém com um poder sobre-humano.
Há relatos impressionantes de como certos mártires suportaram as mais grotescas torturas e não duvido que alguns destes relatos sejam verídicos. O corpo e a mente humanas são capazes de feitos formidáveis e ocasionalmente há pessoas que manifestam estes poderes, especialmente em situações extremas.
Assim como houve mártires que eram verdadeiros super heróis, santos transcendentais, também havia os mais diversos tipos e alguns bem idiotas. Houve gente que se entregou ao martírio pelo desejo narcisista de fama, de entrar pra história, de dar um sentido grandioso à sua biografia. Houve gente com problemas mentais que mal sabia porque foi parar na fogueira.
Houve gente com fortes tendências suicidas que resolveu unir o "útil ao agradável", rumando em uma jornada para o martírio que nada mais era do que uma maneira nobre de cometer suicídio. Houve idiotas que poderiam muito bem ter escapado, mas foram pegos e mortos por vacilo, como os estúpidos personagens de filmes de terror que sempre morrem porque lhes falta um mínimo de esperteza para fugir do vilão.
É tênue a linha que separa o desapego da baixa estima, de modo que há mártires que são pessoas sem amor próprio e que se consideram descartáveis e até merecedores da morte. O martírio pode ser tanto um gesto de insubmissão e rebeldia, quanto de submissão e obediência.
Modernamente, o martírio literal já não é "moda", embora ainda aconteça em certas regiões do mundo. O que a sociedade experimenta hoje como uma verdadeira epidemia é o complexo de mártir. É uma forma de autossabotagem, de coitadismo, de se submeter a sofrimentos e privações que poderiam ser evitados com uma atitude mais arrogante, mais valente. É se tornar o "bonzinho que se fode".
O complexo de mártir também pode ter mil causas: a pura baixa estima, a busca de aceitação, a mente doutrinada na submissão como algo normal, o sentimento de culpa e merecimento de castigo, etc, etc.
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