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A formação do transtorno esquizoide na infância

O Transtorno de personalidade esquizoide¹ comumente se manifesta em adultos, mas sua origem pode remontar à mais tenra infância. Apresenta-se numa forma de apatia para com os sentimentos e o desinteresse para relacionamentos. Na verdade, não se trata de desinteresse, mas de receio. O esquizoide evita as pessoas porque não confia nelas, mesmo que, no fundo, gostaria de confiar.

É aí que vem a curiosa relação entre o transtorno esquizoide e a infância. É certo que pessoas podem desenvolver o transtorno devido a fortes traumas sofridos na vida adulta, mas aquelas que tiveram uma infância saudável o suficiente para desenvolver o sentimento de confiança no relacionamento com as demais costumam ter "anticorpos" que as permitem se recompor após os traumas e decepções. Quem, todavia, sofreu o trauma na infância, fica fortemente debilitado, já que traumas na infância deixam raízes muito mais profundas.

É comum subestimarmos a profundidade mental de bebês. À primeira vista, um bebê parece uma criaturinha "estúpida". Não sabe falar, não entende o que as pessoas dizem, não sabe nem mesmo andar. Afetivamente, porém, o bebê já possui uma complexidade formidável e ele desenvolverá a sua personalidade e atributos mentais com base em suas experiências com o mundo.

Eis alguns exemplos: o bebê se torna mais apegado aos pais que fazem algumas coisas simples e de grande valor afetivo, como segurar no colo, cantar para ele dormir, fazer brincadeiras bobas e falar com o "tatibitati" para fazê-lo sorrir, etc. 

Estas pequenas e triviais interações têm grande importância na formação da personalidade da criança. Ela se torna mais simpática à interação humana, desenvolve o afeto familiar e, por extensão, terá mais facilidade em desenvolver amizades e lidar com as pessoas em geral. 

O sentimento de confiança na humanidade começa ali, bem na tenra infância. O bebê não sabe ler nem caminhar, mas ele sabe quando é rejeitado pelos adultos, quando ele chora por horas sentindo-se abandonado e ninguém aparece, quando o leite materno lhe é negado, etc.

É na interação física que o bebê desenvolve a noção de "eu" e "outro". Logo, bebês que não têm momentos no colo dos pais, que estão sempre sozinhos porque os adultos não têm tempo ou interesse em manter este contato físico, acabam desenvolvendo um narcisismo, já que se acostumam a perceber apenas o "eu" em seu mundo. Na vida adulta, será a pessoa que sente que não pode contar com a ajuda dos outros e deve resolver seus problemas sozinho. É o comportamento esquizoide.

A tendência é que pais que desprezam seus filhos bebês intensifiquem este desprezo ao longo dos anos, pois aquela criança será considerada um fardo, um incômodo e motivo de aborrecimentos. Devido à deficiente nutrição afetiva, a criança será problemática, não respeitando os pais, tendo surtos de histeria, de modo que o desprezo que os pais já sentiam só aumenta e não raro devolvem na forma de violência física e verbal. Assim, a relação entre os adultos e a criança vai ficando reciprocamente cada vez pior, num ciclo vicioso.

Até o momento, não há "cura" para isto, nem tratamento definido além de drogas sintomáticas como antidepressivos, ansiolíticos e antipsicóticos. A raiz do problema, porém, seguirá intocada: o profundo sentimento de abandono que foi plantado na infância².

Notas:

1: O transtorno esquizoide é mais frequente do que se imagina (estima-se entre 3% e 4%, o que equivale a milhões de pessoas), em boa parte por causa do grande número de famílias disfuncionais, de pais que tiveram filhos não planejados e que os receberam como um fardo, de pessoas que se aventuraram na delicada missão de ter filhos, mesmo sem ter o menor preparo ou condição psicológica para tal. Assim, como uma bola de neve, cada geração vai produzindo mais e mais pessoas com tal transtorno.

O esquizoide tem pouco interesse por convenções sociais e hierarquias, todavia ele pode se tornar bastante submisso ou subserviente em relacionamentos, pois é uma forma de ser reconhecido ao atender ao desejo dos outros, mesmo que de uma forma humilhante. Por outro lado, ele pode chegar à conclusão que a melhor forma de lidar com o sentimento de abandono é abraçando o isolamento. 

2: Nem tudo, porém, é dor e sofrimento na vida do esquizoide. Na natureza, as adversidades podem debilitar um ser vivo em determinados aspectos, mas fortalecê-lo em outros. O esquizoide, devido à sua insegurança para com o mundo exterior, ao sentimento de isolamento e de que precisa ser autossuficiente, desenvolve um mundo interior formidável.

Não raro encontramos artistas esquizoides. Eles são profundamente imaginativos, podem desenvolver múltiplas personalidades com diversos talentos e têm ideias que as pessoas comuns não ousam imaginar. O mundo mental do esquizoide é uma obra de arte e é possível que ele consiga viver de maneira satisfatória usando este talento a seu favor.

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