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Love, Death & Robots, uma Black Mirror em animação

Love, Death & Robots

Esta série de animações, lançada pela Netflix em 2019, de certa forma pode ser chamada de "Black Mirror em forma de animação". Não à toa, a vinhetinha que aparece no começo de cada episódio toca um som bem parecido com o da vinheta de Black Mirror. Existe essa intenção de assemelhar o estilo das séries, mas a verdade é que a animação não é tão Black Mirror assim.

Love, Death & Robots

É uma coleção de curtas animados, cada episódio consistindo em uma história isolada. É um tipo de material que pode ser encontrado aos montes em plataformas como Vimeo e Youtube. Ver, por exemplo, o caso dos curtas do canal Dust, no Youtube, dos quais já fiz várias resenhas (a começar por esta aqui). No geral, os curtas de Love, Death & Robots não têm nada de especial em relação a tantos outros do gênero. A maioria tem um roteiro bem simples.

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Um fato que merece destaque é que o diretor não é algum iniciante ou pouco conhecido indie, mas uma figura que, apesar de ter ainda um pequeno portfólio, já possui certo peso, pois foi o diretor de Deadpool, no caso, Tim Miller. Além disso, na produção executiva há o nome do figurão David Fincher, que tem em sua carreira grandes filmes como Seven (1995), Fight Club (1999) e Gone Girl (2014), e há diversos diretores e roteiristas convidados, o que torna a série bem heterogênea. Cada episódio oferece uma experiência narrativa e visual diferente.

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Alguns episódios têm uma qualidade gráfica bem detalhista e realista, como se fossem jogos ultra renderizados, com todas aquelas texturas, luz e sombra. É o caso de Sonnie's Edge, Three Robots, Beyond the Aquila Rift, The Dump, Shape-Shifters, Helping Hand, Lucky 13 e The Secret Wars.

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O episódio The Witnes também segue esse estilo mais "realista" de animação, com um diferencial, pois a colorização é como uma camada de pintura sobre a fotografia, criando um visual mais estilizado e de uma beleza peculiar.

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Já os episódios Suits, Sucker of Souls, When the Yogurt Took Over, Good Hunting, Fish Night, Zima Blue, Blind Spot e Alternat Histories têm uma animação mais tradicional e 2D. Por fim, o episódio Ice Age é o único que mistura cenas filmadas com atores reais e uma animação mesclada à cena.

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Mas vamos ao que interessa. Quais histórias merecem destaque? Bom, para meu gosto, a história do iogurte é legal pelo tom satírico, uma parábola em que o iogurte adquire inteligência e resolve os problemas da humanidade. É um tipo de nonsense que eu gosto de ver.

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Alternate Histories também segue essa linha nonsense e explora a ideia de realidades alternativas. O que aconteceria se Hitler tivesse morrido ainda jovem, ou numa orgia, ou atropelado, ou coberto por uma gelatina gigante... É uma brincadeira de possibilidades absurdas para a história humana e que achei bem interessante.

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E para concluir minha lista das três melhores, tem o Zima Blue que possui um desenho bem simples e até feinho, mas cria um personagem do tipo filosófico, um artista que evoluiu tanto no conhecimento do universo que no fim, na sua obra final, resolve voltar ao simples e básico. A cor azul clara, literalmente um azul de azulejo, simboliza essa busca pelo minimalismo.

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Um detalhe curioso é que a exibição dos episódios parece que é aleatória para cada usuário. Não existe necessariamente uma ordem e assim cada pessoa vai ter uma experiência diferente de acompanhamento da série. No fim das contas, não importa, já que são histórias totalmente isoladas.

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O título da série, Love, Death & Robots, deixa claro três elementos bastante presentes: tecnologia, violência e nudez. Aparentemente, há uma ênfase no nu frontal masculino. Ou seja, você vai ver vários pênis e bolas balançando nos episódios.

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A segunda temporada veio finalmente em 2021. O episódio Automated Customer Service apresenta um mundo que parece inspirado em Wall-E, com pessoas idosas vivendo tranquilamente sob os cuidados de inúmeros robôs, substitutos definitivos do trabalho humano. É curioso como o desenho caricato representa o corpo humano com mãozinhas absurdamente pequenas, simbolizando a atrofia das mãos humanas uma vez que ninguém mais trabalha e os robôs fazem tudo.

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Pop Squad é um típico noir futurista, uma estética clássica que já existe desde Asimov, passando por Blade Runner. Temos os principais elementos: a ambientação cheia de penumbra, um policial ou investigador como protagonista, vestido com seu estiloso chapéu e sobretudo. 

A história descreve um mundo utópico-distópico em que a tecnologia proporcionou uma vida longeva para as pessoas, mas o preço dessa bênção é que são proibidas de ter filhos. Afinal, se a humanidade agora é praticamente imortal, tem que parar de se multiplicar para garantir o equilíbrio. Existem então esses policiais que visitam as casas de foras-da-lei, cujo crime foi ter filhos, e executam sumariamente as crianças.

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O episódio Ice é beeem desinteressante. Snow in the Desert tem uma arte gráfica bem realista, como um game com ótima renderização; a ambientação é um típico mundo Mad Max; já a história em si também não é lá muito interessante. The Tall Grass é uma historinha boba de monstros no matagal. All Through the House é um contozinho de Natal em que o Papai Noel é um monstro e Life Hutch é uma batalha genérica contra robôs alienígenas. Enfim, essa segunda temporada não teve a mesma qualidade da primeira.

Por fim, The Drowned Giant foge do estilo sci-fi e distópico predominante na série e flerta com o realismo mágico. Em vez de monstros e robôs, vemos um cadáver de aparência humana na praia que chama atenção por ser um gigante. As pessoas encaram o fenômeno como um espetáculo e com o tempo os pedaços do gigante se tornam atrações turísticas, incluindo, obviamente, seu pênis gigante. 

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A terceira temporada, lançada em 2022, não perdeu qualidade. No episódio Three Robots: Exit Strategies, três robôs exploram a Terra após a extinção da humanidade. Há um humor bem cínico, sempre debochando da fragilidade humana e no final ainda faz uma brincadeirinha com o plano do Elon Musk de escapar para Marte.

The Very Pulse of the Machine é baseado em um conto homônimo de 1998 em que uma astronauta explora a lua jupteriana Io e acaba descobrindo que a lua inteira é uma máquina alienígena consciente.

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Night of the Mini Dead é uma sátira de apocalipse zumbi. Não acrescenta nada de novo ao gênero. Em Kill Team Kill uma tropa especial luta contra um urso ciborgue, numa história sem muito conteúdo. A intenção é apenas brincar mesmo, com muito gore e humor negro. Swarm é um episódio meio Avatar, em que cientistas estudam uma espécie de colmeia alienígena e descobrem que estes insectoides são mais inteligentes do que parecem.

Vamos enfim aos episódios mais interessantes. Tem dois que são claramente de inspiração lovecraftiana. Bad Travelling é uma história de marinheiros que têm o barco invadido por um monstro alienígena. Um dos membros da tripulação, Torrin, faz um pacto com o monstro, prometendo levá-lo a uma ilha.

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Torrin se mostra um personagem bem fascinante e sombrio, pois suas decisões vagam no limbo nebuloso da ética. Ao fazer um pacto com o monstro, ele consegue impedir que a fera mate todos no navio, só que ao longo da viagem ele vai jogando para o monstro os marinheiros que tentam traí-lo ou discordam de seu plano. Torrin se torna um déspota motivado por uma "boa causa": salvar toda a população de uma ilha.

O monstro pretende chegar a esta ilha a fim de alimentar-se de seus habitantes, o que claramente será um grande genocídio, pois a criatura também carrega inúmeros filhotes. Torrin decide salvar a população da ilha enganando o bicho, dizendo que o levará até lá, mas no fim ele desvia o curso e ateia fogo ao navio.

Em termos de motivação, Torrin esteve do lado da ética, pois salvou toda uma população, mas sua liderança tirânica foi extremista. Ele adotou tolerância zero para com os marinheiros que discordavam de seu plano, sentenciando-os à morte. Mas enfim, é esta nebulosidade de Torrin que o torna um personagem interessante e bem lovecraftiano.

Em In Vaulted Halls Entombed, um esquadrão explora uma caverna no Afeganistão e se depara com um alienígena gigante aprisionado em correntes. A criatura tem poderes telepáticos e entra na mente deles para força-los a libertá-la. É uma clara homenagem ao tipo de seres ancestrais e enlouquecedores da mitologia de Lovecraft.

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Mason's Rats tem um estilo fábula. Um velho compra robôs futuristas para desratizar sua fazenda, mas os ratos haviam evoluído para seres bem mais inteligentes e sencientes, o que faz com que nós torçamos para que o massacre acabe, pois os ratinhos são bem fofos com suas roupinhas e o comportamento humanizado.

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Por fim chegamos ao episódio que provavelmente foi o que mais gerou comentários do público e da crítica: Jibaro. A história é bem simples, envolvendo o que parecem ser colonizadores explorando uma floresta sul-americana e que se deparam com uma criatura mística, uma protetora da floresta e de seu ouro, uma espécie de banshee ou sirene que enlouquece os homens com seus gritos.

O que chama atenção mesmo é a qualidade da animação. A riqueza de detalhes do cenário e do corpo e vestimentas dos personagens é impressionante. Há muitas cores e texturas, um complexo jogo de luz e sombra e os movimentos dos personagens, especialmente a dança da banshee, são muito vívidos e causam uma certa perturbação em quem assiste, transmitindo a sensação de vertigem dos homens atingidos pelo grito da banshee.

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