Viagem à Lua (Le Voyage Dans La Lune) de George Méliès, baseia-se no grande clássico de Júlio Verne, Da Terra à Lua (1865).
Começando com uma reunião de políticos e cientistas em que discutem e planejam a viagem, segue-se a cerimônia de lançamento. Os astronautas, usando suas roupas normais, entram num projétil gigante e são lançados por um canhão.
Pode parecer hoje uma ideia primitiva, mas convenhamos que era o ano de 1902. Sequer havia surgido no mundo o avião e a ideia de lançar um foguete por meio de propulsão, como uma bala, não difere muito dos foguetes modernos, não é?
Chegando à Lua, se deparam com um cenário alienígena, rochoso, com gêiseres lançando vapor. Tudo produzido de forma artesanal, mas não deixa de ser uma visão interessante de como seria um solo interplanetário. Ainda hoje, com recursos de computação gráfica, os planetas alienígenas não diferem muito desta imagem inóspita e de terreno acidentado e hostil.
Então os astronautas encontram uma selva de cogumelos gigantes e os habitantes da Lua, humanoides armados com lanças que os aprisionam e levam para o seu rei. No entanto, são mais fracos que os terráqueos, pois facilmente são mortos com golpes de guarda-chuva, literalmente pulverizados.
Os astronautas fogem, perseguidos pela multidão de “lunáticos”, entram no foguete e o fazem despencar em direção à Terra, ou seja, já não necessita de propulsão para voltar, pois subentendia-se que a Lua está acima e basta o foguete cair de volta na Terra atraído pela gravidade.
O recurso do close up, útil para separar os atores da cena e se concentrar num evento de cada vez, só iria ser adotado posteriormente, de modo que este filme, como outros da época, mostrava apenas as cenas abertas, com todas as personagens presentes de uma só vez, realizando ações simultâneas.
É interessante notar a adoção de cenários, construídos por meio de grandes telas pintadas no fundo e objetos preenchendo os espaços. Algo bastante aprimorado para a época. E nisso consistiam os efeitos especiais: na elaboração do cenário e também na manipulação dos filmes por meio de cortes, sobreposição e alguns desenhos e pinturas feitas manualmente nas próprias fotografias.
Viagem à Lua é um marco na história do cinema, sendo um dos primeiros, senão o primeiro filme produzido como uma obra fictícia (originalmente o cinema se resumia a registrar cenas cotidianas). A imagem da Lua com rosto humano e o olho perfurado pelo foguete se tornou clássica e amplamente conhecida, um símbolo do cinema em seus primórdios.
Méliès poderia ter feito fortuna com esta obra, mas o filme foi copiado por técnicos de Thomas Edison e exibido nos Estados Unidos, de modo que Edison lucrou muito com a distribuição, enquanto Méliès ia à falência. Hoje o filme já pertence ao domínio público e é facilmente acessível na internet, por exemplo, no Youtube.
Notas:
No livro Da Terra à Lua (1865), Júlio Verne usa de um tom bastante debochado e satírico, pois, sendo francês, ele diverte-se fazendo piada com os americanos. Não que não demonstre, ao mesmo tempo, admiração pelo espírito engenhoso e a ousadia empreendedora do povo dos Estados Unidos. É este espírito que convence Verne de que serão eles os primeiros a enviar um homem à Lua. E sua profecia se cumpriu um século depois.
"Consistiu desde então a única ambição de todos os ianques a tomar posse daquele novo continente aéreo, a fim de arvorar ali, no mais alto vértice, a bandeira estrelada dos Estados Unidos da América."
Júlio Verne foi um precursor neste tema da viagem espacial e o grande inspirador da literatura e do cinema, mas ele lembra que a Lua já era alvo de especulações há séculos, fazendo, inclusive, um breve resumo em um discurso do protagonista Barbicane:
"— Permitam-me — continuou ele — que lhes traga à lembrança, em poucas palavras, como foi que alguns homens exaltados, havendo embarcado em espírito para viagens imaginárias, pretenderam ter penetrado os segredos do nosso satélite. No século XVII, um tal David Fabricius gabou-se de ter visto com os seus próprios olhos alguns habitantes da lua. Em 1649, um francês, Jean Baudoin, publicou um livro intitulado a Viagem Feita ao Mundo Lunar por Dominguez Gonzalez, Aventureiro Espanhol. Na mesma época, deu à luz da publicidade Cirano de Bergerac aquela célebre expedição, que tanto renome teve em França. Algum tempo depois, outro francês (porque estes senhores entretêm-se muito com a Lua) chamado Fontenelle escreveu a Pluralidade dos Mundos, que foi no seu tempo uma obra-prima. Verdade é que a ciência, em seu caminhar constante, até as obras-primas esmaga. Em 1835, um opúsculo, traduzido do jornal «New-York American», contava que Sir John Herschell, enviado ao cabo da Boa Esperança para ali fazer observações astronómicas, tinha conseguido, por meio de um telescópio aperfeiçoado por iluminação interior, trazer a lua a uma distância aparente de oitenta jardas. Por esta forma, observara distintamente na lua cavernas, nas quais viviam hipopótamos, verdejantes montanhas franjadas de rendas de ouro, carneiros com armas de marfim, brancos cabritos monteses e até habitantes com asas membranosas como os morcegos. Este folheto, obra de um americano chamado Locke, teve grande voga. Mas pouco depois veio a saber-se que não era senão uma mistificação científica e os Franceses foram os primeiros a rir-se dele. — Rir de um americano! — exclamou J.-T. Maston. — Mas isso é um casus belli!... — Sossegue o meu digno amigo, que antes de se rirem tinham sido os Franceses perfeitamente embaídos pelo nosso compatriota. Para terminar esta breve resenha histórica acrescentarei que um tal Hans Pfaal, de Roterdão, elevando-se num balão cheio de um gás extraído do azote e trinta e sete vezes mais leve que o hidrogénio, chegou à lua após dezenove dias de viagem, mas também esta viagem não passou, como as anteriores, de simples imaginação; era, porém, obra de um escritor popular da América, de engenho singular e contemplativo. É como se pronunciássemos o nome de Poe."
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