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Uma maneira moderna e racional de entender Deus

Helix Nebula

Deus é uma das questões mais importantes de toda a especulação existencial humana. De um ponto de vista lógico, ele é de fato A Questão primordial, pois se Deus existe, ele é nada menos que a origem de tudo, e o que seria mais importante do que isto?

O conceito de Deus e deuses é bastante diversificado em cada cultura e mesmo em cada era. Uma mesma religião, como o cristianismo, foi modificando seu conceito de Deus ao longo dos séculos, adaptando-o a cada era, a cada zeitgeist.

Deus é antes de tudo um tema subjetivo e que as pessoas abordam não com a razão pura e fria, mas com uma grande carga de emoções, simbolismo e noções intuitivas. Mesmo os que não acreditam na existência de algo divino podem nutrir algum tipo de sentimento que influencia o seu ponto de vista sobre o assunto. Talvez um sentimento de decepção com a religião ou os religiosos, talvez um sentimento de que há algo errado no mundo ou a sensação de vazio e abandono pode nos levar à conclusão de que vivemos em um mundo sem Deus.

Um argumento de senso comum que, no fim das contas, invalida a si mesmo, é a pergunta: "Se Deus criou tudo, quem criou Deus?". Ora, se por Deus estamos concebendo o conceito de algo que é superior às limitações do mundo, logo, ele por natureza é incriado, por mais absurdo que isto possa parecer. Se alguma coisa ou ser sempre existiu e foi capaz de dar origem a tudo o mais, é razoável que tal absurdidade seja representada na palavra Deus, a forma mais simples de resumir o absurdo incognoscível.

Também é possível chegar à conclusão de que Deus não existe por meio de um raciocínio lógico, como o Paradoxo de Epícuro (que, todavia, é um silogismo simplista, como a maioria dos silogismos) ou simplesmente recorrendo ao argumento do ônus da prova: "Não é preciso provar que Deus não existe, antes, quem afirma que ele existe é que deve prová-lo. Logo, permaneço sem acreditar, até que se prove".

Filósofos e teólogos também se empenharam em elaborar argumentos mais racionais e lógicos para "provar" Deus, como foi o caso de Anselmo e Aquino. Na idade moderna teve os deístas que fizeram o mesmo e sem necessariamente aderirem a alguma religião. 

Curiosamente, tenho impressão que os tempos modernos estão tornando ainda mais fácil racionalizar acerca do conceito de Deus. A computação, especialmente, pode servir muito bem, não para provar Deus, mas para exemplificá-lo. Se Deus existe, ele de certa forma assemelha-se a um computador.

Vejamos. Hoje é um consenso de que o universo, em última instância, pode ser resumido a informação. Tudo no universo é informação, das galáxias ao mundo quântico. A forma mais fascinante de informação, porém, é a consciência. A consciência é de longe a coisa mais formidável de toda a realidade e, filosoficamente, epistemologicamente, é a única coisa plenamente auto-evidente. Cogito, ergo sum.

A consciência é capaz de criar mundos por meio da imaginação, manipulando informação. No caso humano, temos um certo limite para o que nossa consciência é capaz de realizar. Podemos criar mundos imaginários, mas não se tem notícia de nenhum humano que criou um planeta inteiro com o poder da mente.

A partir do modelo humano, porém, podemos expandir o conceito. E se existem seres cuja consciência é ainda mais poderosa que a humana? E se, em última instância, o universo foi criado por uma Superconsciência?¹ Mais ainda, o multiverso pode ser fruto de uma consciência tão colossal que somos incapazes de conceber o seu poder, mas ao menos podemos conceber sua existência.

Ora, é cada vez mais aceite a ideia de que é possível que o universo seja uma simulação produzida por um computador extremamente poderoso, originado em outro universo. Se continuarmos elevando esta ideia para além e além, perceberemos que pode existir uma "consciência computacional" tão infinitamente poderosa, que ela foi capaz de produzir uma super-simulação, o multiverso.

Enfim, este raciocínio não prova Deus, mas pode servir como um interessante modelo contemporâneo para termos uma compreensão do conceito de Deus².

Notas:

1: Por "criado", não deve-se entender aqui que um Deus simplesmente fez o universo surgir num piscar de olhos e já em seu formato atual. Esta é a noção criacionista tradicional. Com o desenvolvimento científico, passamos a entender que o universo tem uma looonga história e que ao longo de bilhões de anos muita coisa aconteceu e está acontecendo e que o universo não é estático e o que hoje vemos é resultado de um processo. A compreensão moderna de um Deus ou uma Superconsciência que imaginou, criou ou simulou o universo, portanto, envolve a ideia de que esta consciência não simplesmente "criou o mundo e deu um piparote nele", parafraseando Pascal, mas, como num código de computador em que todas as etapas são programadas, o universo foi projetado e todo o seu longo e lento desenvolvimento faz parte do projeto. Isto, claro, desperta a questão do livre-arbítrio e do fatalismo, que não vem ao caso aqui. 

2: É importante notar que aqui estamos falando de Deus apenas e exclusivamente em termos de ser a origem, o criador, o simulador de toda a existência. Muitas vezes os debates envolvendo a existência ou negação de Deus se ocupam em detalhes que fogem a este tema principal, como as características deste Deus. Ele é amor ou é cruel? Ele é masculino, feminino ou neutro? Ele criou o céu e o inferno? Ele manda para o inferno quem transa fora do casamento? Ele tem um livro sagrado "oficial"? Ele tem uma igreja? Nada disto vem ao caso aqui, pois são questões envolvendo como cada religião, cultura ou pessoa entende os traços deste Deus e fogem à questão mais básica e fundamental que é simplesmente: "Quem ou o que criou o multiverso?". 

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