Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

Os games vão mesmo ser idênticos à vida real um dia?

Nós costumamos superestimar a tecnologia. Quando o cinema surgiu, as pessoas ficavam tão impressionadas com aquela sequência de fotos simulando movimento que há relatos de plateias que ficaram apavoradas numa sala de projeção quando viram um trem correndo em direção à câmera. Para elas, a então primitiva tecnologia cinematográfica já era bastante realista e imersiva.

Este encantamento se repetiu quando veio o cinema 3D e as pessoas ficavam tateando no ar tentando pegar as coisas que saltavam virtualmente na tela. Depois vieram os óculos VR, aumentando as possibilidades de interação, pois você pode se mover dentro do ambiente 3D.

A cada ano a tecnologia gráfica dos games dá saltos, melhora as texturas, o sistema de iluminação (que tem sido a grande chave para dar a impressão de realismo, pois é a forma como a luz interage com as superfícies que nos passa a sensação de que estamos vendo algo real), as animações e interações, de modo que sempre alimentamos a expectativa de que em breve os games nos parecerão tão imersivos e realistas que serão indistinguíveis da realidade. Bom, não é bem assim.

Quando vemos hoje um jogo 3D do início dos anos 2000, ele nos parece bem tosco e inverossímil, mas para a galera da época era uma novidade impressionante. Eis uma característica do realismo dos games que ainda vai existir por muito tempo: esse realismo fica obsoleto, logo, não é o realismo absoluto.

Com certeza os games vão evoluir de maneira fantástica no aspecto gráfico, impressionando nossos olhos. Em termos de aparência, sim, podemos dizer que um dia a coisa vai ser praticamente indistinguível da realidade, especialmente com os óculos VR, dando toda a impressão de perspectiva e profundidade. Mas a realidade e a sensação de que estamos no mundo real vai mundo além da visão ou audição. Ora, nós temos cinco sentidos. No mínimo.

Imagine um jogo que simule uma caminhada no centro da cidade durante a chuva. Um dia teremos um jogo assim que vai nos proporcionar uma experiência prazerosa de ouvir a chuva batendo no guarda-chuvas e as pessoas passando na rua e conversando, o som do motor dos carros, o som das pisadas nas poças de água, o gotejar da água caindo dos telhados, até o sutil som da brisa. A iluminação vai acompanhar não apenas a hora do dia, mas vai ser afetada pela filtragem das nuvens. Uma imersiva experiência audiovisual. Mas você vai saber que não está em uma rua de verdade? Vai.

A experiência real de andar na rua durante a chuva envolve uma avalanche de sensações. Além dos estímulos físicos (a luz, o som, o contato do seu corpo pisando no chão, esbarrando nas pessoas, tocando em objetos, a umidade nas roupas, no ar, na pele), existem os estímulos químicos do mundo real que são tantos e tão complexos que é praticamente impossível simular isso em computador.

Ao andar na rua, você é invadidos pelo cheiro da chuva, do asfalto, da fumaça dos carros, o perfume ou a inhaca das pessoas, talvez até os feromônios, que são sensações sutilíssimas e que você nem é capaz de descrever. 

Cheios agradáveis e desagradáveis se misturam na vida real, os vapores que emanam dos esgotos, quando você passa perto de uma lata de lixo e é assaltado por uma mistura de substâncias inúmeras vindas dos restos de comida, remédios, cosméticos e o que mais estiver em decomposição ali dentro. Imagine então a diversidade de odores ao visitar o mercado com suas frutas e peixes e temperos...

Esse tipo de experiência olfativa só será possível com a tecnologia de estímulo direto no cérebro, como o Neuralink, quando então o dispositivo vai fazer com que seus neurônios produzam uma resposta química equivalente à sensação de cheiro e vai parecer algo real, mas vai demorar muito para que esse tipo de tecnologia produza dados em mínimos detalhes de modo a você poder dizer que é de fato idêntico ao mundo. 

Uma coisa é um software que faz você sentir cheiro de chuva, outra é ele consegui reproduzir o cheiro de um esgoto, do lixo, do mercado ou do corpo de uma pessoa. Para chegar nesse nível será preciso uma big data formidável, uma coleta de informações imensas do mundo sensorial para fornecer à Inteligência Artificial um material com que trabalhar.

Não digo, porém, que seja impossível, mas vai demorar bastante até ser minimamente possível.

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