Minha vida virtual começou com um blog. Lá nos idos de 2005, ainda no tempo da internet discada, comecei um blog no finado MSN Spaces, chamado Vamos Pensar. Tudo era novidade naquela época e o que havia de mais parecido com rede social era o MSN, o software de mensagens que marcou uma geração.
Aí, pegando carona no MSN, havia esse outro serviço da Microsoft onde você tinha um espaço para montar sua página pessoal e postar o que quisesse. Era o tempo em que aqui na blogosfera tudo era ainda mato. Isso no Brasil, claro. Lá fora, blog já era algo comum há alguns anos.
Anyway, o blog caiu como uma luva no meu hábito de toda a vida que era escrever. Eu não era escritor profissional e nem escrevia por hobby. Escrevia por ser isto um hábito da vida toda, uma parte de minha rotina desde quando aprendi a escrever.
Os blogs de fato foram um protótipo de rede social. Você formava um grupo de seguidores, havia até alguns recursos de assinatura, para receber o feed das postagens do blog que você assinava, e as conversas rolavam no espaço de comentários das postagens, o que era meio caótico.
Uma pessoa comentava num post seu e você podia responder ali mesmo no post ou, por diplomacia, visitar o blog dela e responder no último post de lá. Aí a pessoa podia voltar e continuar a conversa no seu blog e assim ficava nesse ir e vir entre um blog e outro para se estabelecer um diálogo quase epistolar.
Muita gente gostava de usar blog também pra guardar suas fotos. Era o protótipo do Instagram. Enfim, blog servia pra muita coisa: texto, fotos, conversa, até vídeos. Então com o tempo vieram as redes sociais cada vez mais especializadas.
Tive minha fase de experiência das redes sociais, o que durou pouco mais de uma década, começando pelo Orkut, passando pelo Facebook, Twitter, Instagram e eventualmente experimentando outros sites por curiosidade.
Com o tempo fui largando estes vícios, por n motivos, incluindo o óbvio motivo de me desintoxicar do vício que as redes sociais nos incutem. Hoje todo mundo sabe disso, todo mundo sabe que esse troço é viciante, mas, assim como outros vícios, as pessoas calculam o custo-benefício, ou o risco, e concluem que é um vício que não vale o esforço para ser abandonado.
No meu caso, o abandono não foi radical, mas gradual. Às vezes eu entrava em hiatos, desligando-me das redes por dias, às vezes deletava mesmo as contas, mas após alguns meses ou mesmo anos voltava. E nesse vai e vem cheguei num ponto em que se tornou bem natural sair e não voltar mais.
Só que não sou exatamente um evangelista desse estilo de vida. Não fico por aí dizendo que o segredo da felicidade é você deletar todas suas contas e ir viver num monastério. Esse negócio de felicidade, ou satisfação, ou contentamento, ou no mínimo um bem-estar, é algo muito pessoal e que cada pessoa deve descobrir sua própria fórmula.
Em tudo procuro enxergar os espectros. Nem digo "lados", pois lados são bastante limitados e geralmente quando se fala em enxergar os lados está-se imaginando apenas dois. O mundo pode ser binário em termos macrocósmicos, o que é algo prático: existe apenas a luz ou a treva, o cheio ou o vazio, a vida ou a morte.
Todavia, nesta floresta binária da realidade, existem as árvores e depois de ver a floresta, você deve afinar a sua visão para distinguir as árvores. É aí que encontramos os espectros, a gradação. Entre o branco e o preto há uma infinita paleta de gradações.
Mas eu estava falando de que mesmo? Ah sim, da internet. A internet é assim também. Ela tem espectros. Nela você pode encontrar o melhor e o pior do mundo e no meio dissso muita coisa útil, inútil, banal, grandiosa, trivial ou extraordinária. Há tempo pra um pouquinho de tudo.
Assim também são as redes sociais. Eu diria que, num balanço geral, as redes sociais fizeram mais bem que mal à sociedade. Isso mesmo. Você pode achar que não, porque vai lembrar das vezes em que algum troll ou pessoa desagradável veio te encher a paciência, mas as redes sociais, mesmo com toda sua chatice, hoje proporcionam a expressão popular como nunca houve na história (ao menos em países democráticos e onde o governo não corte a internet ou literalmente censure seus cidadãos e os prive do acesso a estes recursos online para se comunicar com outras pessoas e com o mundo).
As redes sociais são a antiga praça pública elevada a um nível gigantesco. Consumidores podem usar as redes sociais para reclamar de um produto ou empresa, eleitores podem cobrar dos políticos, denunciar crimes, expor fraudes. Além destes aspectos cívicos, as redes sociais hoje são parte da vida profissional. Elas facilitam muitas atividades, agilizam tarefas e oferecem aos pequenos uma oportunidade de publicidade antes impossível. Pequenos empreendedores, pequenos artistas podem usar as redes sociais para divulgar seu trabalho, seu negócio, sua arte, e de graça.
Por outro lado, se formos falar do espectro obscuro das redes sociais, de como são usadas para engenharia social, vigilância, etc, este post ficará bem distópico. Mas como eu disse, não é só uma coisa nem outra. É tudo.
Não descarto a possibilidade de um dia voltar a cultivar redes sociais, mas no momento não tenho mesmo interesse e sinto até que perdi o trejeito para usar redes sociais¹. Nelas tudo é muito instantâneo, muito efêmero. Agora já existem até recursos em que você posta algo que será automaticamente apagado após alguns minutos ou segundos.
Sei lá, este tipo de instantaneidade não faz meu gosto. Talvez por isto eu prefira mais um blog, este blog aqui. O que posto aqui não é algo que vai ser lido no mesmo minuto em que postei, ao aparecer num feed de rede social. Eu escrevo para o amanhã, o que pode ser literalmente amanhã, ou daqui a um ano, dez anos e além.
Muitas vezes escrevo para mim mesmo e o blog é um bom lugar para isto. Se por acaso algo que postei aqui futuramente for útil ou interessante para alguém, é um bônus. De certa forma, esta é a mentalidade de todo escritor. O escritor escreve porque precisa, depois porque ficará satisfeito se alguém o ler e mais satisfeito ainda se esta leitura acrescentar algo a quem leu, seja entretenimento, informação ou outras tantas influências.
Tenho um pensamento ao mesmo tempo besta e visionário, que é o conceito dos arqueólogos do futuro. Nos meus tempos em que estudei grego (digo como algo passado, mas pretendo algum dia retornar a esta prática), tomei conhecimento de alguns papiros, como os de Oxirrinco, em que havia registros bem triviais da vida dos antigos: notas de empréstico, cartas de maridos a esposas, poemas de anônimos... Hoje este material nos fornece fragmentos de como era a vida e o pensamento das pessoas de milênios atrás. Assim imagino que as coisas que hoje postamos na internet serão os papiros de Oxirrinco do futuro, incluindo os milhões de videos de gatinhos do Youtube.
Quem serão os arqueólogos do futuro? Provavelmente máquinas, inteligências artificiais, algoritmos, alienígenas, mas provavelmente também humanos, humanos mesclados a máquinas, com a capacidade de processamento de informação ampliada. Eles estudarão a nossa era tão rápido quanto o Neo aprendeu Kung Fu. Para vocês então, estudantes do futuro, também estou escrevendo isto.
Também escrevo para o meu eu do futuro, que será outra pessoa e que terá algumas opiniões diferentes das minhas e uma visão de mundo e sensação de mundo diferente. De uma maneira levemente sinestésica, sempre costumei sentir um certo sabor na realidade. Lembro que na infância a vida tinha um certo gosto e que esta sensação mudou na adolescência, depois na vida adulta, e continua mudando em cada fase. Qual será o sabor do mundo para mim no futuro? Será algo que me fará sentir falta do paladar atual, ou algo que me faça pensar: "Hum, quem dera meu eu do passado sentisse isso"?
E eis que já devaneei demais por aqui.
Notas:
1: E na verdade não cortei de vez o hábito. Afinal, ainda uso Pinterest, mas creio que fiquei neste site justamente por ele ter uma dinâmica bem diferente. No Pinterest não há essa coisa de posts com feedback instantâneo. Nem mesmo existe um feed baseado em criadores, mas baseado no interesse de cada pessoa.
O algoritmo do Pinterest é realmente muito bom neste sentido. É um dos melhores. Não parece algo enviesado politicamente (como o Twitter que claramente empurra certos conteúdos pra você, mesmo que você não se identifique ou se interesse²) ou que privilegie certos ídolos e "influencers", priorizando seus conteúdos no feed.
O Pinterest está interessado em saber do que você gosta, em termos de imagens (afinal é um site para colecionar figurinhas, basicamente). Se ele percebe que você gosta de animes ou carpintaria ou esmaltes de unhas ou brinquedos para pets, ele vai encontrar estes conteúdos e mandar pro seu feed. É uma "rede social" realmente baseada em gostos particulares de cada usuário e não em seguidores ou trends.
Ou seja, o que quer que você posta no Pinterest, haverá em algum lugar pessoas que tenham interesse nisso e o algoritmo vai saber fazer a ponte. Desta forma, os posts no Pinterest são atemporais, pois a qualquer momento uma figurinha vai aparecer no feed de alguém a quem possa interessar, não importa há quanto tempo foi postada.
2: Isto é meio estranho. Por que o Twitter está cada vez mais priorizando a política na timeline? Uns dizem que os responsáveis pelo site querem doutrinar o público, mas eu tenho uma teoria mais capitalista: o Twitter ao longo dos anos teve todo tipo de conteúdo e com o tempo percebeu que a política e a discussão geram muito engajamento, muito tempo de uso. Assim, o algoritmo tenta incendiar a timeline³, mantendo as pessoas sempre a discutir, pois política é o terreno fértil para a discussão. O Twitter virou um site que as pessoas frequentam para reclamar ou discutir. Se este é o nicho, então o algoritmo vai jogar lenha nesta fogueira.
3: Note to self: tenho este hábito aqui no blog de grifar com itálico certos termos em inglês. É hábito velho de quem vem de um tempo pré-internet, onde os livros e revistas faziam isto com estrangeirismos. Hoje termos em inglês já são tão abundantes, graças à internet, que se integraram ao vocabulário coloquial.
Aí me deparo às vezes com uns dilemas. Tipo, a palavra feedback eu não tenho grifado porque já faz parte do nosso léxico. Já feed eu costumo grifar por ser um termo bem recente e ainda não plenamente integrado ao português. Mas estou pensando agora em parar com esta besteira, se bem que eu acho chique usar itálico de vez em quando.
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