Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

Eternidade e consciência

Consciousness

Há uma palavra que me desperta um sentimento parecido com um transe: Eternidade.

O tempo é o maior dos mistérios da realidade. A realidade física é basicamente a combinação de tempo e matéria. Em nossa milenar saga gnóstica, já alcançamos uma profunda compreensão da matéria. Fomos da molécula ao átomo, do átomo ao mundo subatômico. Entendemos os mecanismos essenciais da matéria, a natureza e velocidade da luz e já vislumbramos no horizonte as próximas fronteiras de compreensão, onde a matéria escura e a anti-matéria nos acenam.

Já o tempo, este permanece um mistério formidável, algo sobre o qual ainda pouco sabemos. Nossa compreensão do tempo é mais pragmática do que fundamental. Entendemos o tempo apenas para usá-lo como parâmetro, como instrumento de medição, mas ainda não sabemos do que o tempo é feito ou como ele surgiu e somos incapazes de manipulá-lo.

O que exatamente é o presente, uma vez que o tempo está sempre em movimento? O presente não pode ser um segundo, pois há tempos menores do que um segundo. Há frações de segundo e, como todo número, as frações podem reduzir-se infinitamente, de modo que nunca chegaremos ao exato momento que pode ser considerado o presente.

Não há presente, há apenas o imparável movimento do tempo.

A consciência nos brinda com esta capacidade milagrosa de pensar sobre o tempo e só assim conseguimos vislumbrar o seu fluxo tanto para o passado quanto para o futuro, o que nos leva à conclusão de que o tempo é infinito. Eis que surge uma palavra capaz de conter toda esta infinitude: Eternidade.

A vida humana, se chega a 100 anos, é considerada uma longeva existência, tão longa que uma pessoa centenária mal consegue se lembrar de muitos eventos da sua juventude. Uma longa vida humana, porém, é uma minúscula partícula na história humana, que remonta a alguns milhões de anos.

Pegue um humano, com seu século de vida, e multiplique por dez mil gerações. Uma longa vida vivida de novo e de novo dez mil vezes. Eis o que é o tempo relativo a 1 milhão de anos. Esta mesma vida repetida dez milhões de vezes chegará a 1 bilhão de anos. Se você vivesse de novo e de novo cento e quarenta milhões de vezes, teria então vivido a idade estimada do universo.

Mas o que são bilhões de anos perto de trilhões, de quatrilhões, de septilhões (1.000.000.000.000.000.000.000.000)? O que é um septilhão perto da eternidade? É como uma minúscula fração de segundo.

Se a consciência for de fato eterna, ela realmente, para sua própria proteção, possui algum mecanismo de esquecimento, de se desfazer das memórias da eternidade, pois uma eternidade de memórias seria insuportável. Ao menos é assim no caso das consciências individuais. Da minha e da sua consciência. Se somos eternos, somos fadados a esquecer. Cada vida é um reset.

Se existe uma Supraconsciência, uma consciência cósmica ou mesmo que transcenda o universo e o multiverso, esta deve conter um repositório de todas as memórias da eternidade, memórias que consistem no registro de todos os momentos infinitos e infinitesimais. Não bastando a própria realidade ser absurdamente infinita, também a memória da realidade será infinita, gravada nesta consciência suprema.

Se, todavia, tal consciência existe, não haverá necessidade de um mundo fora dela. O mundo, o tempo, a matéria e a eternidade podem existir como um pensamento desta imensurável consciência. Se existe uma consciência com a capacidade "computacional" (para usar um termo mais compreensível ao nosso raciocínio lógico) de registrar toda a eternidade, tal consciência transcende a eternidade e a engloba. Num simples pensamento ela é capaz de trazer à existência um universo com bilhões ou trilhões de anos, com a mesma facilidade com que nós, aqui na nossa breve existência, criamos uma cena imaginária durante um efêmero sonho.

Sobre a perenidade do blog versus a efemeridade das redes sociais, papiros digitais e outros devaneios

Minha vida virtual começou com um blog. Lá nos idos de 2005, ainda no tempo da internet discada, comecei um blog no finado MSN Spaces, chamado Vamos Pensar. Tudo era novidade naquela época e o que havia de mais parecido com rede social era o MSN, o software de mensagens que marcou uma geração.

Aí, pegando carona no MSN, havia esse outro serviço da Microsoft onde você tinha um espaço para montar sua página pessoal e postar o que quisesse. Era o tempo em que aqui na blogosfera tudo era ainda mato. Isso no Brasil, claro. Lá fora, blog já era algo comum há alguns anos.

Anyway, o blog caiu como uma luva no meu hábito de toda a vida que era escrever. Eu não era escritor profissional e nem escrevia por hobby. Escrevia por ser isto um hábito da vida toda, uma parte de minha rotina desde quando aprendi a escrever.

Os blogs de fato foram um protótipo de rede social. Você formava um grupo de seguidores, havia até alguns recursos de assinatura, para receber o feed das postagens do blog que você assinava, e as conversas rolavam no espaço de comentários das postagens, o que era meio caótico. 

Uma pessoa comentava num post seu e você podia responder ali mesmo no post ou, por diplomacia, visitar o blog dela e responder no último post de lá. Aí a pessoa podia voltar e continuar a conversa no seu blog e assim ficava nesse ir e vir entre um blog e outro para se estabelecer um diálogo quase epistolar.

Muita gente gostava de usar blog também pra guardar suas fotos. Era o protótipo do Instagram. Enfim, blog servia pra muita coisa: texto, fotos, conversa, até vídeos. Então com o tempo vieram as redes sociais cada vez mais especializadas.

Tive minha fase de experiência das redes sociais, o que durou pouco mais de uma década, começando pelo Orkut, passando pelo Facebook, Twitter, Instagram e eventualmente experimentando outros sites por curiosidade.

Com o tempo fui largando estes vícios, por n motivos, incluindo o óbvio motivo de me desintoxicar do vício que as redes sociais nos incutem. Hoje todo mundo sabe disso, todo mundo sabe que esse troço é viciante, mas, assim como outros vícios, as pessoas calculam o custo-benefício, ou o risco, e concluem que é um vício que não vale o esforço para ser abandonado.

No meu caso, o abandono não foi radical, mas gradual. Às vezes eu entrava em hiatos, desligando-me das redes por dias, às vezes deletava mesmo as contas, mas após alguns meses ou mesmo anos voltava. E nesse vai e vem cheguei num ponto em que se tornou bem natural sair e não voltar mais.

Só que não sou exatamente um evangelista desse estilo de vida. Não fico por aí dizendo que o segredo da felicidade é você deletar todas suas contas e ir viver num monastério. Esse negócio de felicidade, ou satisfação, ou contentamento, ou no mínimo um bem-estar, é algo muito pessoal e que cada pessoa deve descobrir sua própria fórmula. 

Em tudo procuro enxergar os espectros. Nem digo "lados", pois lados são bastante limitados e geralmente quando se fala em enxergar os lados está-se imaginando apenas dois. O mundo pode ser binário em termos macrocósmicos, o que é algo prático: existe apenas a luz ou a treva, o cheio ou o vazio, a vida ou a morte. 

Todavia, nesta floresta binária da realidade, existem as árvores e depois de ver a floresta, você deve afinar a sua visão para distinguir as árvores. É aí que encontramos os espectros, a gradação. Entre o branco e o preto há uma infinita paleta de gradações.

Mas eu estava falando de que mesmo? Ah sim, da internet. A internet é assim também. Ela tem espectros. Nela você pode encontrar o melhor e o pior do mundo e no meio dissso muita coisa útil, inútil, banal, grandiosa, trivial ou extraordinária. Há tempo pra um pouquinho de tudo.

Assim também são as redes sociais. Eu diria que, num balanço geral, as redes sociais fizeram mais bem que mal à sociedade. Isso mesmo. Você pode achar que não, porque vai lembrar das vezes em que algum troll ou pessoa desagradável veio te encher a paciência, mas as redes sociais, mesmo com toda sua chatice, hoje proporcionam a expressão popular como nunca houve na história (ao menos em países democráticos e onde o governo não corte a internet ou literalmente censure seus cidadãos e os prive do acesso a estes recursos online para se comunicar com outras pessoas e com o mundo).

As redes sociais são a antiga praça pública elevada a um nível gigantesco. Consumidores podem usar as redes sociais para reclamar de um produto ou empresa, eleitores podem cobrar dos políticos, denunciar crimes, expor fraudes. Além destes aspectos cívicos, as redes sociais hoje são parte da vida profissional. Elas facilitam muitas atividades, agilizam tarefas e oferecem aos pequenos uma oportunidade de publicidade antes impossível. Pequenos empreendedores, pequenos artistas podem usar as redes sociais para divulgar seu trabalho, seu negócio, sua arte, e de graça.

Por outro lado, se formos falar do espectro obscuro das redes sociais, de como são usadas para engenharia social, vigilância, etc, este post ficará bem distópico. Mas como eu disse, não é só uma coisa nem outra. É tudo.

Não descarto a possibilidade de um dia voltar a cultivar redes sociais, mas no momento não tenho mesmo interesse e sinto até que perdi o trejeito para usar redes sociais¹. Nelas tudo é muito instantâneo, muito efêmero. Agora já existem até recursos em que você posta algo que será automaticamente apagado após alguns minutos ou segundos. 

Sei lá, este tipo de instantaneidade não faz meu gosto. Talvez por isto eu prefira mais um blog, este blog aqui. O que posto aqui não é algo que vai ser lido no mesmo minuto em que postei, ao aparecer num feed de rede social. Eu escrevo para o amanhã, o que pode ser literalmente amanhã, ou daqui a um ano, dez anos e além. 

Muitas vezes escrevo para mim mesmo e o blog é um bom lugar para isto. Se por acaso algo que postei aqui futuramente for útil ou interessante para alguém, é um bônus. De certa forma, esta é a mentalidade de todo escritor. O escritor escreve porque precisa, depois porque ficará satisfeito se alguém o ler e mais satisfeito ainda se esta leitura acrescentar algo a quem leu, seja entretenimento, informação ou outras tantas influências.

Tenho um pensamento ao mesmo tempo besta e visionário, que é o conceito dos arqueólogos do futuro. Nos meus tempos em que estudei grego (digo como algo passado, mas pretendo algum dia retornar a esta prática), tomei conhecimento de alguns papiros, como os de  Oxirrinco, em que havia registros bem triviais da vida dos antigos: notas de empréstico, cartas de maridos a esposas, poemas de anônimos... Hoje este material nos fornece fragmentos de como era a vida e o pensamento das pessoas de milênios atrás. Assim imagino que as coisas que hoje postamos na internet serão os papiros de Oxirrinco do futuro, incluindo os milhões de videos de gatinhos do Youtube.

Quem serão os arqueólogos do futuro? Provavelmente máquinas, inteligências artificiais, algoritmos, alienígenas, mas provavelmente também humanos, humanos mesclados a máquinas, com a capacidade de processamento de informação ampliada. Eles estudarão a nossa era tão rápido quanto o Neo aprendeu Kung Fu. Para vocês então, estudantes do futuro, também estou escrevendo isto.

Também escrevo para o meu eu do futuro, que será outra pessoa e que terá algumas opiniões diferentes das minhas e uma visão de mundo e sensação de mundo diferente. De uma maneira levemente sinestésica, sempre costumei sentir um certo sabor na realidade. Lembro que na infância a vida tinha um certo gosto e que esta sensação mudou na adolescência, depois na vida adulta, e continua mudando em cada fase. Qual será o sabor do mundo para mim no futuro? Será algo que me fará sentir falta do paladar atual, ou algo que me faça pensar: "Hum, quem dera meu eu do passado sentisse isso"?

E eis que já devaneei demais por aqui.

Notas: 

1: E na verdade não cortei de vez o hábito. Afinal, ainda uso Pinterest, mas creio que fiquei neste site justamente por ele ter uma dinâmica bem diferente. No Pinterest não há essa coisa de posts com feedback instantâneo. Nem mesmo existe um feed baseado em criadores, mas baseado no interesse de cada pessoa. 

O algoritmo do Pinterest é realmente muito bom neste sentido. É um dos melhores. Não parece algo enviesado politicamente (como o Twitter que claramente empurra certos conteúdos pra você, mesmo que você não se identifique ou se interesse²) ou que privilegie certos ídolos e "influencers", priorizando seus conteúdos no feed

O Pinterest está interessado em saber do que você gosta, em termos de imagens (afinal é um site para colecionar figurinhas, basicamente). Se ele percebe que você gosta de animes ou carpintaria ou esmaltes de unhas ou brinquedos para pets, ele vai encontrar estes conteúdos e mandar pro seu feed. É uma "rede social" realmente baseada em gostos particulares de cada usuário e não em seguidores ou trends.

Ou seja, o que quer que você posta no Pinterest, haverá em algum lugar pessoas que tenham interesse nisso e o algoritmo vai saber fazer a ponte. Desta forma, os posts no Pinterest são atemporais, pois a qualquer momento uma figurinha vai aparecer no feed de alguém a quem possa interessar, não importa há quanto tempo foi postada.

2: Isto é meio estranho. Por que o Twitter está cada vez mais priorizando a política na timeline? Uns dizem que os responsáveis pelo site querem doutrinar o público, mas eu tenho uma teoria mais capitalista: o Twitter ao longo dos anos teve todo tipo de conteúdo e com o tempo percebeu que a política e a discussão geram muito engajamento, muito tempo de uso. Assim, o algoritmo tenta incendiar a timeline³, mantendo as pessoas sempre a discutir, pois política é o terreno fértil para a discussão. O Twitter virou um site que as pessoas frequentam para reclamar ou discutir. Se este é o nicho, então o algoritmo vai jogar lenha nesta fogueira.

3: Note to self: tenho este hábito aqui no blog de grifar com itálico certos termos em inglês. É hábito velho de quem vem de um tempo pré-internet, onde os livros e revistas faziam isto com estrangeirismos. Hoje termos em inglês já são tão abundantes, graças à internet, que se integraram ao vocabulário coloquial. 

Aí me deparo às vezes com uns dilemas. Tipo, a palavra feedback eu não tenho grifado porque já faz parte do nosso léxico. Já feed eu costumo grifar por ser um termo bem recente e ainda não plenamente integrado ao português. Mas estou pensando agora em parar com esta besteira, se bem que eu acho chique usar itálico de vez em quando.

Sobre a tirania

Política, como tudo na vida, é um assunto que possui um cardápio variado para todos os gostos. Não existem absolutos na política e tudo é passível de discussão e questionamento (o que não é?).

Geralmente a política tem sido polarizada em "direita" e "esquerda", mas convenhamos que estes termos não somente são obsoletos, como também bastante vagos e incapazes de representar realmente as opiniões das pessoas ou grupos. 

De toda forma, eles fazem parte do cardápio, bem como suas variantes (extrema esquerda, centro esquerda, centro direita, extrema direita, etc.). Há outras formas mais específicas de dualismo, como individualismo e comunitarismo, liberalismo e protecionismo econômico, nacionalismo e globalismo e por aí vai.

Mais do que uma questão de sociedade, economia e instituições, a política também tem um aspecto psicológico que é muito forte e que a maioria das pessoas não se dá conta. Projetamos nas nossas ditas opiniões e posicionamentos políticos desejos inconscientes, traumas, preconceitos, idealizações, neuroses. Há tantos sentimentos misturados a argumentos, que é difícil rastrear a origem profunda daquilo que acreditamos e defendemos na política.

De toda forma, em uma sociedade minimamente saudável, deve haver a liberdade para que cada um escolha seu "lado", no entanto, independente daquilo em que você acredita, deve existir um core de valores mútuos às pessoas de qualquer alinhamento político. Os direitos humanos fundamentais podem ser um bom padrão para definir este core

Quanto a formas de governo, também há tantas e para tantos gostos, mas é fundamental que todos, independente de qual lado, concordem com uma única coisa: que jamais apoiem o estabelecimento de uma tirania. 

É fácil identificar uma tirania: ela se impõe e se perpetua contra a vontade da população, ela usa da força para manter seu poder, o que inclui a censura e o aprisionamento ilícito, perseguição e até assassinato de opositores políticos ou qualquer um que ouse criticar o poder estabelecido. 

Na tirania, toda a população é subjugada a um estado de culpa e medo. Todas as pessoas são tratadas como criminosas e mantidas reféns do medo. Há uma gritante diferença entre uma sociedade onde há normas e que possui mecanismos para deter pessoas que causam danos às outras e um estado que alimenta um clima de suspeita constante, causando nas pessoas comuns uma tensão e temor de que qualquer coisa que façam pode irritar o leviatã estatal.

O mundo de 1984 ilustra bem isto. As pessoas viviam nesta tensão por saberem que o Big Brother as vigiava. Elas temiam ser punidas por simplesmente tocarem em determinado assunto. O mundo se encheu de tabus, de palavras proibidas e todos tinham que viver de cabeça baixa. Até os pais e filhos temiam uns aos outros, pois qualquer comportamento fora da total subserviência poderia ser denunciado.

Não existem sociedades nem governos perfeitos. A existência humana é um perpétuo conflito, uma mistura fervilhante num caldeirão de diferenças que nunca se torna homogêneo. Isto é o normal na natureza e é a maravilha da vida. 

A tirania, ao contrário, busca homogeneizar, uniformizar, enfim, desumanizar. Você deixa de ser esta coisa complexa e complicada que é um humano e se torna um objeto, uma máquina de dizer "sim", incapaz de questionar ou dizer "não". A liberdade para dizer "não" é um dos maiores termômetros de quão próxima ou distante uma sociedade está da tirania. 

Deep Blue Sea, um slasher de tubarão

Deep Blue Sea (1999)

O gênero de terror slasher é algo que existe para entreter o nosso primitivo lado sádico. Nos tempos antigos, este sadismo era satisfeito por meio da violência real, envolvendo gente real, como nos espetáculos de carnificina do Coliseu.

Hoje em dia a civilidade nos levou a abandonar estes hábitos bárbaros, ou melhor, sublimamos por meio da arte e da ficção. O slasher movie, portanto, existe para este fim. 

A verdade é que torcemos pelo vilão, enquanto ele persegue suas vítimas. E se o vilão sobreviver no final para permitir uma sequência, uma trilogia, uma pentalogia, melhor ainda.

Este subgênero consagrou grandes personagens na cultura pop como Jason, Freddy Kruegger, Chucky, Michael Myers, etc.

Outro subgênero é o terror com feras ou algum animal considerado assustador, o que vai de aranhas e piranhas a anacondas gigantes, crocodilos, tubarões, etc.

Filmes de tubarão são praticamente um subgênero dentro deste subgênero. Seu grande clássico foi o Jaws (1975), de Spielberg, e chegou ao ponto da auto-sátira na fantástica e zueira franquia Sharknado.

Em alguns casos, como no próprio Jaws, filmes de tubarão se assemelham a um slasher, pois o tubarão, ou um grupo de tubarões, se torna uma espécie de assassino serial a perseguir os pobres protagonistas, matando-os um a um.

Deep Blue Sea (1999) segue bem este modelo. Buscando a cura do Alzheimer, uns ingênuos cientistas fazem experimentos no cérebro de três tubarões, tornando-os mais inteligentes. O que poderia dar errado, não é mesmo? Eis que os tubarões escapam, destroem o laboratório submarino e perseguem a tripulação.

Deep Blue Sea (1999)

Então temos a diversão típica de um slasher: ficamos curiosos pra ver de que maneira os tubarões vão matar as vítimas. Há algumas mortes de figurantes, mas a coisa fica interessante mesmo quando um tubarão carrega o Dr. Jim Whitlock (que já havia perdido um braço e estava em uma maca) e o arremessa contra o vidro da estação submarina. É como se o tubarão, com sua inteligência e sadismo aprimorados, estivesse mesmo dando uma declaração de guerra, jogando um membro da equipe na cara dos demais para verem o que os espera.

Para mostrar como o vilão é mesmo cruel, temos uma cena em que o mascote do filme, um papagaio, é também devorado pelo tubarão.

Deep Blue Sea (1999)

Aí temos um momento em que Russell Franklin, ninguém menos que o Samuel L. Jackson, resolve fazer um discurso motivador, basicamente dizendo para a equipe "get your shit together" e revidar, mas é interrompido por um tubarão que aparece do poço e o devora num instante. Os outros olham assustados com uma cara de "fudeu!".

Deep Blue Sea (1999)

Depois é a vez da pobre Janice, que no momento em que estende a mão para ser retirada da água, um tubarão dá-lhe uma bocanhada por baixo, erguendo-a no ar e depois sumindo com a coitada dentro da água.

A morte mais gore é a do Tom Scoggins, que é partido ao meio em uma mordida e vemos as suas pernas, separadas do corpo e tendo espasmos como uma lagartixa.

Por fim, a Dra. Susan McCallister morre de bobeira, porque ela pula na água pra atrair o tubarão e evitar que ele atravesse uma cerca em direção ao mar. A morte dela pelo menos é rápida, literalmente engolida inteira.

Só que os vilões também se dão mal. Um tubarão é morto em uma explosão de um forno industrial, outro é eletrocutado e o último vira mil pedacinhos com uma flecha explosiva. 

Vale notar que quem matou tanto o primeiro quanto o último foi o cozinheiro Sherman, o dono do papagaio e alívio cômico do filme. É uma espécie de justiça poética que os tubarões fossem mortos pelo cozinheiro.

No fim, obviamente, tem que sobrar alguém pra contar a história. No caso, o badass Carter (interpretado pelo Thomas Jane, que sempre tem o typecast de badass) e o sortudo Sherman que, sendo um homem muito religioso, não teve apenas sorte, mas uma ajuda divina pra sair daquela enrascada.

O filme, mesmo sendo de um gênero já clichê, conseguiu surpreender em algumas destas mortes. Ninguém esperaria, por exemplo, que uma figura imponente como o Samuel L. Jackson tivesse uma morte tão patética. Também no final é de se esperar que sobreviva o casal Carter e Susan, com direito a um beijo na última cena, mas ela tem uma morte rápida e inesperada, de modo que sobram apenas dois caras vivos.

O Sherman, aliás, por ser o personagem mais atrapalhado, era desde o início alguém que o público esperaria que em algum momento cometeria um erro que o levaria à morte. O fato dele ter sido um dos últimos sobreviventes é também uma surpresa.

Deep Blue Sea 2 (2018)

Deep Blue Sea 3 (2020)

Duas décadas depois, resolveram ressuscitar a franquia com Deep Blue Sea 2 (2018) e Deep Blue Sea 3 (2020), mas são bem fraquinhos e nada há de interessante neles.


Pra não dizer que nada se salva nos últimos filmes, no final do terceiro tem uma cena legal, quando o último tubarão é morto esmagado em um compactador de lixo e o bicho literalmente estoura na cara da protagonista.

Deep Blue Sea 3 (2020)

Este último filme também encerra a trilogia com uma justiça poética. Enquanto no filme original só sobreviveram dois homens, agora restaram apenas mulheres.

A estratégia da lagartixa

A estratégia de fuga da lagartixa é uma coisa fascinante e mais complexa do que parece. Todos sabem que ela é capaz de soltar a cauda, de modo que, se algum predador a agarra pela cauda, ela consegue escapar. Mas não é só isso.

Depois de solta, a cauda da lagartixa continua se mexendo, tendo uns espasmos, tremelicando. Ao mesmo tempo, a lagartixa, diante de uma ameaça, costuma ficar imóvel e se fingir de morta. Não é apenas uma encenação, mas uma reação psicossomática. O medo a deixa catatônica, em transe, sua respiração diminui, de modo que até o abdomen para de se mover.

Qual a função disso na estratégia de fuga? O predador, por exemplo, um gato, vai ter diante de si dois objetos, o corpo da lagartixa e a sua cauda. Destes dois, só a cauda está se movendo loucamente, enquanto o corpo está quieto. Logo, o gato terá mais interesse em brincar com a cauda, deixando a lagartixa em paz.

As lagartixas conscientemente desenvolveram esta elaborada estratégia ao longo das eras? Foi algo provocado por mutações aleatórias? Se foi aleatório, por que todas as lagartixas são assim em todo o mundo? Este conveniente comportamento foi programado?

Outbreak, o mais icônico filme de epidemia

Outbreak (1995)

Epidemias são um tema antigo na história humana, bem como na ficção. Inspirado na gripe espanhola de 1918, em 1947 Albert Camus publicou sua novela A Praga, descrevendo o evento de uma epidemia que levou uma cidade a se isolar do mundo numa quarentena.

Nos anos 90, o medo de epidemias retornou forte por causa da AIDS. A AIDS aterrorizou uma geração e também estabeleceu o uso da camisinha na sociedade para sempre. Só que apareceu coisa muito pior, como o Ebola.

O misterioso Ebola tinha um desenvolvimento rápido e sintomas macabros, causando hemorragia em todo o corpo, uma cena de terror. Não à toa este vírus foi logo aproveitado para inspirar um filme que virou um grande ícone do cinema em termos de doenças e epidemias: Outbreak (1995), no Brasil traduzido como Epidemia.

Outbreak (1995)

O filme tinha um grande elenco, como  Dustin Hoffman, Rene Russo, Morgan Freeman, Donald Sutherland, Kevin Spacey e Cuba Gooding Jr. Foi feito pra ser um filme daqueles que enche a sala de cinema.

A primeira aparição do vírus se dá em um acampamento militar no Zaire, em 1967, e é uma cena bem emblemática para a forma leviatânica como o governo lida com uma crise dessas. É enviado um avião para o acampamento e a galera toda feliz achando que é ajuda, suprimentos, eis que ele solta um cilindro gigante e, antes que as pessoas se dessem conta, o acampamento é obliterado numa explosão. Eis a sutileza do governo. 


Na vida real, obviamente, nós tivemos desde 2020 um exemplo de como os políticos de fato lidam com este tipo de crise e não chega ao ponto de tacarem uma bomba num vilarejo pra impedir que o vírus saia dali. No filme, aliás, o vírus saiu, levado por um macaquinho contaminado que, posteriormente capturado, foi levado aos EUA, contaminhou humanos e aí a coisa saiu do controle.

Outbreak (1995)

Outbreak (1995)

Outbreak (1995)

Quando começam a surgir os casos e o governo enfim passa a tomar medidas, vemos um modelo que parece ter sido imitado ipsis literis pelos políticos atuais: quarentena, toque de recolher, pessoas com máscaras, cientistas com um traje hazmat, militares nas ruas, famílias separadas, campos de concentração, ops, de quarentena.

Curiosamente, o vilão não é o vírus, mas o governo e os militares, pois há um plano para bombardear a cidade infectada, seguindo a estratégia usada no Zaire. Os cientistas correm contra o tempo para desenvolver um antivírus eficiente e convencer os caras a não resolver a crise na truculência. 

Como era de se esperar, no filme o antivírus é rapidamente criado, as pessoas da cidade são tratadas e o bombadeio cancelado. Na verdade a ordem do general continua de pé, mas os pilotos do avião se rebelam e lançam a bomba no mar, salvando a cidade. Ah, o otimismo dos anos 90.

Outbreak (1995)

Baahubali, o 300 indiano

Baahubali (2015)

Baahubali (2015)

Uma introdução sobre estereótipos e arquétipos sexuais

Em termos de traços sexuais, os personagens em uma obra fictícia podem exibir basicamente três tipos: virilidade, feminilidade e androginia, sendo este último uma mescla dos dois anteriores.

A virilidade consiste nos atributos clássicos atribuídos ao "homem ideal": força, valentia, iniciativa, espírito aventureiro, disposição ao sacrifício heroico, etc. A feminilidade envolve os atributos da "mulher ideal": delicadeza, beleza, sensibilidade, espírito maternal ou, em outras palavras, disposição para cuidar e ajudar os outros, etc. A androginia é mais rara e costuma caracterizar personagens peculiares, diferentes do normal, com uma mistura de características masculinas e femininas. É um arquétipo que combina com anti-heróis, magos, sábios, loucos, seres sobrenaturais ou de outras espécies, como elfos.

A indústria de entretenimento ocidental vem perdendo a habilidade de aplicar estes atributos arquetípicos aos personagens, em parte por causa da "woke culture" que propõe a desconstrução de estereótipos sociais, chegando mesmo ao ponto dos estereótipos de gênero. 

Desta forma, como que com receio de ofender alguma classe ou querendo agradar a todas, a ficção ocidental tem tornado os personagens amorfos, sem um arquétipo sexual claro. Acabam se tornando meio robóticos, sem os trejeitos e comportamentos que os fariam parecer humanos, parecer com as pessoas que a gente conhece na vida real.

A melhor maneira de fazer um personagem marcante e que atrai nossa empatia é enfatizando certas características, ou seja, é aplicando estereótipos. O medo dos estereótipos acabou tornando a caracterização de personagens insossa. 

Já na ficção oriental parece que esta moda anti-estereótipo ainda não chegou e talvez, felizmente, nunca chegue. Nos animes, os estereótipos são bem claros nos personagens, inclusive seus traços de sexualidade. Você encontra bem definidas a virilidade, feminilidade e androginia.

Não significa que cada personagem seja 100% apenas uma coisa. Em Naruto, por exemplo, o Naruto é em geral um personagem viril, mas há uma feminilidade de alívio cômico quando ele pratica o jutsu sexy e se transforma numa menina. Já o Sasuke tem um jeitão ainda mais viril, só que tem uma aparência que beira o andrógino, pois é isto que o torna mais bonito que o normal dos outros homens. Hinata é bastante feminina, delicada e até submissa¹, enquanto Sakura tem um forte lado viril, dividido com a sua feminilidade. Orochimaru, por sua vez, é um bom exemplo de anti-herói (ou vilão) andrógino. 

Baahubali (2015)

É o caso também do cinema indiano, de Bollywood. Os protagonistas masculinos são geralmente bastante viris, são os chamados "homão da porra", enquanto as femininas são belas, delicadas, se vestem com muitos adornos que realçam a feminilidade. Curiosamente, as protagonistas femininas no cinema de ação indiano são do tipo "mulherão da porra", uma mistura de traços femininos com força e valentia². Fazem isto de tal maneira que a virilidade, em vez de amenizar a feminilidade destas personagens, a acentua.

O épico Baahubali

E após este longo prólogo, chegamos ao filme indiano em questão: Baahubali (2015). Se tem uma coisa em que Bollywood superou Hollywood é na produção de épicos. Nesta história, que se passa na Índia medieval, já vemos no início uma personagem bastante badass: uma mulher com uma flecha cravada nas costas corre para uma catarata carregando um bebê, Mahendra Baahubali . 

Ela atravessa o rio e, à beira da morte, faz uma prece a Shiva em favor do filho. Ela ergue o braço com a criança no topo e é coberta pela água, morrendo, mas mantendo o braço firme até que aldeões encontram o bebê e o resgatam. Um gesto de sacrifício maternal formidável.

O bebê é adotado pela esposa do chefe da tribo, que o nomeia Shivudu, pois ela era grande devota de Shiva. O menino tem a mania de escalar uma cachoeira pela mera curiosidade de saber o que tem lá em cima e esta prática constante faz que ele desenvolva uma força sobre-humana, a ponto dele erguer com as mãos uma enorme estátua de Shiva (um lingam, mais especificamente). O bicho é tipo um Hércules indiano.

Um dia Baahubali encontra uma máscara feminina caída da cachoeira, o que o motiva mais ainda a querer chegar ao topo. Quando está bem no alto, ele fabrica um arco e flecha com ripas e cipós, dá um salto de fé no precipício e atira a flecha em uma árvore que fica no topo da cachoeira.

Assim ele finalmente encontra a dona da máscara, Avantika, e rola um divertido flerte. A moça é valente, arredia. Avantika pertence a uma milícia local formada para resistir ao poder tirânico do rei de Mahishmati, Bhallaladeva, e resgatar sua cativa, a princesa Devasena. 

Na cena em que vemos a reunião desta milícia, já temos um típico elemento do cinema indiano: o olhar. Os atores conseguem ser bem convincentes em transmitir uma intensidade e ódio nos olhos, o que é expresso em palavras pelo líder dos rebeldes que diz que nos olhos deles jamais deve haver a água das lágrimas, mas somente o fogo do ódio. Eita porra.

No encontro de Avantika com Baahubali, o filme deixa o tom sério e épico e se torna um musical, um elemento praticamente obrigatório em todo filme indiano. O cenário muda, fica florido, colorido, e o casal apaixonado canta e dança.

Quando Avantika conta a Baahubali sobre sua missão, ele imediatamente se engaja na causa e parte para o palácio do rei a fim de resgatar Devasena.

Baahubali (2015)
O olhar intenso, principalmente em momentos de fúria, é uma marca do cinema indiano.

O tirânico rei não é menos fodão que Baahubali. Vemos ele lutando contra um enorme touro, derrubando-o literalmente no soco. Novamente temos a ênfase da câmera nos olhos e vemos que o rei tem um olhar maligno e intenso.

Esta é a fórmula indiana para dar intensidade a seus personagens: muitos closes no rosto e muito slow motion, de dar inveja a Zack Snyder. 

Estes recursos da dramaturgia indiana já são bem conhecidos no ocidente na forma de memes, principalmente por causa das novelas que são beeem exageradas, como vemos no vídeo abaixo.


Na medida certa, porém, a ênfase que a câmera dá às expressões dos atores funciona muito bem, como acontece em Baahubali.

Baahubali (2015)

Baahubali consegue libertar Devasena e então temos um momento de flashback, quando o fiel servo do rei, Kattappa, revela que Mahendra Baahubali era filho de Amarendra Baahubali, um lendário guerreiro que demonstrou grande heroísmo em uma batalha contra uma tribo bárbara chamada kalakeyas. Temos então uns 40 minutos de uma batalha épica e formidavelmente bem produzida, uma verdadeira aula de batalha campal em um filme.

É nesta batalha que o filme se assemelha bastante a 300 (2006), especialmente numa cena em que Baahubali avança contra os inimigos, numa sequência de golpes em slow motion bem parecida com a cena de Leônidas contra os soldados persas em 300. É curioso então pensar como Zack Snyder pode ter exercido uma influência no cinema de ação indiano, nessa técnica de slow motion cadenciado em um plano sequência de luta.

Baahubali se inspirou em 300 sim, mas apenas no aspecto técnico de certos momentos da batalha. A longa cena da batalha, por sua vez, é cheia de criatividade e consegue prender a atenção do início ao fim. É raro algum filme hollywoodiano conseguir produzir tanto tempo de tela para uma batalha.

Também o cinema épico indiano não precisa de 300, muito menos da história grega para produzir seus roteiros, já que a literatura védica é cheia de grandiosos mitos. A história de Baahubali foi inspirada no milenar Mahabharata.

Baahubali (2015)
Os kalakeyas parecem klingons medievais.

Um detalhe interessante é que os bárbaros invasores falam uma língua estranha, chamada kiliki, que foi desenvolvida pelo roteirista Madhan Karky, com cerca de 750 palavras e 40 regras gramaticais. Esta foi a primeira vez que uma língua ficcional foi criada para um filme indiano.

Como o homem da linhagem real, Bijjaladeva, era inapto a ocupar o trono devido a uma deficiência física (afinal o rei também era líder do exército e deveria ser saudável e forte para ir à frente nas batalhas), quem de fato tinha o poder no governo era sua esposa Sivagami.

Sivagami reinou com sabedoria e mão firme e criou seu filho Bhallaladeva e o afilhado Amarendra Baahubali (que era um órfão, filho do falecido rei Vikramadeva). Estes dois irmãos, quando adultos, eram os candidatos ao trono. Amarenda tinha um coração puro, enquanto Bhalla era ganancioso e tentava sabotar o irmão na disputa pelo trono. Os dois lutaram na batalha contra os kalakeyas e no final Sivagami reconheceu o esforço de Amarendra, nomeando-o rei.

Então termina o flashback do velho Kattappa, que ainda acrescenta um trágico detalhe: apesar de Amarendra ter sido um guerreiro poderoso, praticamente divino, terminou morto com uma espada nas costas. Kattappa revela que ele foi o traidor que apunhalou o rei e assim esta parte um do filme termina num momento de revelação bem novelística.

Kattappa, aliás, é um grande personagem na trama. Vários personagens secundários têm seu espaço para brilhar. É um filme com muitos personagens fortes, nobres e heroicos e Kattappa é o melhor exemplo. Ele é um escravo do reino, mas tem uma lealdade sincera e abnegada, a ponto dele conseguir conciliar seu ódio pelo rei que aprisionou Devasena e sua atitude protetora e até sacrificial para com o mesmo rei. Só uma pessoa muito nobre conseguiria conciliar estes sentimentos paradoxais.

Ele também funciona como exemplo de "velho fodão", pois é um grande espadachim. Este tipo de personagem também existe no cinema ocidental e é interessante por valorizar a terceira idade, mostrando que idosos também podem ser badasses.

Baahubali (2015)

Baahubali (2015)

Baahubali 2 (2017)

Devasena é outra grande personagem e que tem seu arco melhor explorado em Baahubali 2. No primeiro filme ela aparece já idosa e bastante castigada, sendo prisioneira do rei. Mesmo enfraquecida e humilhada, ela mantém uma firmeza de espírito e até lança uma maldição sobre o rei, com os olhos cheios daquele ódio que falamos antes.

Baahubali 2 (2017)

Baahubali 2 (2017) volta no passado para contar a história do primeiro Baahubali, o Amarendra. Enquanto o primeiro filme é um épico de batalha, o segundo é mais voltado ao drama da família real e à crise interna do reino devido à disputa dos dois irmãos ao trono. Parece realmente uma novela, mas sem as galhofices das novelas.

Após a vitória na grande batalha do filme anterior, Amarendra Baahubali é declarado rei e viaja com Kattappa pelo reino para conhecer seu povo. Assim ele encontra a jovem Devasena, por quem se apaixona loucamente. Devasena é a princesa de um pequeno reino e, depois que Baahubali a protege de um ataque, ela retribui seu sentimento e eles tornam-se noivos.

Baahubali 2 (2017)

Assim o casal volta ao palácio de Mahishmati, mas a Rainha Mãe, Sivagami, não concorda com o casamento e diz que Baahubali deve escolher entre o trono e sua amada. Ele então renuncia ao trono, o que obviamente deixa a rainha puta da vida com ele, enquanto Bhallaladeva fica felizão que agora finalmente vai herdar o trono.

Na coroação do novo rei (uma grandiosa e pomposa cerimônia, diga-se de passagem), Bhalla senta no trono, enquanto Baahu recebe o cargo de general. Quando Baahubali faz um discurso de posse, a multidão vai à loucura. As massas e até os militares gritam e cantam e batem no chão de tal forma que o palácio inteiro treme. Baahubali é rei no coração do povo.

Enquanto Baahu é manso e de coração mole, Devasena é seu oposto. Ela tem a personalidade forte, é atrevida e não aceita desaforos. Ela ousa discutir com a própria Rainha Mãe, sua sogra, questionando suas decisões no reino. 

A gota d'água acontece quando um soldado estava apalpando as mulheres em uma fila (ele tocava em seus ombros, o que para a cultura indiana deve ser bem inapropriado) e, quando ele toca em Devasena, ela não deixa barato e decepa os dedos dele numa facada. Devasena é levada a julgamento, com a presença do general Baahubali como mediador. Quando ela conta o que aconteceu, Baahubali diz que cortar os dedos do tarado foi pouco e ele merecia é perder a cabeça. No mesmo instante, Baahu puxa a espada e corta a cabeça do soldado.

Ok, convenhamos que ele se excedeu. O soldado foi um escroto em apalpar as moças, mas pena de morte por causa de uma mão boba no ombro já é demais. A Rainha Mãe entende que o casal está conspirando e passando por cima da autoridade dela, de modo que ela sentencia o banimento dos dois.

Baahubali 2 (2017)

Baahu e Devasena, que já estava grávida, vão viver com os pobres do reino, sendo muito bem aceitos. O príncipe se dedica aos trabalhos braçais como todo mundo, mas usa seu conhecimento e engenhosidade para melhorar a vida do povo, projetando máquinas que ajudam nas tarefas. Também se torna um líder local, ouvindo as pessoas, aconselhando e julgando. Mesmo banido, ele continua rei no coração do povo.

Então acontece uma conspiração nível Game of Thrones. Primeiro o pai de Bhalla convence Kumara, irmão de Devasena, de que há uma conspiração de Bhalla para matar Baahu, sua esposa e o bebê. Ele pede que, para salvá-los, Kumara deve matar Bhalla.

Baahubali 2 (2017)
Perplecta.

Kumara então entra nos aposentos de Bhalla e tenta matá-lo, mas é morto pelos guardas. Quando a Rainha Mãe chega no local e vê os corpos, Bhalla e seu pai dizem que Kumara foi contratado por Baahubali para matar seu irmão. 

Perplexa e revoltada, ela concorda que Baahubali deve ser condenado à morte por ter tentado matar o príncipe, todavia, ela ainda tem a frieza de considerar que a reação popular seria extremamente negativa se o reino oficialmente matasse o querido do povo, então ela decide que a morte deve ser realizada secretamente e por meio do servo mais confiável do reino, ninguém menos que Kattappa.

Chegamos então à parte que ficou em aberto no primeiro filme. Agora ficou claro como Kattappa foi capaz de matar alguém que tinha toda sua lealdade e carinho. Kattappa era tratado como um tio por Baahubali, que também tinha por ele uma confiança irrestrita.

Baahubali 2 (2017)

Aqui vemos mais uma vez como Kattappa é um personagem formidável, o mais dramático e profundo da duologia. Com uma lealdade heróica digna de um épico, ele jamais desobedeceria a rainha, mesmo que ela peça para matar o próprio filho. 

Ele ainda hesitou e implorou que a rainha não desse essa ordem, até pediu que ela o decapitasse por insubordinação, mas ela disse que, se ele não fosse matar Baahubali, ela mesma iria. Isto o colocou numa situação da qual não poderia se esquivar, pois ele preferia tomar para si a culpa deste horrendo pecado, a permitir que a rainha se tornasse ela própria a responsável direta pela morte do filho. Eis o nível de nobreza de Kattappa. Ele não só está disposto a sacrificar a própria vida, como a própria honra.

Kattappa então vai ao encontro de Baahubali, numa emboscada. Ele está de mãos e pés amarrados, para não despertar suspeitas, e assim que Baahu vai salvá-lo, acontece uma invasão de bárbaros que os atacam com uma chuva de flechas. Baahu cobre Kattappa com seu corpo, como um escudo, recebendo nas costas diversas flechadas, o que só aumentou o sentimento de culpa do pobre Kattappa.

Baahubali 2 (2017)
Pobre Kattappa!

Kattappa implorou que Baahu fugisse dali e o largasse (pois enquanto estava de mãos atadas, Kattappa não poderia cumprir a sua ordem de matá-lo e ele preferia que fosse assim e que fosse morto pelos bárbaros antes de cumprir a missão), mas obviamente Baahu libertou Kattappa e seguiu protegendo-o dos bárbaros. Então, enquanto Baahu lutava contra os inimigos, Kattappa o atravessou com a espada pelas costas.

A traição de Kattappa é bem peculiar, pois não era como um Judas ou mesmo um Brutus. Kattappa não tinha nenhuma motivação pessoal para trair o príncipe que ele amava como a um filho ou sobrinho. O gesto dele nem pode ser considerado exatamente traição, pois o que ele fez foi em obediência a uma ordem, de modo que sua lealdade entrou em conflito com seu sentimento afetivo.

Diante do príncipe agonizante, Kattappa confessa que seguia ordens reais, explicou a conspiração e implorou por perdão. Baahubali com toda sua mansidão apenas pediu que Kattappa cuidasse de sua mãe e filho. Uma cena dramática realmente grandiosa.

Baahubali 2 (2017)

Então aparece Bhalla para se certificar de que a missão foi cumprida. Ele começa a golpear o cadáver de Baahubali numa fúria louca, enquanto confessa todo o seu plano conspiratório. Kattappa ouve tudo e, quando volta ao  reino, conta para Sivagami, que obviamente entra em choque. Ela matou o próprio filho baseada em uma mentira.

Enquanto isto, a multidão espera do lado de fora, querendo saber o que houve com Baahubali. Sivagami se apresenta e anuncia a morte do príncipe e diz que o rei nomeado será o filho dele, o bebê Mahendra Baahubali, contrariando os planos de Bhalla.

Baahubali 2 (2017); The Lion King (1994)

De volta ao palácio, ela sentencia à morte seu outro filho, Bhalla, mas Bhalla e seu pai já estavam preparados e convocam os guardas para dar um golpe de estado. Agora é Sivagami que terá de fugir com o bebê, enquanto Kattappa sozinho tenta segurar os guardas. Bhalla ainda acerta uma flecha nas costas de Sivagami que cai num córrego. 

No primeiro filme já vimos o que aconteceu a partir daí. A valente Sivagami consegue fugir pelo rio com seu neto nas mãos. Ela se sacrifica, mas ele é salvo e cresce para enfim redescobrir suas origens. Devasena, por sua vez, ficou todos estes anos no castelo, vivendo como escrava do sádico Bhalla, esperando que um dia o filho viesse salvá-la.

Depois de Kattappa contar toda essa história, Mahendra Baahubali se comove diante da sofrida Devasena e incita a multidão a se armar em guerra contra o reino tirânico de Bhalla. 

O nível de maldade de Bhalla fica bem demonstrado em uma declaração sua. Ele diz que mesmo tendo conseguido tudo o que queria e o trono do reino, nada disso o deixou realmente satisfeito. O que de fato o satisfazia era manter Devasena como prisioneira por 25 anos. Ele é um sádico.

Por isso o próprio Bhalla saiu do castelo em uma biga (uma biga bem surreal, puxada por touros e toda equipada com lâminas e que dispara lanças, que também foi usada na batalha do  primeiro filme) e raptou Devasena, levando-a de volta para o castelo. 

Baahubali 2 (2017)

Então rola uma batalha para derrubar o governo de Bhalla. Não é tão longa quanto a batalha do primeiro filme contra os bárbaros, mas é igualmente épica. Uma das cenas mais absurdas e legais é a da catapulta humana³, quando os soldados de Baahubali invadem o castelo literalmente catapultados por palmeiras. 


Enquanto rola a pancadaria, Devasena cumpre a promessa que fez há muitos anos. Ela faria uma procissão levando um jarro com fogo sobre a cabeça e acenderia uma pira sagrada, queimando nela o maligno Bhallaladeva. 

Por fim, após um mano a mano dos dois titãs, Baahubali lança o derrotado Bhalaladeva na pira e Devasena ateia fogo. Baahubali enfim ocupa o trono e assim termina a grandiosa saga.

Curiosidade sobre os símbolos na testa

Baahubali's tilaks/bindis

Na cultura indiana, o centro da testa é considerado um local de grande valor místico, o terceiro olho, e também é comum adornar esta região com algum sinal. O mais conhecido é o ponto vermelho que muitas mulheres costumam usar, chamado bindi. É um item de maquiagem, mas também um amuleto de proteção.

Os personagens principais todos usam algum sinal, o que revela algo sobre eles. Sivagami tem um clássico bindi, porém maior que o normal, representando uma lua cheia e seu temperamento poderoso. Ela é uma rainha de mão de ferro, capaz de sentenciar o próprio filho à morte, se achar justo.

Bijjaladeva, o quase-rei, tem um trishulam, o tridente de Shiva, que simboliza tanto a criação quanto a destruição. De fato, por seu comportamento manipulador, ele levou o reino a um estado de constante crise, de criação e destruição.

Bhallaladeva tem um sol nascente, que é também o símbolo do reino de Mahishmati. O fato dele levar na testa o mesmo emblema do reino mostra o quão obcecado ele é pelo poder e seu grande desejo é se tornar rei.

Em contraste com o irmão, Amarendra Baahubali tem o símbolo de uma meia lua, o que expressa sua natureza calma e bondosa.

Mahendra Baahubali tem um shivalinga, um ícone relacionado a Shiva e que representa força e valentia. 

Devasena tem um curioso sinal que parece a mistura dos símbolos masculino e feminino. Isto representa bem a sua natureza andrógina. Devasena é delicada e durona, é mãe e é guerreira.

Avantika tem a forma de uma ponta de lança, mostrando sua natureza bélica, focada na missão de combater a tirania do reino.

Kattappa, obviamente, possui uma marca que o identifica como escravo.

Conclusão

É claro que chamar Baahubali de "300 indiano" não é justo. A semelhança existe apenas em algumas cenas de batalha, enquanto a história em si é bem diferente de 300, mais voltada ao romance, drama familiar e intrigas dentro do reino.

Baahubali tem sua própria mitologia, é definitivamente um grande épico, bem como um grande drama e romance.

O primeiro filme arrecadou cerca de 87 milhões de dólares em todo o mundo, sendo 68 milhões somente em solo indiano, se tornando o filme mais rentável na Índia até então.

Baahubali 2 foi ainda mais longe. Teve uma arrecadação mundial de 240 milhões, sendo 190 milhões só na Índia. 

A Índia possui um mercado interno formidável e a maior parte dos lucros de Bollywood vem do próprio consumo do povo indiano (afinal estamos falando de uma população de 1,3 bilhão, já bem pertinho do 1,4 bilhão da China). Agora, com os serviços de streaming, a vasta filmografia indiana está cada vez mais acessível mundialmente. Baahubali, por exemplo, eu assisti na HBO Max, enquanto Baahubali 2 encontrei na Netflix.

Notas:

1: A submissão é talvez a "característica feminina" mais criticada pela woke culture, pois ela é associada ao papel da mulher na sociedade como uma serva do marido, ou dos homens em geral. Esta questão social não vem ao caso aqui, pois a submissão, enquanto traço de personalidade, não é per se boa ou má. É uma característica como qualquer outra e pode ser algo com que a pessoa se sinta confortável. 

Este atributo é classicamente associado ao feminino, até por uma questão pré-histórica: já que a natureza dotou o corpo masculino de mais força, naturalmente os homens se tornavam os guerreiros e protetores das tribos, enquanto as mulheres se dedicavam a cuidar das questões internas da tribo. Elas tinham seus privilégios. Os homens partiam para a selva, para enfrentar feras e outros guerreiros, enquanto as mulheres estavam seguras na aldeia. Logo, o preço da segurança era a submissão, acatando a liderança dos guerreiros. 

Ora, até hoje é assim que funciona a sociedade: em troça da segurança do Estado, os cidadãos renunciam a certas liberdades, acatando a lei que o Estado impõe. Se esta troca vale a pena, é algo que vivemos a nos questionar. 

Acontece que este acordo tácito que havia nas sociedades primitivas foi evoluindo de tal forma que ficou desbalanceado para o lado das mulheres, que então se tornaram servas dos maridos e de toda uma hierarquia social que só começou a mudar após a revolução industrial. 

Mas voltando ao tema, os chamados atributos masculino e feminino são então, basicamente, derivados da própria natureza. O homem ideal é mais forte e fisicamente maior, mais alto e robusto que a mulher ideal, que é menor, mais delicada em seus traços, tem menos força física. É óóóbvio que existem corpos masculinos e femininos de todos os tipos, tem homens pequenos e delicados, tem mulheres marombadas, mais altas e mais fortes que certos homens, mas no geral, na imensa maioria, essa distinção física entre homens e mulheres é evidente. 

Daí, portanto, a formação na consciência coletiva destes arquétipos associados a masculino e feminino. Não é algo socialmente construído, mas fisiologicamente inspirado. As construções sociais são outra questão e não é o caso aqui quando falamos de estereótipos de personalidade. 

Assim, personagens submissos devem existir e não necessariamente isto deve ser tratado como um traço ruim ou problemático de sua personalidade. Uma pessoa submissa pode significar que ela é mais aberta e maleável, que tem uma boa disposição para concordar ou cooperar sem ficar fazendo muitos questionamentos e disputas de poder. Os personagens submissos são os mais amigáveis e leais. 

Enfim, quero dizer com isto que a submissão, enquanto característica de personalidade, não deve ser demonizada como uma fraqueza ou problematizada por ser um arquétipo feminino. Os arquétipos são a melhor forma de se criar personagens que as pessoas reconheçam como humanos e não como bonecos bidimensionais.

Também devo deixar claro que o fato da submissão ser um arquétipo feminino não significa que seja um atributo exclusivo de personagens femininas. Como já disse nos exemplos de Naruto, há diversas gradações e combinações de masculino e feminino em um mesmo personagem, independente de seu gênero. Masculino e feminino, enquanto arquétipos universais, transcendem o conceito moderno de gênero.

Devasena é um interessante exemplo da aplicação dos arquétipos independente do gênero do personagem. Ela é uma mulher, mas com um forte traço masculino, dada sua insubmissão e a forma como desafia a Rainha Mãe. Não à toa o bindi na testa de Devasena é um sinal andrógino.

2: Embora seja, na origem, uma característica feminina, a submissão não é imprescindível para a formação de uma personagem bastante feminina. Neste aspecto, o cinema de ação indiano é um bom exemplo. Raras são as protagonistas femininas que não tenham um lado viril e valente, mesmo assim, de alguma forma eles conseguem balancear isto de tal maneira que a valentia, em vez de amenizar, acentua a sua feminilidade.

3: Lembro de ter visto esta cena da catapulta há alguns anos na internet. No Youtube, por exemplo, há muitos cortes assim mostrando como os efeitos especiais em filmes indianos não têm medo de explorar o absurdo. Parecia até uma cena engraçada devido ao seu absurdismo. Quando enfim assisti o filme, só agora em 2022, a cena fez todo o sentido no contexto da história. 

O exército de Baahubali era o povo. Eles não tinham recursos, não tinham armas de cerco. Alguns literalmente atiravam pedras. Como conseguiriam invadir o fortificado castelo? Aí entra a engenhosidade de Baahubali. Ele olha para as palmeiras e tem a ideia de usá-las para catapultar os soldados.  

Os vilões de terno das Wachowski

Hugo Weaving; The Matrix (1999)

Como o tema da identidade de gênero está em alta ultimamente, se tornou também mais comum a teoria, entre as várias teorias matrixescas, de que Matrix era uma grande metáfora sobre a transexualidade das irmãs Wachowski. E há quem diga que este é o grande tema da carreira delas.

Estes dias, porém, tive um insight diferente. Se observarmos a filmografia da dupla, nota-se uma recorrência de certo tipo de personagem como vilão: o homem de terno. 

A começar por The Matrix (1999), vemos que os ternos estão em toda parte, nos agentes, especialmente o Agente Smith, que se tornará o grande vilão de toda a trilogia. 

Lambert Wilson; The Matrix Reloaded (2003)

Helmut Bakaitis; The Matrix Reloaded (2003)

Em The Matrix Reloaded (2003), além dos agentes, temos o Merovíngio, uma espécie de mafioso dentro da Matrix, e ninguém menos que o boss final, o Arquiteto, um homem branco idoso de terno, como que representando o clássico magnata boomer.

Hugo Weaving; The Matrix Revolutions (2003)

Em The Matrix Revolutions (2003), então, o Neo luta contra uma multidão de Smiths, um arrastão de homens de terno. Este deve ser o pesadelo das Wachowski.

Em contraste, os mocinhos não usavam terno, mas sobretudos, colantes e outras roupas igualmente estilosas. 

John Hurt; V for Vendetta (2005)

Aí vamos para V de Vingança (2005). O vilão é o ditador de uma distópica Grã Bretanha e adivinha só como ele está sempre vestido: de terno e gravata.

Roger Allam; Speed Racer (2008)

Até mesmo no infantilóide Speed Racer (2008), o vilão é novamente um cara de terno, com sua vibrante gravata lilás, o inescrupuloso e ganancioso empresário Arnold. Ele é a caricatura do executivo malvadão que só pensa em dinheiro.

Jim Sturgess, Hugo Weaving; Cloud Atlas (2012)

Em Cloud Atlas (2012), o Hugo Weaving está de volta e novamente como um vilão de terno. Já está claro que temos um padrão?

Eddie Redmayne; Jupiter Ascending (2015)

Em Jupiter Ascending (2015), o vilão veste uma roupa que não se parece com um terno típico, mas acho que há uma explicação.

Bom, o grande padrão não tem a ver apenas com ternos. A questão mesmo é que os vilões nos filmes das Wachowski são sempre homens brancos de terno, o que no imaginário popular representa  geralmente executivos, políticos, mafiosos, agentes federais ou membros e líderes de alguma organização que tem poder na sociedade.

No caso de Jupiter Ascending, o vilão é uma espécie de ultra-hiper-megaempresário cósmico e a Terra é apenas um de seus inúmeros latifúndios. Seria esquisito ele usar um terno propriamente dito, pois ele é um alienígena, mas a sua roupa preta e com um colarinho ainda tem um certo ar de terno, só que um terno na versão alienígena.

Terrence Mann; Sense8 (2015)

Até na série Sense8 (2015), o vilão Whispers, que é um sense8 rebelado, é mais uma vez um homem branco velho e de terno.

The Matrix Resurrections (2021)

Enfim, pra concluir esta teoria, Matrix 4 (2021) parece trazer o ultimate vilain. Há uma piada interna no filme, uma meta joke, uma vez que Neo é contratado pela Warner Bros. pra fazer uma sequência do jogo. Estes executivos da Warner acabam sendo os grandes vilões do último filme, pois são eles que não deixam Neo seguir sua vida, querendo que ele retorne à franquia motivados simplesmente pelo lucro. Até o Arquiteto se refere a eles como forças superiores e eles são sempre mencionados como "The Suits" (os caras de terno, os engravatados).