Uma introdução sobre estereótipos e arquétipos sexuais
Em termos de traços sexuais, os personagens em uma obra fictícia podem exibir basicamente três tipos: virilidade, feminilidade e androginia, sendo este último uma mescla dos dois anteriores.
A virilidade consiste nos atributos clássicos atribuídos ao "homem ideal": força, valentia, iniciativa, espírito aventureiro, disposição ao sacrifício heroico, etc. A feminilidade envolve os atributos da "mulher ideal": delicadeza, beleza, sensibilidade, espírito maternal ou, em outras palavras, disposição para cuidar e ajudar os outros, etc. A androginia é mais rara e costuma caracterizar personagens peculiares, diferentes do normal, com uma mistura de características masculinas e femininas. É um arquétipo que combina com anti-heróis, magos, sábios, loucos, seres sobrenaturais ou de outras espécies, como elfos.
A indústria de entretenimento ocidental vem perdendo a habilidade de aplicar estes atributos arquetípicos aos personagens, em parte por causa da "woke culture" que propõe a desconstrução de estereótipos sociais, chegando mesmo ao ponto dos estereótipos de gênero.
Desta forma, como que com receio de ofender alguma classe ou querendo agradar a todas, a ficção ocidental tem tornado os personagens amorfos, sem um arquétipo sexual claro. Acabam se tornando meio robóticos, sem os trejeitos e comportamentos que os fariam parecer humanos, parecer com as pessoas que a gente conhece na vida real.
A melhor maneira de fazer um personagem marcante e que atrai nossa empatia é enfatizando certas características, ou seja, é aplicando estereótipos. O medo dos estereótipos acabou tornando a caracterização de personagens insossa.
Já na ficção oriental parece que esta moda anti-estereótipo ainda não chegou e talvez, felizmente, nunca chegue. Nos animes, os estereótipos são bem claros nos personagens, inclusive seus traços de sexualidade. Você encontra bem definidas a virilidade, feminilidade e androginia.
Não significa que cada personagem seja 100% apenas uma coisa. Em Naruto, por exemplo, o Naruto é em geral um personagem viril, mas há uma feminilidade de alívio cômico quando ele pratica o jutsu sexy e se transforma numa menina. Já o Sasuke tem um jeitão ainda mais viril, só que tem uma aparência que beira o andrógino, pois é isto que o torna mais bonito que o normal dos outros homens. Hinata é bastante feminina, delicada e até submissa¹, enquanto Sakura tem um forte lado viril, dividido com a sua feminilidade. Orochimaru, por sua vez, é um bom exemplo de anti-herói (ou vilão) andrógino.
É o caso também do cinema indiano, de Bollywood. Os protagonistas masculinos são geralmente bastante viris, são os chamados "homão da porra", enquanto as femininas são belas, delicadas, se vestem com muitos adornos que realçam a feminilidade. Curiosamente, as protagonistas femininas no cinema de ação indiano são do tipo "mulherão da porra", uma mistura de traços femininos com força e valentia². Fazem isto de tal maneira que a virilidade, em vez de amenizar a feminilidade destas personagens, a acentua.
O épico Baahubali
E após este longo prólogo, chegamos ao filme indiano em questão: Baahubali (2015). Se tem uma coisa em que Bollywood superou Hollywood é na produção de épicos. Nesta história, que se passa na Índia medieval, já vemos no início uma personagem bastante badass: uma mulher com uma flecha cravada nas costas corre para uma catarata carregando um bebê, Mahendra Baahubali .
Ela atravessa o rio e, à beira da morte, faz uma prece a Shiva em favor do filho. Ela ergue o braço com a criança no topo e é coberta pela água, morrendo, mas mantendo o braço firme até que aldeões encontram o bebê e o resgatam. Um gesto de sacrifício maternal formidável.
O bebê é adotado pela esposa do chefe da tribo, que o nomeia Shivudu, pois ela era grande devota de Shiva. O menino tem a mania de escalar uma cachoeira pela mera curiosidade de saber o que tem lá em cima e esta prática constante faz que ele desenvolva uma força sobre-humana, a ponto dele erguer com as mãos uma enorme estátua de Shiva (um lingam, mais especificamente). O bicho é tipo um Hércules indiano.
Um dia Baahubali encontra uma máscara feminina caída da cachoeira, o que o motiva mais ainda a querer chegar ao topo. Quando está bem no alto, ele fabrica um arco e flecha com ripas e cipós, dá um salto de fé no precipício e atira a flecha em uma árvore que fica no topo da cachoeira.
Assim ele finalmente encontra a dona da máscara, Avantika, e rola um divertido flerte. A moça é valente, arredia. Avantika pertence a uma milícia local formada para resistir ao poder tirânico do rei de Mahishmati, Bhallaladeva, e resgatar sua cativa, a princesa Devasena.
Na cena em que vemos a reunião desta milícia, já temos um típico elemento do cinema indiano: o olhar. Os atores conseguem ser bem convincentes em transmitir uma intensidade e ódio nos olhos, o que é expresso em palavras pelo líder dos rebeldes que diz que nos olhos deles jamais deve haver a água das lágrimas, mas somente o fogo do ódio. Eita porra.
No encontro de Avantika com Baahubali, o filme deixa o tom sério e épico e se torna um musical, um elemento praticamente obrigatório em todo filme indiano. O cenário muda, fica florido, colorido, e o casal apaixonado canta e dança.
Quando Avantika conta a Baahubali sobre sua missão, ele imediatamente se engaja na causa e parte para o palácio do rei a fim de resgatar Devasena.
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O olhar intenso, principalmente em momentos de fúria, é uma marca do cinema indiano. |
O tirânico rei não é menos fodão que Baahubali. Vemos ele lutando contra um enorme touro, derrubando-o literalmente no soco. Novamente temos a ênfase da câmera nos olhos e vemos que o rei tem um olhar maligno e intenso.
Esta é a fórmula indiana para dar intensidade a seus personagens: muitos closes no rosto e muito slow motion, de dar inveja a Zack Snyder.
Estes recursos da dramaturgia indiana já são bem conhecidos no ocidente na forma de memes, principalmente por causa das novelas que são beeem exageradas, como vemos no vídeo abaixo.
Na medida certa, porém, a ênfase que a câmera dá às expressões dos atores funciona muito bem, como acontece em Baahubali.
Baahubali consegue libertar Devasena e então temos um momento de flashback, quando o fiel servo do rei, Kattappa, revela que Mahendra Baahubali era filho de Amarendra Baahubali, um lendário guerreiro que demonstrou grande heroísmo em uma batalha contra uma tribo bárbara chamada kalakeyas. Temos então uns 40 minutos de uma batalha épica e formidavelmente bem produzida, uma verdadeira aula de batalha campal em um filme.
É nesta batalha que o filme se assemelha bastante a 300 (2006), especialmente numa cena em que Baahubali avança contra os inimigos, numa sequência de golpes em slow motion bem parecida com a cena de Leônidas contra os soldados persas em 300. É curioso então pensar como Zack Snyder pode ter exercido uma influência no cinema de ação indiano, nessa técnica de slow motion cadenciado em um plano sequência de luta.
Baahubali se inspirou em 300 sim, mas apenas no aspecto técnico de certos momentos da batalha. A longa cena da batalha, por sua vez, é cheia de criatividade e consegue prender a atenção do início ao fim. É raro algum filme hollywoodiano conseguir produzir tanto tempo de tela para uma batalha.
Também o cinema épico indiano não precisa de 300, muito menos da história grega para produzir seus roteiros, já que a literatura védica é cheia de grandiosos mitos. A história de Baahubali foi inspirada no milenar Mahabharata.
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Os kalakeyas parecem klingons medievais. |
Um detalhe interessante é que os bárbaros invasores falam uma língua estranha, chamada kiliki, que foi desenvolvida pelo roteirista Madhan Karky, com cerca de 750 palavras e 40 regras gramaticais. Esta foi a primeira vez que uma língua ficcional foi criada para um filme indiano.
Como o homem da linhagem real, Bijjaladeva, era inapto a ocupar o trono devido a uma deficiência física (afinal o rei também era líder do exército e deveria ser saudável e forte para ir à frente nas batalhas), quem de fato tinha o poder no governo era sua esposa Sivagami.
Sivagami reinou com sabedoria e mão firme e criou seu filho Bhallaladeva e o afilhado Amarendra Baahubali (que era um órfão, filho do falecido rei Vikramadeva). Estes dois irmãos, quando adultos, eram os candidatos ao trono. Amarenda tinha um coração puro, enquanto Bhalla era ganancioso e tentava sabotar o irmão na disputa pelo trono. Os dois lutaram na batalha contra os kalakeyas e no final Sivagami reconheceu o esforço de Amarendra, nomeando-o rei.
Então termina o flashback do velho Kattappa, que ainda acrescenta um trágico detalhe: apesar de Amarendra ter sido um guerreiro poderoso, praticamente divino, terminou morto com uma espada nas costas. Kattappa revela que ele foi o traidor que apunhalou o rei e assim esta parte um do filme termina num momento de revelação bem novelística.
Kattappa, aliás, é um grande personagem na trama. Vários personagens secundários têm seu espaço para brilhar. É um filme com muitos personagens fortes, nobres e heroicos e Kattappa é o melhor exemplo. Ele é um escravo do reino, mas tem uma lealdade sincera e abnegada, a ponto dele conseguir conciliar seu ódio pelo rei que aprisionou Devasena e sua atitude protetora e até sacrificial para com o mesmo rei. Só uma pessoa muito nobre conseguiria conciliar estes sentimentos paradoxais.
Ele também funciona como exemplo de "velho fodão", pois é um grande espadachim. Este tipo de personagem também existe no cinema ocidental e é interessante por valorizar a terceira idade, mostrando que idosos também podem ser badasses.
Devasena é outra grande personagem e que tem seu arco melhor explorado em Baahubali 2. No primeiro filme ela aparece já idosa e bastante castigada, sendo prisioneira do rei. Mesmo enfraquecida e humilhada, ela mantém uma firmeza de espírito e até lança uma maldição sobre o rei, com os olhos cheios daquele ódio que falamos antes.
Baahubali 2 (2017) volta no passado para contar a história do primeiro Baahubali, o Amarendra. Enquanto o primeiro filme é um épico de batalha, o segundo é mais voltado ao drama da família real e à crise interna do reino devido à disputa dos dois irmãos ao trono. Parece realmente uma novela, mas sem as galhofices das novelas.
Após a vitória na grande batalha do filme anterior, Amarendra Baahubali é declarado rei e viaja com Kattappa pelo reino para conhecer seu povo. Assim ele encontra a jovem Devasena, por quem se apaixona loucamente. Devasena é a princesa de um pequeno reino e, depois que Baahubali a protege de um ataque, ela retribui seu sentimento e eles tornam-se noivos.
Assim o casal volta ao palácio de Mahishmati, mas a Rainha Mãe, Sivagami, não concorda com o casamento e diz que Baahubali deve escolher entre o trono e sua amada. Ele então renuncia ao trono, o que obviamente deixa a rainha puta da vida com ele, enquanto Bhallaladeva fica felizão que agora finalmente vai herdar o trono.
Na coroação do novo rei (uma grandiosa e pomposa cerimônia, diga-se de passagem), Bhalla senta no trono, enquanto Baahu recebe o cargo de general. Quando Baahubali faz um discurso de posse, a multidão vai à loucura. As massas e até os militares gritam e cantam e batem no chão de tal forma que o palácio inteiro treme. Baahubali é rei no coração do povo.
Enquanto Baahu é manso e de coração mole, Devasena é seu oposto. Ela tem a personalidade forte, é atrevida e não aceita desaforos. Ela ousa discutir com a própria Rainha Mãe, sua sogra, questionando suas decisões no reino.
A gota d'água acontece quando um soldado estava apalpando as mulheres em uma fila (ele tocava em seus ombros, o que para a cultura indiana deve ser bem inapropriado) e, quando ele toca em Devasena, ela não deixa barato e decepa os dedos dele numa facada. Devasena é levada a julgamento, com a presença do general Baahubali como mediador. Quando ela conta o que aconteceu, Baahubali diz que cortar os dedos do tarado foi pouco e ele merecia é perder a cabeça. No mesmo instante, Baahu puxa a espada e corta a cabeça do soldado.
Ok, convenhamos que ele se excedeu. O soldado foi um escroto em apalpar as moças, mas pena de morte por causa de uma mão boba no ombro já é demais. A Rainha Mãe entende que o casal está conspirando e passando por cima da autoridade dela, de modo que ela sentencia o banimento dos dois.
Baahu e Devasena, que já estava grávida, vão viver com os pobres do reino, sendo muito bem aceitos. O príncipe se dedica aos trabalhos braçais como todo mundo, mas usa seu conhecimento e engenhosidade para melhorar a vida do povo, projetando máquinas que ajudam nas tarefas. Também se torna um líder local, ouvindo as pessoas, aconselhando e julgando. Mesmo banido, ele continua rei no coração do povo.
Então acontece uma conspiração nível Game of Thrones. Primeiro o pai de Bhalla convence Kumara, irmão de Devasena, de que há uma conspiração de Bhalla para matar Baahu, sua esposa e o bebê. Ele pede que, para salvá-los, Kumara deve matar Bhalla.
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Perplecta. |
Kumara então entra nos aposentos de Bhalla e tenta matá-lo, mas é morto pelos guardas. Quando a Rainha Mãe chega no local e vê os corpos, Bhalla e seu pai dizem que Kumara foi contratado por Baahubali para matar seu irmão.
Perplexa e revoltada, ela concorda que Baahubali deve ser condenado à morte por ter tentado matar o príncipe, todavia, ela ainda tem a frieza de considerar que a reação popular seria extremamente negativa se o reino oficialmente matasse o querido do povo, então ela decide que a morte deve ser realizada secretamente e por meio do servo mais confiável do reino, ninguém menos que Kattappa.
Chegamos então à parte que ficou em aberto no primeiro filme. Agora ficou claro como Kattappa foi capaz de matar alguém que tinha toda sua lealdade e carinho. Kattappa era tratado como um tio por Baahubali, que também tinha por ele uma confiança irrestrita.
Aqui vemos mais uma vez como Kattappa é um personagem formidável, o mais dramático e profundo da duologia. Com uma lealdade heróica digna de um épico, ele jamais desobedeceria a rainha, mesmo que ela peça para matar o próprio filho.
Ele ainda hesitou e implorou que a rainha não desse essa ordem, até pediu que ela o decapitasse por insubordinação, mas ela disse que, se ele não fosse matar Baahubali, ela mesma iria. Isto o colocou numa situação da qual não poderia se esquivar, pois ele preferia tomar para si a culpa deste horrendo pecado, a permitir que a rainha se tornasse ela própria a responsável direta pela morte do filho. Eis o nível de nobreza de Kattappa. Ele não só está disposto a sacrificar a própria vida, como a própria honra.
Kattappa então vai ao encontro de Baahubali, numa emboscada. Ele está de mãos e pés amarrados, para não despertar suspeitas, e assim que Baahu vai salvá-lo, acontece uma invasão de bárbaros que os atacam com uma chuva de flechas. Baahu cobre Kattappa com seu corpo, como um escudo, recebendo nas costas diversas flechadas, o que só aumentou o sentimento de culpa do pobre Kattappa.
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Pobre Kattappa! |
Kattappa implorou que Baahu fugisse dali e o largasse (pois enquanto estava de mãos atadas, Kattappa não poderia cumprir a sua ordem de matá-lo e ele preferia que fosse assim e que fosse morto pelos bárbaros antes de cumprir a missão), mas obviamente Baahu libertou Kattappa e seguiu protegendo-o dos bárbaros. Então, enquanto Baahu lutava contra os inimigos, Kattappa o atravessou com a espada pelas costas.
A traição de Kattappa é bem peculiar, pois não era como um Judas ou mesmo um Brutus. Kattappa não tinha nenhuma motivação pessoal para trair o príncipe que ele amava como a um filho ou sobrinho. O gesto dele nem pode ser considerado exatamente traição, pois o que ele fez foi em obediência a uma ordem, de modo que sua lealdade entrou em conflito com seu sentimento afetivo.
Diante do príncipe agonizante, Kattappa confessa que seguia ordens reais, explicou a conspiração e implorou por perdão. Baahubali com toda sua mansidão apenas pediu que Kattappa cuidasse de sua mãe e filho. Uma cena dramática realmente grandiosa.
Então aparece Bhalla para se certificar de que a missão foi cumprida. Ele começa a golpear o cadáver de Baahubali numa fúria louca, enquanto confessa todo o seu plano conspiratório. Kattappa ouve tudo e, quando volta ao reino, conta para Sivagami, que obviamente entra em choque. Ela matou o próprio filho baseada em uma mentira.
Enquanto isto, a multidão espera do lado de fora, querendo saber o que houve com Baahubali. Sivagami se apresenta e anuncia a morte do príncipe e diz que o rei nomeado será o filho dele, o bebê Mahendra Baahubali, contrariando os planos de Bhalla.
De volta ao palácio, ela sentencia à morte seu outro filho, Bhalla, mas Bhalla e seu pai já estavam preparados e convocam os guardas para dar um golpe de estado. Agora é Sivagami que terá de fugir com o bebê, enquanto Kattappa sozinho tenta segurar os guardas. Bhalla ainda acerta uma flecha nas costas de Sivagami que cai num córrego.
No primeiro filme já vimos o que aconteceu a partir daí. A valente Sivagami consegue fugir pelo rio com seu neto nas mãos. Ela se sacrifica, mas ele é salvo e cresce para enfim redescobrir suas origens. Devasena, por sua vez, ficou todos estes anos no castelo, vivendo como escrava do sádico Bhalla, esperando que um dia o filho viesse salvá-la.
Depois de Kattappa contar toda essa história, Mahendra Baahubali se comove diante da sofrida Devasena e incita a multidão a se armar em guerra contra o reino tirânico de Bhalla.
O nível de maldade de Bhalla fica bem demonstrado em uma declaração sua. Ele diz que mesmo tendo conseguido tudo o que queria e o trono do reino, nada disso o deixou realmente satisfeito. O que de fato o satisfazia era manter Devasena como prisioneira por 25 anos. Ele é um sádico.
Por isso o próprio Bhalla saiu do castelo em uma biga (uma biga bem surreal, puxada por touros e toda equipada com lâminas e que dispara lanças, que também foi usada na batalha do primeiro filme) e raptou Devasena, levando-a de volta para o castelo.
Então rola uma batalha para derrubar o governo de Bhalla. Não é tão longa quanto a batalha do primeiro filme contra os bárbaros, mas é igualmente épica. Uma das cenas mais absurdas e legais é a da catapulta humana³, quando os soldados de Baahubali invadem o castelo literalmente catapultados por palmeiras.
Enquanto rola a pancadaria, Devasena cumpre a promessa que fez há muitos anos. Ela faria uma procissão levando um jarro com fogo sobre a cabeça e acenderia uma pira sagrada, queimando nela o maligno Bhallaladeva.
Por fim, após um mano a mano dos dois titãs, Baahubali lança o derrotado Bhalaladeva na pira e Devasena ateia fogo. Baahubali enfim ocupa o trono e assim termina a grandiosa saga.
Curiosidade sobre os símbolos na testa
Na cultura indiana, o centro da testa é considerado um local de grande valor místico, o terceiro olho, e também é comum adornar esta região com algum sinal. O mais conhecido é o ponto vermelho que muitas mulheres costumam usar, chamado bindi. É um item de maquiagem, mas também um amuleto de proteção.
Os personagens principais todos usam algum sinal, o que revela algo sobre eles. Sivagami tem um clássico bindi, porém maior que o normal, representando uma lua cheia e seu temperamento poderoso. Ela é uma rainha de mão de ferro, capaz de sentenciar o próprio filho à morte, se achar justo.
Bijjaladeva, o quase-rei, tem um trishulam, o tridente de Shiva, que simboliza tanto a criação quanto a destruição. De fato, por seu comportamento manipulador, ele levou o reino a um estado de constante crise, de criação e destruição.
Bhallaladeva tem um sol nascente, que é também o símbolo do reino de Mahishmati. O fato dele levar na testa o mesmo emblema do reino mostra o quão obcecado ele é pelo poder e seu grande desejo é se tornar rei.
Em contraste com o irmão, Amarendra Baahubali tem o símbolo de uma meia lua, o que expressa sua natureza calma e bondosa.
Mahendra Baahubali tem um shivalinga, um ícone relacionado a Shiva e que representa força e valentia.
Devasena tem um curioso sinal que parece a mistura dos símbolos masculino e feminino. Isto representa bem a sua natureza andrógina. Devasena é delicada e durona, é mãe e é guerreira.
Avantika tem a forma de uma ponta de lança, mostrando sua natureza bélica, focada na missão de combater a tirania do reino.
Kattappa, obviamente, possui uma marca que o identifica como escravo.
Conclusão
É claro que chamar Baahubali de "300 indiano" não é justo. A semelhança existe apenas em algumas cenas de batalha, enquanto a história em si é bem diferente de 300, mais voltada ao romance, drama familiar e intrigas dentro do reino.
Baahubali tem sua própria mitologia, é definitivamente um grande épico, bem como um grande drama e romance.
O primeiro filme arrecadou cerca de 87 milhões de dólares em todo o mundo, sendo 68 milhões somente em solo indiano, se tornando o filme mais rentável na Índia até então.
Baahubali 2 foi ainda mais longe. Teve uma arrecadação mundial de 240 milhões, sendo 190 milhões só na Índia.
A Índia possui um mercado interno formidável e a maior parte dos lucros de Bollywood vem do próprio consumo do povo indiano (afinal estamos falando de uma população de 1,3 bilhão, já bem pertinho do 1,4 bilhão da China). Agora, com os serviços de streaming, a vasta filmografia indiana está cada vez mais acessível mundialmente. Baahubali, por exemplo, eu assisti na HBO Max, enquanto Baahubali 2 encontrei na Netflix.
Notas:
1: A submissão é talvez a "característica feminina" mais criticada pela woke culture, pois ela é associada ao papel da mulher na sociedade como uma serva do marido, ou dos homens em geral. Esta questão social não vem ao caso aqui, pois a submissão, enquanto traço de personalidade, não é per se boa ou má. É uma característica como qualquer outra e pode ser algo com que a pessoa se sinta confortável.
Este atributo é classicamente associado ao feminino, até por uma questão pré-histórica: já que a natureza dotou o corpo masculino de mais força, naturalmente os homens se tornavam os guerreiros e protetores das tribos, enquanto as mulheres se dedicavam a cuidar das questões internas da tribo. Elas tinham seus privilégios. Os homens partiam para a selva, para enfrentar feras e outros guerreiros, enquanto as mulheres estavam seguras na aldeia. Logo, o preço da segurança era a submissão, acatando a liderança dos guerreiros.
Ora, até hoje é assim que funciona a sociedade: em troça da segurança do Estado, os cidadãos renunciam a certas liberdades, acatando a lei que o Estado impõe. Se esta troca vale a pena, é algo que vivemos a nos questionar.
Acontece que este acordo tácito que havia nas sociedades primitivas foi evoluindo de tal forma que ficou desbalanceado para o lado das mulheres, que então se tornaram servas dos maridos e de toda uma hierarquia social que só começou a mudar após a revolução industrial.
Mas voltando ao tema, os chamados atributos masculino e feminino são então, basicamente, derivados da própria natureza. O homem ideal é mais forte e fisicamente maior, mais alto e robusto que a mulher ideal, que é menor, mais delicada em seus traços, tem menos força física. É óóóbvio que existem corpos masculinos e femininos de todos os tipos, tem homens pequenos e delicados, tem mulheres marombadas, mais altas e mais fortes que certos homens, mas no geral, na imensa maioria, essa distinção física entre homens e mulheres é evidente.
Daí, portanto, a formação na consciência coletiva destes arquétipos associados a masculino e feminino. Não é algo socialmente construído, mas fisiologicamente inspirado. As construções sociais são outra questão e não é o caso aqui quando falamos de estereótipos de personalidade.
Assim, personagens submissos devem existir e não necessariamente isto deve ser tratado como um traço ruim ou problemático de sua personalidade. Uma pessoa submissa pode significar que ela é mais aberta e maleável, que tem uma boa disposição para concordar ou cooperar sem ficar fazendo muitos questionamentos e disputas de poder. Os personagens submissos são os mais amigáveis e leais.
Enfim, quero dizer com isto que a submissão, enquanto característica de personalidade, não deve ser demonizada como uma fraqueza ou problematizada por ser um arquétipo feminino. Os arquétipos são a melhor forma de se criar personagens que as pessoas reconheçam como humanos e não como bonecos bidimensionais.
Também devo deixar claro que o fato da submissão ser um arquétipo feminino não significa que seja um atributo exclusivo de personagens femininas. Como já disse nos exemplos de Naruto, há diversas gradações e combinações de masculino e feminino em um mesmo personagem, independente de seu gênero. Masculino e feminino, enquanto arquétipos universais, transcendem o conceito moderno de gênero.
Devasena é um interessante exemplo da aplicação dos arquétipos independente do gênero do personagem. Ela é uma mulher, mas com um forte traço masculino, dada sua insubmissão e a forma como desafia a Rainha Mãe. Não à toa o bindi na testa de Devasena é um sinal andrógino.
2: Embora seja, na origem, uma característica feminina, a submissão não é imprescindível para a formação de uma personagem bastante feminina. Neste aspecto, o cinema de ação indiano é um bom exemplo. Raras são as protagonistas femininas que não tenham um lado viril e valente, mesmo assim, de alguma forma eles conseguem balancear isto de tal maneira que a valentia, em vez de amenizar, acentua a sua feminilidade.
3: Lembro de ter visto esta cena da catapulta há alguns anos na internet. No Youtube, por exemplo, há muitos cortes assim mostrando como os efeitos especiais em filmes indianos não têm medo de explorar o absurdo. Parecia até uma cena engraçada devido ao seu absurdismo. Quando enfim assisti o filme, só agora em 2022, a cena fez todo o sentido no contexto da história.
O exército de Baahubali era o povo. Eles não tinham recursos, não tinham armas de cerco. Alguns literalmente atiravam pedras. Como conseguiriam invadir o fortificado castelo? Aí entra a engenhosidade de Baahubali. Ele olha para as palmeiras e tem a ideia de usá-las para catapultar os soldados.