Este é um tipo de filme que particularmente me agrada, um drama psicológico. A história mistura imaginação e realidade e acontece em grande parte na mente do personagem, Trevor Reznik (Christian Bale). Ele está há um ano sem conseguir dormir direito, muito magro e envolvido em circunstâncias e conspirações que provavelmente são apenas sintomas de alguma paranoia.
Não é difícil perceber desde o começo que Trevor parece ter cometido algum crime e experimenta o auto engano e a fuga por meio de lapsos de memória e encontros com personagens imaginários. Uma personagem semelhante protagonizou o filme Gothika (2003), com Halle Berry. No caso, alguém que cria uma realidade imaginária, até mesmo conspiratória, para negar as próprias memórias e a própria culpa.
Em The Machinist a abordagem do tema envolve também a própria aparência de Trevor. Christian Bale se dedicou a uma dieta diária de uma xícara de café, uma maçã e um atum, a fim de adquirir um corpo de 54 quilos. Foi uma grande mostra de dedicação ao papel. Bale, que interpretava personagens com o corpo bastante em forma (afinal ele foi o Batman né), renunciou aos músculos e se tornou esquálido, esquelético.
Este foi o efeito da culpa sobre Trevor. A insônia, as olheiras profundas, a falta de apetite que lhe provocou a intensa magreza, os lapsos na memória e na atenção, as crises de paranoia. Apesar da trama ser interessante, principalmente no final, quando as peças se vão encaixando, é o personagem quem mais encanta nesse filme.
É um filme sobre a culpa e está cheio de referências a Dostoiévski, um autor que abordou a culpa. Na cena do trem fantasma, uma placa tem escrito “crime e castigo”. Em casa, Trevor lê O Idiota. Uma criança epilética lembra o próprio Dostoiévski e o protagonista de O Idiota que sofriam deste mal .
No final, quando ele começa a se lembrar do passado, fica claro também que ele já teve uma vida mais luxuosa. Tinha um carro esportivo, se vestia bem e na certa tinha um emprego de boa renda. Tendo cometido um crime, passou a se esconder, evitar amizades, médicos, e a morar de forma modesta, trabalhando numa fábrica.
Também no decorrer de todo o filme há detalhes que chamam atenção quanto à sua condição financeira. Ele é um operário, provavelmente mal remunerado. Mas paga sempre em dia o aluguel do apartamento, é o melhor freguês de uma prostituta, frequenta um café num aeroporto, deixando sempre uma boa gorjeta de vinte dólares. Como ele consegue esbanjar tanto dinheiro assim diariamente? Ele possui, claro, dinheiro que adquiriu em sua carreira anterior.
Uma simbologia interessante no filme é a presença de dois caminhos, o direito e o esquerdo. Trevor sempre se vê seguindo pelo esquerdo, que é comumente associado ao sinistro, ao sombrio. Quando dirige, ele costuma dobrar à esquerda. No passeio do trem fantasma, escolhe o túnel esquerdo do inferno em vez do direito para salvação. O seu colega de trabalho perde a mão esquerda.
Somente no final, quando Trevor está tentando acertar-se, ele aparece numa cena em que dirige e tem de escolher a fuga à esquerda para o aeroporto ou dobrar para a direita em direção ao centro da cidade, para se entregar à polícia. A entrega é a salvação, quando aceita a culpa e o castigo e só então ele tem descanso, dormindo na prisão.
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