A primeira vez que ouvi falar em gun kata foi há mais de dez anos quando assisti Equilibrium (2002). Nessa época eu ainda alugava filmes em locadoras físicas e algo que eu adorava (e hoje não existe mais no streaming, já que geralmente você aluga apenas o filme em si) era o material extra, principalmente o making of. Pois bem, foi numa destas entrevistas que vi o diretor de Equilibrium usando o termo gun kata para se referir àquela arte marcial do personagem.
Basicamente consiste em manipular armas de fogo com uma destreza de artista marcial, então não se trata apenas de atirar e ter boa mira, mas de realizar acrobacias e coreografias que, além de aumentarem o poder letal do atirador, dão um ar bem cool ao que ele está fazendo.
E mais, no caso de Equilibrium, essa arte envolvia movimentos que visavam otimizar o campo de tiro, de modo que mesmo no escuro o cara conseguia acertar os inimigos porque as trajetórias calculadas das balas seguiam em direções onde muito provavelmente alvos humanos poderiam se localizar!
Armas de fogo e tiroteios são populares no cinema desde o tempo dos filmes de Velho Oeste, os chamados bang bang. Neste caso, os personagens pareciam descolados e fodões por causa da agilidade com que sacavam as armas da cintura e a mira fabulosa. Suas poses eram mais estáticas e rígidas e não havia firulas. Muitas vezes a cena era lenta, como quando usavam espingardas para um tiro à distância e levavam certo tempo mirando calmamente, mas tudo isso dava também um ar descolado de um cara que sabe o que está fazendo. O negócio era ser bom de tiro e pronto.
Aí vieram os filmes de kung fu e os filmes de kung fu com armas de fogo e chegamos no diretor John Woo que pode ser considerado o criador desse estilo de luta que mistura o bang bang com toda a coreografia da luta marcial. É aí que a arte do tiroteio se tornou uma performance sobre humana em que os caras dão voadoras enquanto recarregam o estojo da pistola e dão tiros certeiros no meio de uma cambalhota ou deslizando no chão ou atravessando uma vidraça e por aí vai.
Então em Matrix (1999) esse conceito foi esteticamente melhorado com recursos de câmera e computação, criando aquelas cenas do Neo e Trinity literalmente subindo pelas paredes enquanto dão tiros e recarregam suas armas e trocam de armas e desviam de balas em câmera lenta, ato que ficou conhecido como "bullet time" e desde então foi copiado à exaustão em filmes e jogos.
Equilibrium refinou a ideia e transformou essa prática, outrora fruto apenas da habilidade marcial dos personagens, em uma arte que é aprendida com treino e técnica, resultando numa performance muito elegante de tiro e coreografia. O Christian Bale fez isso com maestria.
Em 2014 tivemos uma das melhores cenas envolvendo essa técnica que foi a já clássica "cena da igreja em Kingsman", em que Colin Firth, do alto da elegância do seu terno inglês, massacrou uma turba ensandecida usando uma pistola tanto para dar tiros como para espancar com coronhadas e até perfurou um cara com as peças desmontadas da arma. Isso é que é tirar o proveito máximo de uma pistola.
E então chegamos em John Wick e sua trilogia (2014-2019). John Wick é o gun kata ambulante. Todas as cenas de luta (e são muitas) estão recheadas de uma elaborada coreografia envolvendo judô, karatê e manipulação de armas de fogo ou qualquer coisa que na mão de John Wick vira uma arma (até um lápis!). Keanu Reeves levou essa arte marcial fictícia a outro nível de excelência.
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