Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

Algumas influências da minha adolescência

Recruta Zero

Como a maioria das crianças brasileiras, minha leitura favorita eram os quadrinhos da Turma da Mônica, mas também os da Disney, Tio Patinhas e tal. Só que minha favorita mesmo era a revista do recruta Zero. Talvez me identificasse com o jeito esquisito e distraído dele.

Novos Titãs 91

Foi só aos 11 anos que tive meu primeiro contato com uma HQ de super-heróis (embora já os conhecesse em desenhos e filmes na TV). Lembro demais desta revista, os Novos Titãs, número 91, que li e reli vezes sem conta. O vício foi imediato e desde então passei a poupar trocados do lanche e até do ônibus, voltando a pé para casa e juntando um dinheirinho pra comprar revistas.

Augusto dos Anjos
"Apedreja essa mão vil que te afaga, escarra nessa boca que te beija!"

Na literatura tradicional, creio que meu autor preferido era o Monteiro Lobato, até que na adolescência me deparei com outros autores mais adultos e também mais sombrios, como Augusto dos Anjos, cujo teor mórbido e gótico me fascinou. Também conheci Umberto Eco e O Nome da Rosa me marcou para sempre. Aí depois na vida adulta o leque se expandiu para um caleidoscópio de autores.

Stan Lee

Também não posso deixar de mencionar os roteiristas e desenhistas de quadrinhos que fizeram bastante minha cabeça, a começar do grande Stan Lee, bem como Peter David (que me fez conhecer o gênero cyberpunk na série do Homem-Aranha 2099); o trio Gaiman, Moore e Miller; os caras da Image, como McFarlane e Erik Larsen, que tinham um estilo muito gostoso de desenhar e contar história; e tantos outros nesse universo Marvel-DC...

Por que não mencionar também os animes e tokusatsus? Inclusive as primeiras revistas em quadrinhos que desenhei tinham muito dessa influência, com robôs gigantes e ninjas. Há, porém, outras influências mais incomuns, algumas até de autores que conheci pessoalmente.

Na adolescência eu costumava frequentar após as aulas a casa de um coleguinha que morava próximo à escola. Foi ali que conheci uma figura pitoresca: o intelectual Aldenor Benevides, que era amigo da família do meu coleguinha.

Ele já era um senhor bem idoso na época e parecia saído de uma foto vintage, vestido todo de branco em roupas sociais e com um chapéu que lhe dava um ar de gentleman. Eu achava curioso como todos paravam para ouvir com atenção cada palavra que ele dizia.

Ele teve um passado aventureiro, já viajou o mundo, até que adotou um estilo simples de vida. Era tão modesto que até as roupas que usava eram doações, algumas delas pertenceram a pessoas que já faleceram. Ele não tinha nojinho nem superstição com isso.

Aldenor Benevides

Aposentado, ele empregava o pouco dinheiro que recebia para custear suas frugais despesas básicas e gastava o resto publicando seus livros, que ele muitas vezes distribuía de graça para amigos e conhecidos. Até eu fui agraciado por alguns de seus livretos. Costumava chamar a si mesmo de "O Filósofo do Piripau". Ele foi o primeiro exemplo de self publishing que conheci.  

Lembro de um livreto em que ele contava uma história inteira (era um livretinho de umas 20-30 páginas) em bom português, mas com a proeza de nunca usar qualquer palavra com a letra "a", a letra mais comum da nossa língua. Havia apenas 1 aparição da letra "a" em todo o texto, quando ele mencionava uma árvore "pé de tambor". Até hoje lembro desse detalhe.

Mas ele não fazia só brincadeiras linguísticas. A maioria de seus livros era de ensaios, poesias, pensamentos e ensinamentos espiritualistas (ele era kardecista, mas com influências humanistas e mesmo do catolicismo do Padim Ciço). Mesmo eu, no auge do ateísmo revoltado adolescente, gostava de ler estes textos de teor religioso dele.

Seus livros eram os mais simples possíveis. Ele imprimia em gráficas locais, numa época em que não havia impressão digital, só offset, e os livrinhos eram basicamente feitos da mesma forma que os livretos de cordel, com aquele papel jornal amarelado e uma capa de cartolina, sem cores, apenas tinta preta. Também havia algumas obras mais volumosas e com impressão mais cara, como a biografia do Padre Cícero.

Eu, que na época brincava de confeccionar minhas revistinhas em quadrinhos de forma bem artesanal, via nesse modelo de publicação dele uma inspiração e, de fato, depois de adulto cheguei a imprimir um cordel numa gráfica, com o poema "O Véio e o Toco" (poema que republiquei anos depois na Amazon¹), em parte motivado pelo exemplo dele.

Lacarmélio

Algum tempo depois, conheci em alguma reportagem da TV outra figura curiosa: Lacarmélio. Ele hoje já é um personagem folclórico de Belo Horizonte. Ficou conhecido por ser visto em roupas coloridas vendendo nos semáforos revistas em quadrinhos que ele mesmo desenhou e imprimiu em gráfica local. 

O mercado de quadrinhos é muito seletivo e há poucas oportunidades, mas eis que Lacarmélio criou sua própria oportunidade por meio da auto publicação. Aliás, ele fez só tudo, foi o roteirista, desenhista, editor, bancou a impressão e foi pessoalmente distribuir nas ruas, tendo contato direto com os leitores.

Estes dois ficaram gravados na minha memória como pioneiros do self publishing. Hoje felizmente existe a internet e as opções de auto publicação são inúmeras, desde blogs, redes sociais, até sites de editoras, especialmente a Amazon, pela qual só tenho gratidão, pois foi ali que finalmente encontrei a oportunidade para publicar.

Pedro Bandeira

Como todo cearense, cresci ouvindo muito repente, a poesia cantada e improvisada dos trovadores nordestinos, o primeiro rap do Brasil. Conheci pessoalmente o repentista Pedro Bandeira que quando me via tinha a gentileza de me chamar de "poeta", mesmo eu sendo só uma criança. Ele era uma figura lendária e naturalmente me fez gostar ainda mais de poesia.

Patativa do Assaré

Igualmente é digno mencionar o poeta Patativa do Assaré, que nunca encontrei pessoalmente, mas era um ícone onipresente no Ceará, recitado no rádio, na TV, citado em livros, admirado nas universidades. Era um verdadeiro gênio. Cego, memorizava de cor todos seus inúmeros poemas, se tornando um museu vivo da própria obra.

Arthur Bispo do Rosário

Uma estranha personalidade que também me marcou na adolescência foi um cara desconhecido da maioria dos brasileiros e que nem costuma ser listado entre nossos escritores e artistas: o "louco" Arthur Bispo do Rosário.

Assim como o Lacarmélio, tomei conhecimento dele em alguma reportagem da TV, mas desenvolvi um interesse imediato. Pena que na época não havia internet para que eu procurasse saber mais sobre sua obra. O fato é que ele de alguma forma deixou uma marca em mim, talvez porque ele demonstrava sinais de hipergrafia (falei sobre hipergrafia em outro post²). Ele produzia painéis e bordados cheios de escrituras, algumas indecifráveis. 

Arthur Bispo do Rosário

Arthur Bispo do Rosário

Como uma espécie de concretista (aliás, os concretistas foram outros que fizeram minha cabeça na adolescência), ele usava as palavras como uma forma de decoração de suas obras plásticas. Rosário viveu praticamente a vida inteira internado num tradicional sanatório e era lá que criava seu mundo particular com textos, desenhos e objetos. Parecia um antigo profeta bíblico.

Beakman's World

Falando em loucura, tinha um cara que fazia um estilo cientista louco e que foi o personagem mais nerd que conheci na TV. O programa O Mundo de Beakman, que passava na TV Cultura, me encantava. Era um show de informações diversas, úteis e inúteis, incentivando nas crianças o gosto pela ciência. Sempre gostei e Beakman me fez gostar mais ainda.

Zé do Caixão

Por fim, há ainda outro ser que impressionou a minha mente juvenil: o cineasta Zé do Caixão. Na verdade não lembro se cheguei a assistir a algum filme dele na adolescência, mas ele se tornou minha companhia televisiva no programa Cine Trash, da Bandeirantes. Ele era o apresentador e tinha um estilo totalmente diferente de todos os outros, pois era sinistro e jogava pragas em quem mudasse de canal, sem contar o visual diabólico e as unhas enormes. 

O programa, fazendo jus ao nome, exibia filmes de terror trash, mas bem trash mesmo, filmes indies de baixíssimo orçamento, com muito gore e muito tosqueira. Nossa, eu adorava!

Sempre gostei de terror desde muito cedo. Muuuito cedo. Lembro de ter assistido ao primeiro A Hora do Pesadelo com uns 6 ou 7 anos e obviamente não consegui dormir. A cena em que o jovem Johnny Depp é engolido pela cama que depois espirra todo o sangue me deixou com alucinações quando fui tentar dormir. Pois é, não à toa filme de terror não é classificado para crianças, mas eu assistia mesmo assim.

Enfim, foi essa mistureba que alimentou minha imaginação na mocidade: quadrinhos, animes, cordel, poesia pré-moderna e moderna, espiritualismo, cyberpunk, artistas esquizofrênicos e terror trash.

Notas:


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