Silver Linings Playbook, duas pessoas quebradas que se encaixam

Com o título original Silver Linings Playbook (2012), é uma comédia romântica e dramática baseada no livro de mesmo nome de autoria de Matthew Quick, publicado em 2008. Recebeu nada menos que oito indicações ao Oscar, com o prêmio de melhor atriz para Jennifer Lawrence.

Dirigido por David O. Russell, tem o casal de protagonistas interpretado por Bradley Cooper (Limitless) e Jennifer Lawrence (Jogos Vorazes). Também conta com a participação de Robert De Niro e Chris Tucker. 

A história envolve Pat e Tiffany, duas pessoas problemáticas. Pat sofre de bipolaridade e seus acessos de fúria o levaram ao internamento compulsório após espancar o homem que flagrou com sua esposa.

Aliás, Pat tem uma obsessão por esta ex-esposa, Nikki. Todos os seus pensamentos giram em torno dela como uma veneração fanática. No livro o nome Nikki aparece umas 260 vezes, o que dá uma média de uma vez por página.

Quando conhece Tiffany, começa a transformação na vida de ambos. Ele, que havia perdido tudo, casa, emprego, esposa, e precisava recomeçar uma nova vida afetiva; ela, que tornou-se viúva tão jovem e passou a sofrer de alguns distúrbios após a perda traumática do marido. Ambos, portanto, se encontram feridos e, apesar do estranhamento inicial, acabam se identificando, se aproximando e curando-se mutuamente.

Esse romance de dois "loucos" resulta numa história que mistura comédia e drama. Os diálogos do filme são hilários, pois, no fim das contas, todos os personagens são um tanto doidos. Cada qual tem seus trejeitos e manias, como que mostrando que a normalidade é algo que na verdade não existe na vida real.

Há duas cenas curiosas em que um livro é defenestrado. Primeiro, Pat lê "Adeus às armas", de Hemingway, e, decepcionado com o final trágico, joga o livro pelo vidro da janela. Depois, Tiffany toma o livro "O Senhor das moscas" (William Golding) das mãos de Pat e o joga porta afora, fazendo uma breve e sarcástica resenha da obra.

O pretexto que Tiffany encontra para se aproximar de Pat é uma competição de dança, de modo que, durante os treinos, ambos vão se tornando cada vez mais amigos. Na última parte do filme, dá-se a tão esperada competição de dança. Uma das músicas, aliás, é brasileira, chamada Guarapiranga (do músico Toco).

O livro

Transtornos psicológicos, especialmente a bipolaridade e a depressão, parecem comuns entre escritores. Em 2001, o psicólogo James Kaufman cunhou o termo "Efeito Sylvia Plath" para designar esta aparente tendência no mundo literário.

Sylvia Plath foi uma escritora estadunidense que sofria de depressão e suicidou-se de forma friamente planejada, deitando a cabeça num forno para ser asfixiada pelo gás. Ela é citada no livro de Matthew Quick, O Lado Bom da Vida (The Silver Linings Playbook, 2008) e não por acaso. 

Aos 30 anos, Matthew Quick era professor de inglês e costumava incentivar os alunos a buscar motivação na literatura. Mas ele próprio entrou em crise por não estar seguindo o próprio conselho de correr atrás dos sonhos. Parou de ensinar, vendeu a casa e dedicou-se a escrever o livro que viria a se tornar um best seller e um filme com direito a Oscar.

Ele escreveu o romance em meio ao sofrimento da depressão. Nota-se que o livro reflete constantemente sobre este problema e menciona vários autores e obras da literatura norte-americana que foram marcados pela angústia e pelo pessimismo.

Mas O Lado Bom da Vida não é um livro depressivo. Pelo contrário. A narrativa, feita pelo próprio personagem Pat, é hilária, principalmente devido à sua forma infantil de ver a vida e descrever o seu mundo. Pat recém saiu de uma clínica psiquiátrica onde ficou por anos após crises de ira das quais não se lembra. 

Ele tenta recomeçar a vida, construir um relacionamento com os pais e o irmão, mas acima de tudo reatar os laços com Nikki, sua ex-esposa pela qual tem uma devoção fanática. Mas então conhece Tiffany, que também tem seus problemas, provocados por uma recente viuvez, e entre os dois vai se desenvolver uma amizade e um romance complicado.

Há muitas diferenças entre a história do livro e a do filme. A do filme é bem mais condensada e muda uma série de acontecimentos. Além disso, no livro os personagens são muito mais problemáticos. Pat tem sérias dificuldades de relacionamento com o pai, uma relação edipiana com a mãe, ataques severos de ira.

Apesar de tudo isto, há um fundo otimista na história e as personagens terminam resolvendo boa parte de seus problemas, embora não na forma perfeita de um típico final feliz.

Um detalhe interessante é a menção a diversas obras da literatura estadunidense. Pat lê uma série de livros com a intenção de impressionar Nikki e, no decorrer das leituras, tece seus comentários, geralmente de desaprovação, pois considera estas obras muito depressivas e pessimistas. A seguir alguns de seus comentários:

Sobre O Grande Gatsby (F. Scott Fitzgerald):

"Quando li a história... tive vontade de rasgar o livro ao meio, ligar para Fitzgerald e dizer que o livro está todo errado, embora eu saiba que Fitzgerald provavelmente já morreu".

Sobre Adeus às Armas (Ernest Hemingway):

"Ele cria o pior fim imaginável: Hemingway faz Catherine morrer de hemorragia após dar à luz um bebê natimorto. É o final mais torturante que eu já vi... Não vou citar Hemingway tão cedo, nem quero ler outro de seus livros. E, se ele ainda fosse vivo, eu escreveria uma carta para ele agora mesmo e ameaçaria estrangulá-lo até a morte com minhas próprias mãos, só por ele ser tão deprimente. Não é à toa que ele se matou com um tiro na cabeça".

Sobre A Letra Escarlate (Nathaniel Hawthorne):

"A Letra Escarlate, de Hawthorne, era leitura obrigatória no ensino médio e, se eu soubesse que o livro tinha tanto sexo e espionagem, talvez eu o tivesse lido aos dezesseis anos".

Sobre A Redoma de Vidro (Sylvia Plath):

"Descubro que todo o "romance" é, basicamente, a história de vida de Sylvia Plath, e que a autora acabou enfiando a cabeça em um forno, matando-se como Hemingway, só que sem a arma, e eu percebo que esse é o fim implícito do livro... Chego a rasgar o livro ao meio e jogar as duas metades na parede de meu quarto".

Por fim, ele leu Huckleberry Finn (Mark Twain) e O Apanhador no Campo de Centeio (J. D. Salinger) e, nestes dois casos, ficou satisfeito, pois eram histórias mais amenas e com finais felizes.

No filme, há comentários de apenas dois livros, Adeus às Armas, e Senhor das Moscas. Este último não é mencionado no livro.

Outro detalhe curioso é o ódio que Pat nutre por Kenny G.. Sim, o famoso músico. Pat tem acessos de fúria ao ouvir qualquer música de Kenny G. e chega a ter alucinações com ele. Em entrevistas, Matthew Quick explicou que originalmente Pat deveria ter aversão a Steve Wonder, mas por questões de direito autoral o livro terminou mencionando Kenny G..